9.2.11

Merkel e Sarkozy geram revolta dos parceiros europeus contra nova imposição franco-alemã

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

O "pacto de competitividade" concebido pela chanceler alemã provocou discussão acesa e deixou Merkel sem grande margem de manobra

Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, Presidente francês, foram apanhados de surpresa com a firmeza das críticas dos restantes países europeus às suas propostas de reforço da convergência económica e da competitividade da zona euro.

Concebidas por Merkel, as propostas, baptizadas "pacto de competitividade", geraram uma discussão acesa de cinco horas durante a cimeira de líderes da União Europeia (UE) da passada sexta-feira, embora sobretudo com base nas "fugas" para a imprensa do que estava a ser cozinhado nos dias anteriores em Paris e Berlim. Confrontada com o protesto dos parceiros, Merkel não chegou a apresentar as suas ideias em grande detalhe, mas apenas a referi-las de uma forma algo vaga, limitando-se a discussão praticamente à metodologia para as futuras negociações.

Segundo vários diplomatas, nenhum dos Vinte e Sete mostrou grande entusiasmo com a totalidade das propostas, o que leva a crer que a chanceler terá de baixar as expectativas.

Berlim pode pressionar

Mas Berlim tem um poderoso meio de pressão ao impor uma ligação entre a aprovação do seu "pacto de competitividade" pelos parceiros e a sua anuência ao reforço e flexibilização do fundo europeu de estabilidade financeira (EFSF). Ou seja, Berlim dá desta forma o sinal de que aceita ajudar os países em dificuldades de financiamento, mas impõe como condição a adopção por todos das práticas alemãs de boa gestão económica.

É esta a "resposta abrangente" que os alemães têm vindo a defender desde o início do ano para a crise sistémica do euro e que parece ter conseguido acalmar o nervosismo dos mercados financeiros na expectativa de uma decisão sobre o conjunto do pacote na cimeira europeia de 24 e 25 de Março. As grandes linhas do acordo serão, no entanto, ultimadas numa outra cimeira extraordinária marcada expressamente para o efeito e unicamente entre os Dezassete países do euro, a 11 de Março.

Sarkozy, que pouco mais fez do que se associar às propostas de Merkel para lhes garantir o carimbo "franco-alemão", obteve desde já uma importante vitória ao ver finalmente consagrada a sua ideia de colocar a zona euro nos comandos de todas as decisões relevantes para a moeda única, num processo que designa por "Governo económico europeu".

Apesar disso, o pacto de competitividade será aberto a todos os países interessados, como é defendido por Merkel e pelos países de Leste, que, enquanto futuros candidatos ao euro, não querem ser afastados do núcleo duro da integração europeia. Donald Tusk, primeiro-ministro da Polónia, foi o porta-voz dos países de Leste na defesa veemente de uma resposta "inclusiva" à crise do euro.

Mas foram os chefes dos governos da Bélgica, Holanda e Luxemburgo (Benelux) que desferiram os ataques mais duros contra a estratégia de Paris e Berlim, criticando o que é visto como mais uma imposição franco-alemã a juntar-se a várias outras desde o início da crise da dívida grega, há um ano.

Acima de tudo, os três países insurgiram-se contra o facto de as propostas ignorarem todos os passos de resposta à crise que já estão a ser dados em termos de reforço da governação económica e de disciplina orçamental, e que deverão ser aprovados até ao Verão.

Benelux opõe-se

Os três membros do Benelux também se opuseram frontalmente ao fim da indexação entre salários e inflação pretendido por Merkel, recusando desfazer os seus modelos de concertação social. A Irlanda rejeitou qualquer base comum a todos os países para a tributação do IRC, a Itália a harmonização fiscal em geral e a Áustria qualquer imposição europeia de ligação entre a idade da reforma e a evolução demográfica.

Praticamente todos os membros do euro recusaram qualquer obrigação de inscrição na respectiva Constituição de um travão ao endividamento, como acontece na Alemanha. Esta seria porventura a única proposta que levantaria problemas a Portugal, mas os alemães garantiram aos parceiros que nunca tiveram a intenção de impor uma medida destas, mas apenas o reforço dos compromissos nacionais em termos de disciplina orçamental. Tudo indica assim que Lisboa não tem, por agora, grandes problemas com o novo pacto alemão.