7.4.15

O minucioso trabalho da formiguinha

Luísa Pinto, in Público on-line

O Plano Nacional de Formação Financeira está nas escolas. E quanto mais cedo se começa a aprender a lidar com conceitos como poupança e taxas de juro, melhor. Próximo passo? A literacia financeira chega aos manuais escolares do 1.º ciclo.

Pedro Castro tem 10 anos, mais de metade dos quais passou a juntar dinheiro para um propósito muito definido. Quer fazer uma viagem até à Australia, visitar o país que fica do outro lado do mundo e que é a terra onde vivem os cangurus. “Eu já tenho dinheiro para a minha viagem. Mas agora estou à espera que os meus pais juntem também, porque não posso ir sozinho”, diz ao PÚBLICO. Só se lembra que foi por ver a Ópera de Sydney que lhe nasceu esta vontade, quando tinha três anos. E não tem mais explicações para tamanha determinação.

Pedro nunca teve, nem tem ainda, uma mesada certa e garantida. Mas teve sempre a mesma resposta quando avós, padrinhos, tios, familiares, lhe perguntavam o que é que gostaria de ter de prenda de Natal, na Páscoa, na comunhão: “Dinheiro para ir conhecer a Austrália.”

A estratégia não lhe correu mal. Diz que já tem que chegue (à volta de 3000 euros) e não se pode queixar, sequer, de ter abdicado de muita coisa: também tem o relógio, a consola e alguns jogos e o equipamento do FC Porto com o qual gosta de ir aos treinos de guarda-redes.

A mãe explica o milagre: ele começou cedo, muito cedo, a interiorizar a necessidade de fazer opções, a estabelecer prioridades. E a regra de ouro a que parece ter obedecido não é tanto a quantidade de dinheiro que põe de lado de cada vez, mas o facto de ter persistido no objectivo, de nunca se ter esquecido de o fazer.

Se numa tarde ensolarada lhe dão dinheiro para comprar um gelado, é capaz de escolher o mais barato, para conseguir colocar de parte uma quantia, por mais pequena que seja. Outra regra de ouro que cumpre — se calhar sem sequer saber que a regra existe: o importante para poupar não é o que se ganha, mas o que se gasta.

Apesar de se estar a falar em regras, o que se pode dizer é que Pedro Castro está mais perto de ser uma excepção. E esta afirmação é válida tanto para crianças da idade dele — e que estão agora, e pela primeira vez, a falar do assunto na escola —, como para as mais velhas e que se vão aproximando da idade de tomar decisões financeiras e de aprender a gerir orçamentos. Foi a esses que Eugénia Ribeiro fez perguntas muito concretas no âmbito de uma dissertação de um mestrado em Finanças desenvolvido na Universidade Portucalense.

Eugénia Ribeiro usou uma amostra representativa dos alunos do ensino básico (2.º e 3.º ciclos) e secundário de uma escola secundária do Grande Porto e deixou-lhes questionários com perguntas de resposta fechada para aferir o grau de literacia financeira que evidenciava aquela comunidade infantil.

Os questionários foram respondidos por alunos que frequentavam desde o 7.º ano até ao 12.º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos. Resultados: uma expressiva maioria parece ter noções básicas de poupança — pelo menos mais de 80% dizem estar a poupar dinheiro para o futuro. Mas apenas metade conta que quando um familiar lhes dá dinheiro guarda algum.

O inquérito de Eugénia Ribeiro permitiu também, de alguma forma, perceber como é obtido o rendimento das crianças, que assume mais um carácter esporádico (43% dizem receber dinheiro sempre que avisam os pais de que precisam) do que regular. Ainda assim, cerca de 21% auferem uma semanada, 19% têm de gerir uma mesada e há uns expressivos 16% que optam por não responder.

O trabalho de campo foi efectuado em finais de 2013, no auge da crise e do programa de assistência financeira, mas 66% das crianças afirmaram não ter vivido nenhum tipo de alteração no último ano. Já 44% disseram que o rendimento mensal dos pais diminuíra — cerca de 33% não responderam (ou não sabiam responder).

Maioria tem conta
A maior parte das crianças já é titular de uma conta à ordem numa instituição financeira. A maioria, contudo, não faz a mínima ideia do que é um spread (70%) ou uma taxa interbancária como a Euribor (59% não sabe).

As crianças e jovens abrangidas pelo estudo, admitem, ainda assim, que essa informação é relevante para o futuro e defendem que ela devia ser ensinada nas escolas. Cerca de 80% acham que seria importante que pais e escolas ensinassem os jovens a lidar com o dinheiro para que fossem capazes de ultrapassar dificuldades financeiras, decidir enquanto consumidores ou até, e de uma forma mais lata, para que fossem capazes de entender o mundo em que vivem.

A investigadora concluiu pela transversalidade das necessidades de educação financeira. E diz que é preciso “direccionar melhor a actividade futura da escola de forma a preencher essas lacunas”. A educação financeira deve ser incluída formalmente nas rotinas de educação, tanto na escola, como em casa, sublinha Eugénia Ribeiro. “Para se criar uma educação financeira eficaz deve-se aproximar os pais da escola. São os pais que transmitem valores e hábitos de compra que começam em casa”, argumenta ainda.