Joana Carneiro, in Jornal de Notícias
Nova lei transformou os casos de violência doméstica em crime público
Um homem matou a tiro a mulher que se encontrava dentro de uma ambulância e, depois, um militar da GNR. O crime ocorreu em Montemor-o-Velho, no domingo, e reabriu o debate sobre a eficácia da nova lei contra a violência doméstica.
Diz o ditado "entre marido e mulher, ninguém meta a colher". Com a entrada em vigor da lei que regula a protecção às vítimas de violência doméstica, com a autonomização do crime de violência doméstica e com a nova natureza como crime público, a lei "mete a colher" e muito mais.
Até recentemente, ninguém tinha o "direito de se imiscuir nos assuntos de uma família. Agora têm esse dever", defende Teresa Féria, jurista e presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Jurídicas (APMJ).
foto Bruno Pires/JN
É precisamente no que toca à protecção de quem sofre uma agressão, ou várias, que a opinião sobre a lei de protecção às vítimas de violência doméstica é unânime. "A nova lei é um passo importante no combate ao crime de violência doméstica ao definir quem é vítima e os direitos que lhe assistem", explica Teresa Féria.
Para Ilda Afonso, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), "é extremamente importante uma mulher, que vê os seus planos de vida desfeitos, saber que há quem a ajude, que o Estado não a abandonou. Pelo contrário".
Segundo a lei, vítima é uma pessoa que "sofreu um dano, um atentado à integridade física, ou moral, uma perda material, no âmbito do crime de violência doméstica". A mesma lei fornece, agora, ajuda a nível económico, social e jurídico a quem se enquadrar neste quadro de abuso, ao conferir o "estatuto de vítima".
Paula Alves, da Comissão para a Igualdade e Cidadania (CIC), vê o estatuto da vítima como a forma de "obviar situações de vitimização institucional". A lei fornece a estas vítimas, "um conjunto de direitos que a ajudam a reerguer-se económica, social e emocionalmente", explica Ilda Afonso.
A dependência económica, em relação ao agressor, é um dos grandes entraves ao avanço da desvinculação. "A maior parte das vezes, às mulheres que aqui [APAV] vêm foi-lhes retirada qualquer meio de subsistência, pela proibição de trabalhar", explica Daniel Cotrim, psicólogo da APAV.
Mais grave é a "dependência emocional. Houve um dia que aquela mulher amou aquele homem e muitas vezes ainda ama", diz o psicólogo. E, ainda, a vítima deste tipo de crimes, segundo Daniel Cotrim, "sofre de um défice de amor próprio, causado pelo agressor, que a leva a pensar que nunca será ninguém sem ele".
A por todos "bendita" nova lei encontra entraves logo no início do processo. "Carece de regulamentação", esclarece a CIC. Na prática, segundo o JN apurou junto de fontes policiais, coisas básicas para a aplicação da lei, como os formulários a serem preenchidos aquando da queixa por violência doméstica, que comprovam o estatuto de vítima, "ainda não existem. Há o direito a ter o estatuto. Só não há como o obter", explicou um agente da PSP.
Além dos entraves burocráticos, os agentes ouvidos pelo JN, apontam a falta de formação. "Um agente que esteja de serviço tem de saber como lidar com esta situação. Mas não sabe", concordam todos. "Ninguém ensinou".
"Só o tempo comprovará a real eficácia da lei", diz Teresa Féria. Pelo menos, há agora "uma saída para o pesadelo". Aquela uma em cada três mulheres merece acordar.


