Por Alexandra Campos, in Jornal Público
Em 2010 venderam-se menos 13 milhões de embalagens de medicamentos, segundo a consultora IMS Health. Em Janeiro, as vendas nas farmácias continuaram a decair
A crise chegou às farmácias: os portugueses estão a adquirir menos medicamentos e há cada vez mais pessoas a comprar fiado. Um sinal desta dificuldade acrescida é o crescimento da chamada dívida de curto prazo nas farmácias - que, no ano passado, aumentou entre 20 e 25 por cento, segundo adianta a maior associação do sector, a ANF.
São clientes que aviam as receitas e pedem para pagar mais tarde. O fenómeno já se sente há algum tempo, mas agravou-se nos últimos meses, a crer na Associação Nacional de Farmácias (com cerca de 2700 associados).
Os farmacêuticos contactados pelo PÚBLICO queixam-se também de que as pessoas optam cada vez mais por não levar todos os medicamentos receitados pelos médicos. "Há quem diga: este mês levo este, para o próximo levo o outro", descreve a directora da Farmácia Guarani, no Porto.
Natália Nunes, do Gabinete do Sobreendividado da associação de defesa de consumidores Deco, confirma que se têm multiplicado nos últimos tempos as queixas das pessoas que dizem não ter dinheiro para comprar medicamentos. A solução é "ou não comprar ou fazer acordos com as farmácias, recorrer aos fiados de antigamente", descreve.
Os dados da consultora IMS Health (medicamentos colocados pelos armazenistas nas farmácias) comprovam que houve uma quebra sustentada no consumo: no ano passado venderam-se menos cerca de 13 milhões de embalagens do que em 2009 (uma diminuição de quase cinco por cento). E este movimento descendente prosseguiu em Janeiro último (menos 1,55 por cento). A ANF (que reporta os dados das vendas reais nas farmácias) traça um cenário mais negativo, adiantando que só em Janeiro deste ano as vendas baixaram 4,5 por cento (em unidades) e oito por cento em valor.
Poupança para o Estado
Perdem as farmácias, mas ganha o Estado, que a partir de Outubro inverteu um movimento de crescimento insustentável da despesa com remédios. Na sexta-feira passada, aliás, a ministra da Saúde anunciou que em Janeiro a despesa do SNS diminuiu pela primeira vez, e sobretudo graças à poupança com medicamentos, que ascendeu a 19 por cento. Questionada sobre se a poupança foi suportada pelos utentes, Ana Jorge respondeu que tal estudo "não está feito". O secretário de Estado da Saúde atribuiu a diminuição a uma série de factores, como a baixa generalizada dos preços (em seis por cento), a alteração nas comparticipações e a quebra do mercado, mas escusou-se a fornecer mais elementos, alegando que os valores não estão desagregados.
Os especialistas defendem que ainda é demasiado cedo para retirar conclusões. Mas todos acreditam que uma parte dos encargos com fármacos foi transferida para o bolso dos cidadãos. Em Setembro, num estudo sobre o impacto das medidas complementares na área do medicamento, a IMS Health calculava que o nível de despesa dos utentes poderia "aumentar em 150 milhões de euros por ano", passando a despesa total de "1,575 mil milhões de euros para 1,725 mil milhões de euros". A tutela contrapunha que os utentes não iriam ser penalizados porque os medicamentos diminuíram de preço.
"Houve uma baixa de preços e isso foi muito importante. Mas estou muito preocupado porque grande parte desta poupança pode ter sido obtida à custa dos doentes. E é preciso ver que Portugal é dos países em que as pessoas já pagam mais pelos medicamentos", nota o ex-presidente do Infarmed e ex-bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Aranda da Silva.
"Vamos esperar para ver", aconselha o especialista em economia da saúde, Pedro Pita Barros, que lembra que o decréscimo nas vendas até pode ser uma boa notícia. "Em Portugal há um consumo excessivo de medicamentos e se isto for um sinal de contenção é óptimo; agora, se significar que as pessoas não têm condições financeiras para adquirir medicamentos, isso já é negativo".