Por Rosa Soares, in Jornal Público
BCE já comprou 15 por cento da dívida portuguesa, sem conseguir travar escalada dos juros. Risco político ganha algum relevo
Os investidores voltaram ontem a apresentar um duplo cartão amarelo a Portugal: o IGCP, responsável pela gestão da dívida nacional, realizou uma emissão de Bilhetes do Tesouro (BT) em condições piores do que há 15 dias e, no mercado secundário, os juros da dívida voltaram a subir e são novamente visíveis as vendas a descoberto, movimentos especulativos que agravam ainda mais os juros.
Na emissão de BT, no montante de mil milhões e pelo prazo de um ano, Portugal vai pagar uma taxa de 3,987%, 7,47% mais que há duas semanas. O nível de procura foi 1,9 vezes a oferta, inferior ao da emissão realizada no inicio do mês. O IGCP realizou ainda uma operação de recompra (antes da maturidade da operação), de montante reduzido, ligeiramente acima de 200 milhões de euros.
Em resposta enviada à Reuters, o secretário de Estado do Tesouro voltou a responsabilizar a União Europeia pelo elevado nível de juros exigidos ao país: "Os actuais níveis de taxas de juro mostram, contudo, que a solução para a crise de confiança não passa apenas por Portugal e que a solução Europeia é fundamental. Portugal está e continuará a fazer o seu trabalho. A Europa tem ficado aquém".
E ontem, sobretudo durante a tarde, os juros voltaram subir no mercado secundário, onde se transaccionam títulos de dívida emitidos no mercado primário. As taxas das obrigações a 10 anos superaram os 7,4%, e os prazos mais curtos continuam a galopar e a anular a diferença face aos prazos mais longos. A taxa das obrigações a cinco anos continua acima dos 7%.
Na base desta escalada, e para além de outros factores, voltam a estar movimentos especulativos como as vendas curtas, admite Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI. Estas vendas, designadas short selling, consistem em dar ordens de venda de obrigações que não se têm em carteira ou que se pediram emprestadas. Na base destas operações está a expectativa de que, ainda no mesmo dia ou nos dias seguintes, o vendedor vai comprar o mesmo tipo de obrigações a um valor nominal mais baixo, ganhando com a diferença. Nas obrigações, a evolução da taxa de juro ou yield acontece numa razão inversa ao do valor nominal da obrigação.
Cristina Casalinho refere que, para além do regresso da estratégia das vendas curtas, também o risco político [crise política e greves] está a aumentar, ou melhor, está a ser valorizado pelos investidores.
Segundo cálculos da Société Générale, o Banco Central Europeu (BCE) já gastou perto de 80 mil milhões de euros no programa de recompra de obrigações dos países mais afectados pela crise da dívida. Desse montante, 18 mil milhões foram gastos em dívida portuguesa, o que representará cerca de 15% da dívida viva do país. As compras do BCE têm minimizado a subida dos juros de Portugal, mas estão longe de os fazer descer significativamente. A subida está a ser alimentada pelos receios dos investidores de que o país não escapará à necessidade de ajuda financeira externa.