21.3.11

Especialistas questionam novo “imposto” sobre as pensões

Por Raquel Martins, in Público On-line

A aplicação de uma taxa especial sobre as pensões de reforma acima dos 1500 euros, uma das medidas que o Governo propõe no PEC que hoje será apresentado (ver páginas 2 e 3), está a gerar dúvidas entre os constitucionalistas.

Princípios como os da igualdade e da proporcionalidade podem, dizem alguns especialistas, estar a ser colocados em causa, não só nesta última proposta governamental como também na contribuição que já está a ser exigida às pensões mais elevadas.

Paulo Otero, professor da Faculdade de Direito de Lisboa e que elaborou um parecer para o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) a contestar os cortes salariais efectuados este ano, é um dos constitucionalistas a lançarem o alerta. Quer a contribuição de “solidariedade” que está a ser aplicada às pensões douradas, quer a contribuição “especial” a aplicar às pensões acima de 1500 euros a partir de 2012 não são mais do que um imposto que incidirá apenas sobre alguns e que, por isso, viola várias normas constitucionais. Embora ressalve que é preciso “esperar para ver” como é que o Governo pretende aplicar a medida no próximo ano, Paulo Otero receia que estejam em perigo desde logo os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira realça que provavelmente o que o Governo fará aos pensionistas em 2012 será o mesmo que fez aos funcionários este ano, diminuindo-lhes o valor das pensões pagas. Mas se assim não for e “caso se trate de um novo imposto, dito de «solidariedade», e a incidir sobre o montante das reformas, das pensões, das subvenções e de outras prestações pecuniárias de idêntica natureza que excedam 1500 euros, algumas questões poderão suscitar-se do ponto de vista constitucional”.

Desde logo “o princípio da unicidade, formal e material, do imposto sobre o rendimento pessoal (IRS), que constitucionalmente deve ser único, e mesmo com o princípio da igualdade, decorrente da capacidade contributiva”. Mas o fiscalista lembra que pode também estar em causa a questão da proporcionalidade, uma vez que “tal contribuição, enquanto verdadeiro imposto, mesmo que extraordinário e de solidariedade, mesmo que temporário e ou justificado por razões excepcionais, sempre incidiria sobre rendimentos tributados – duplamente, portanto – em sede de IRS e, agora, de um novo imposto”.

A questão da violação do princípio da não-retroactividade da lei fiscal também poderia estar em causa, mesmo que a nova contribuição pudesse ser justificada por razões de “emergência nacional”.

Salários vs. pensões

Embora algumas destas questões também tenham sido suscitadas nos pareceres que acompanham as acções que chegaram a tribunal para contestar o corte no salário, Fernandes Ferreira lembra que, embora ambas as medidas preconizem “uma diminuição de rendimento líquido disponível, num caso aos trabalhadores, noutro caso aos pensionistas”, do ponto de vista técnico “são medidas diferentes” e que “serão apreciadas, mesmo do ponto de vista constitucional, de forma distinta, ainda que com base em alguns dos mesmo princípios”.

O constitucionalista Jorge Miranda – responsável pelo parecer que o Governo está a usar nos tribunais para defender os cortes dos salários – não vê, para já, problemas constitucionais na contribuição a aplicar às pensões em 2012. “Pode é pôr-se um problema de justiça e de equilíbrio social.”

“Custa-me a crer que não houvesse outras formas de o Estado obter receitas e reduzir despesa”, sustentou o professor da Faculdade de Direito de Lisboa em declarações à TSF.

Na apresentação do chamado PEC IV, Teixeira dos Santos garantiu que a medida é temporária e só permanecerá enquanto se justifica, afastando problemas constitucionais.

O PÚBLICO questionou o Ministério sobre se a contribuição prevista para 2012 irá acumular com o corte que já está a ser efectuado nas pensões mais altas, mas o gabinete de Teixeira dos Santos realça que a questão “é prematura”, dado que o que foi enunciado foi “um princípio geral que será concretizado em norma jurídica na Lei do Orçamento do Estado para 2012”.

O PÚBLICO tentou também apurar se a aplicação da medida em 2012 será feita de forma semelhante ao que está previsto para 2011 no Orçamento do Estado. Mas, também neste caso, o Ministério das Finanças limitou-se a responder que “a medida tem outras características”.