9.12.09

Mães têm de estudar para ter apoios

por Ana Tomás Ribeiro, Diário de Notícias

As mães com menos de 19 anos ainda são responsáveis por 5% dos partos realizados por ano em Portugal. Apesar de este número ter vindo a baixar, ainda há muito para fazer para combater o problema. A educação sexual e contraceptiva das famílias e dos jovens directamente nos bairros onde vivem é um caminho a seguir. Mas os apoios para quem já é mãe adolescente não chegam. E o ensino é fundamental para a sua reintegração, diz a directora da Ajuda de Mãe, uma instituição que apoia as adolescentes que querem estudar.

Numa rua tranquila de Paço de Arcos, a um domingo de manhã, apenas as vozes e risos de crianças da casa amarela rasgam o silêncio do dia de descanso. Abre-se a porta e nas escadas, em frente, o movimento de sobe e desce é contínuo. São mães e filhos, com uma diferença de idades tão pequena, que quase poderiam ser irmãos. Desfrutam de brincadeiras que os deveres da semana não lhes permitem. Se fosse um dia útil, às 11 horas da manhã, dificilmente alguém ainda estaria em casa. Todos já tinham partido para as escolas. As mães adolescentes para os liceus e estabelecimentos de ensino profissional e os bebés para os infantários. Essa é condição que a Ajuda de Mãe , a instituição que as apoia e acolhe impõe para poderem ficar ali.

Todas as mães têm de estudar, "esta uma condição que exigimos", explica a responsável da instituição que criou aquela residência para acolher 10 mães adolescentes e uma outra para grávidas, também adolescentes. Ao todo são dezasseis as que vivem nas casas da instituição até terem uma formação e emprego, que lhes permita dar aos filhos uma vida digna, sublinha Madalena Teixeira Duarte, adiantando "Não ajudamos mais, porque não temos capacidade para isso".

O número de grávidas adolescentes em Portugal tem vindo a baixar de ano para ano, sobretudo na faixa etária abaixo dos 15 anos. Entre os 15 e os 17, o desagravamento do problema não tem sido tão acentuado. "Hoje as mães adolescentes são responsáveis por 5% do total de partos realizados anualmente no País", diz o director executivo da Associação para o Planeamento da Família, Duarte Vilar, relembrando que há 30 anos representavam 14%. Mesmo assim, o País ainda continua a ser o 2.º da União Europeia a 15 com maior número de mães na adolescência.

Por isso, ainda há muito a fazer para combater o problema. "Além do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no ensino, pelos profissionais da saúde e a nossa associação ao nível da educação sexual e contraceptiva, é preciso agora actuar directamente nos bairros onde há maior risco de ocorrer a gravidez na adolescência, assim como apostar fortemente na educação sexual ao nível do ensino profissional" (ver caixa), diz Duarte Vilar. Precisamente porque a maior parte das grávidas adolescentes provêm de famílias problemáticas, numerosas, onde estão sujeitas ao abandono afectivo e negligência. Por isso, muitas deixam mesmo a escola ou têm insucesso escolar. E outras frequentam escolas profissionais, explica o responsável da associação, que já está a actuar em zonas no Alentejo e em bairros de Lisboa, como o de Marvila. Ora é precisamente no combate ao insucesso escolar e à falta de formação que a Ajuda de Mãe actua.

Só o domingo e o sábado são dias especiais para as mães adolescentes da casa amarela de Paço de Arcos. Por isso, naquele domingo, às 11 horas da manhã, as mães apressam-se a despachar as actividades a que estão obrigadas, já bem maquilhadas e vestidas para sair às duas da tarde, hora marcada para a chegada das visitas com quem podem sair até às 19.00.

As camas estão feitas, os quartos e casas de banho limpos e arrumados. Falta preparar o almoço para as crianças, pôr a mesa e almoçar. Uma refeição preparada por uma das mães, escalada para cozinheira naquele dia. Uma escala feita todas as semanas, para distribuir por todas as tarefas domésticas. Tudo sob o olhar atento da monitora Dina. As taxas de sucesso escolar na residência no ano passado foram de 100%. Na das grávidas foi de 85%, diz Madalena Teixeira Duarte.


