1.2.11

Não basta cortar o défice público, é preciso reduzir a dívida externa

Por Ana Rita Faria, in Jornal Público

Economistas defendem que não adianta reduzir o défice orçamental se não se cortar na dívida externa. E deixam o alerta: os bancos terão de diminuir o crédito

A situação que Portugal enfrenta actualmente é como a história de um policial: às vezes, o culpado mais óbvio não o é ou, pelo menos, não actua sozinho. Esta foi a analogia usada pelo economista Vítor Bento para explicar que aquele que damos como o principal responsável da actual crise (a dívida pública) não é necessariamente o único ou o maior culpado. Na realidade, o principal problema é a dívida externa.

"A dívida externa é a dívida para a qual pouca gente está a olhar. Ninguém está a reconhecer a existência deste problema", disse ontem Vítor Bento, durante a conferência Portugal 2011: Vir o Fundo ou ir ao fundo, que continua hoje na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

De acordo com o actual presidente das SIBS, é a insustentabilidade da dívida externa (que já ultrapassa os 100 por cento do PIB) que expõe Portugal, bem como outros países, às dificuldades de financiamento nos mercados. "É por causa da dívida externa que Portugal ou a Espanha têm mais dificuldades em se financiar do que a Itália ou a Bélgica, apesar de estas terem níveis de dívida pública mais elevados", explica.

Também para o economista João Ferreira do Amaral, que participou ontem na conferência, a crise mais grave de todas as que Portugal tem de resolver é a da dívida externa. Mas isso implica mostrar à União Europeia a necessidade de "medidas especiais" que, em muitos casos, poderão ir contra as directivas comunitárias.

Na impossibilidade de desvalorizar a moeda, Ferreira do Amaral defende uma "discriminação positiva" da produção de bens transaccionáveis, ou seja, os bens e serviços que podem ser importados ou exportados (por exemplo automóveis, vestuário, etc). Esta discriminação poderia ser feita através de incentivos fiscais e ao investimento, melhores condições de crédito ou redução das contribuições das empresas desse sector para a Segurança Social.

Para o economista, a "reindustrialização do país" é o "caminho possível para evitar uma situação muito grave: a permanência de restrições de crédito à economia devido à dificuldade de obter financiamento no exterior". Vítor Bento também alerta para este risco, ao dizer que grande parte do ajustamento do défice comercial será feito pela via da "regressão do crédito bancário". As alternativas seriam reduzir o stock da dívida (vendendo activos que o país tem no exterior para pagar parte da dívida) ou haver uma transferência da dívida (vendendo activos de empresas nacionais ao estrangeiro).

Também a administradora do Banco de Portugal Teodora Cardoso, que participou ontem na conferência, fez questão de sublinhar que o problema de Portugal não é só orçamental, mas sim a "persistência em ignorar as deficiências estruturais da economia".

A economista defende que "temos de mudar de vida" e a salvação não virá de uma intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), como aquela que Portugal sofreu nos anos 80. Nessa altura, "tivemos transitoriamente de mostrar que éramos capazes de nos endividar mais. Agora já não nos podemos endividar mais", defende.