7.4.15

O que a Finlândia vai mudar no ensino é em tudo contrário ao que Portugal fez

Clara Viana, in Público on-line

Estudantes vão participar na elaboração dos currículos e na escolha dos temas a abordar nos novos módulos multidisciplinares.

O país que é habitualmente apontado como exemplo no campo da educação, a Finlândia, prepara-se para mudar, a partir de 2016, o seu sistema de ensino de modo a adaptar a escola a um “mundo que está a mudar a grande velocidade”, indicou ao PÚBLICO a directora do Conselho Nacional de Educação finlandês, o organismo que está a elaborar o novo currículo nacional para a escolaridade obrigatória.

Não é a “revolução” anunciada, em Março, pelo jornal inglês The Independent, numa notícia que, apesar de prontamente desmentida pelo Governo finlandês, acabou por ser replicada por vários outros jornais e blogues. Ao contrário do que aí se escreveu, as disciplinas tradicionais não vão ser abolidas e substituídas por um ensino baseado em tópicos transversais, embora este também vá por diante. O que se propõe é, assim, um modelo de coabitação e não de exclusão numa reforma que vai também pôr os estudantes a participar na definição dos currículos e meios de avaliação.

Na prática, tudo que o “país maravilha” da educação se propõe fazer para mudar a escola é radicalmente diferente e de sinal contrário à reforma empreendida recentemente em Portugal pelo ministro Nuno Crato, comenta José Morgado, professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA).

Na Finlândia aponta-se para “uma ‘modernização’ do pensamento educativo” que, destaca Morgado, se traduz na intenção de desenvolver “formas de trabalho em sala de aula que transcendam a lógica do trabalho interior a cada disciplina, definindo um conjunto de tópicos que exigem saberes oriundos de diferentes disciplinas e que serão trabalhados de forma transversal”.

Já Portugal, pelo contrário, apostou numa maior compartimentação, com uma nova estrutura curricular assente “em programas demasiados extensos e excessivamente prescritivos e na definição de metas curriculares, que fazem correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de check list”, resume este docente do Departamento de Psicologia da Educação do ISPA, que tem larga experiência na formação de professores.

José Morgado lembra, a propósito, que as metas aprovadas para Português e Matemática do 1.º ciclo “definem um total de 177 objectivos e 703 descritores de aprendizagem, sendo exigido aos professores que promovam o ensino formal de cada um deles e aos alunos que atinjam, por exemplo, uma velocidade de leitura de, no mínimo, 90 palavras por minuto”.

Também Assunção Flores, presidente da Associação Internacional de Estudo dos Professores e do Ensino, fala de dois modelos distintos. A visão “mais integrada e flexível de currículo” assumida pela Finlândia “afasta-se de uma perspectiva mais redutora que se centra nos conteúdos a aprender e nos objectivos a atingir no âmbito das disciplinas, prevalecendo, muitas vezes, uma lógica caracterizada pela rigidez e obesidade curriculares, associadas, entre outros aspectos, à extensão e cumprimento escrupuloso dos programas”, aponta a também investigadora da Universidade do Minho.

Alunos no centro das escolhas
Em respostas por escrito ao PÚBLICO, a directora do Centro Nacional de Educação finlandês, Irmeli Halinen, refere que o novo currículo nacional, com base num diploma de 2012 onde se estabeleceram as metas globais e os tempos lectivos para a escolaridade obrigatória, entre os sete e os 16 anos, “clarifica os objectivos de todas as disciplinas escolares, dá ênfase a práticas de cooperação em sala de aula e implementa conhecimentos e competências multidisciplinares, através do estudo de fenómenos e tópicos que será feito com a colaboração entre vários professores em sala de aula”.

Esta aprendizagem vai permitir, por exemplo, que a propósito do aquecimento global sejam mobilizados em simultâneo vários conhecimentos (matemática, física, história, etc.), mas com aplicações práticas. Com esse fim, prossegue Halinen, “todas as escolas terão de criar pelo menos um módulo por ano lectivo, com uma duração de uma a quatro semanas, centrado no estudo de tópicos que sejam de especial interesse para os estudantes”.

Competirá às “escolas definir quais os assuntos a abordar nestes módulos, a sua duração e como serão implementados”, mas com um pressuposto de base: “Os estudantes devem participar no planeamento destes módulos. Antes do início das aulas, em conjunto com os professores, estudarão quais as melhores formas de atingir as metas estabelecidas no currículo, quais os objectivos e tópicos dos módulos e como serão estes organizados”.