Estar obrigada


Regras e disciplina é o que a maioria das oito mães - que naquele fim--de-semana estavam na casa amarela - diz ter aprendido ali. Duas outras estavam fora, de visita às famílias, por se terem portado bem. Algumas acham que há disciplina a mais. Mas todas estão com vontade de ficar, à excepção de Teresa (nome fictício), a mais jovem mãe, que teve o seu bebé de sete meses com apenas 14 anos.

O pai da criança está preso por furto e Teresa só está ali "porque de outra forma perderia o filho", afirma. "Fugi do hospital, depois de um parto de cesariana, porque soube que o meu bebé ia para uma instituição para ser adoptado. Estive escondida dois meses " , relata dando mama ao filho no pátio da casa. Depois o advogado conseguiu um acordo no tribunal para que ambos fossem para a Ajuda de Mãe. "Portanto, estou aqui porque fui obrigada. Espero sair ", diz, garantindo que toda a família a apoia desde o primeiro minuto da gravidez.

A sua única preocupação, ao dar a entrevista, é que não a vejam como "uma coitadinha". "É sempre assim que olham para nós. Eu não tenho vergonha de ter um filho. Sou contra o aborto. Podia era ter evitado antes", diz. Por enquanto, está a acabar o 6.º ano na Escola Aquilino Ribeiro, em Talaíde, interrompido quando engravidou.


Gosto do meu curso


Já a angolana Cleia Bonfim não tem medo de dar a cara. Assume que gosta de estar ali e do seu curso. Tem 17 anos e foi mãe da Mayra, quando tinha 15, mesmo contra a vontade da avó da criança, que de início não aceitou a gravidez, defendendo que abortasse. Cleia ainda foi viver com o pai da bebé, com quem namorava há dois anos, mas as coisas não correram bem. A Ajuda de Mãe, que já a apoiava, sugeriu-lhe ir para a residência onde está hoje.

"Estou aqui por minha vontade", diz a rapariga de olhos grandes e negros e ar determinado. "Estou bem. Aqui saímos, divertimo-nos e temos a nossa liberdade, com regras", assume enquanto abraça a filha. "Adoro crianças. Por isso estou a tirar o curso de auxiliar de acção educativa com equivalência ao 9.º ano" . O que a obriga a sair de casa às cinco e meia da manhã para ter aulas na Amadora.

Mas não se queixa. "Fizemos um acordo e as regras não se podem desrespeitar. É claro que refilamos." Está para ficar até acabar o curso e arranjar emprego.

Por volta das duas da tarde, a casa começa a ficar vazia. As mães vão partindo com as crianças ao colo e só dois meninos ficam a dizer adeus do lado de dentro da casa. São os filhos da Suelly Pina, o Leonardo, mais conhecido por Léu, o mais mexido da casa, com três anos, e a da Daniela Gamito, a Melissa, com dois anos. As adolescentes ficaram em casa uma com dores de ouvidos a outra porque a sua única família, o pai, está doente e no Algarve. As duas mães estão tristes. E Daniela não esconde a emoção quando conta a história da sua vida. É filha única, abandonada pela mãe na creche com apenas 18 dias de vida. O pai esteve sempre presente. "Trabalhou para me criar com a ajuda de uma senhora da creche", diz.

Estava no 9.º ano quando engravidou, sem nunca ter chumbado. "O pai de Melissa, meu namorado desde os 13 anos, com quem já não tenho uma relação, é um pai à maneira. Ajuda nas despesas e vem ver a filha.". Mas sozinha e sem emprego, era considerada uma mãe de risco para Melissa. Por isso, até chegou a viver seis meses sem a bebé, entregue ao Refúgio Aboim Ascenção. Através da assistente social conseguiu, em 2007, voltar a viver com a filha na residência da Ajuda de Mãe. Estar longe do pai doente é o que mais lamenta. Agora no 11º ano, quer chegar ao 12.º e tirar um curso de desporto. Está determinada.