20.7.16

"O fim das apresentações quinzenais é positivo, mas não chega"

Raquel Martins e Luísa Pinto, in Público on-line

Depoimentos de três desempregados sobre as apresentações regulares nos centros de emprego e nas juntas de freguesia.

Rita Morais, 27 anos

Desempregada desde Maio de 2016

A última vez que tive de me apresentar na junta de freguesia de Arroios para o controlo quinzenal foi na segunda-feira. O procedimento é sempre o mesmo: mostro a minha identificação, apresento um impresso que é carimbado por um funcionário e recebo um novo impresso com a data do próximo controlo. A apresentação quinzenal é semelhante a uma medida de coacção. É o único paralelismo que me ocorre.

Parte-se do pressuposto de que o desempregado está em dívida para com todos, mas isso não é verdade. Descontámos para estarmos protegidos nesta situação, não estamos em dívida para com nada nem ninguém!

Antes de ficar desempregada, trabalhei na área da restauração. Tenho uma licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação e uma pós graduação. Nunca trabalhei na minha área de formação. O meu objectivo é encontrar emprego na área da cultura ou do mercado editorial. Se daqui a dois meses não encontrar nada, talvez pense voltar à restauração ou fazer coisas que pessoalmente me digam pouco. Emigrar não é uma perspectiva que tenha colocado. Considero legítimo quem sai, mas não é isso que quero para mim.

É preciso olhar para o desempregado como uma pessoa numa situação frágil, mas que tem a sua dignidade.
Rita Morais

No meu primeiro contacto com o centro de emprego não tive uma má experiência. Encontrei uma funcionária prestável e simpática, que esclareceu todas as dúvidas que lhe coloquei. Mas as pessoas inscrevem-se para terem acesso ao subsídio e não porque tenham a expectativa de que vão encontrar trabalho.

Em dois meses não recebi qualquer proposta de emprego, já sabia que ia ser assim pela experiência de pessoas que conheço. Fui convocada por duas vezes para acções de sensibilização obrigatórias. Uma delas foi para nos dar conta dos nossos direitos e deveres. A outra foi para divulgar um conjunto de cursos que, no meu caso, não podia frequentar porque tenho excesso de habilitações.

O fim das apresentações quinzenais é positivo, mas não chega. É preciso olhar para o desempregado como uma pessoa numa situação frágil, mas que tem a sua dignidade, e encontrar formas de o ajudar de forma positiva. O foco tem de estar no desempregado e a formação tem de ser adaptada caso a caso. Essa parte não existe. O que existe é uma sucessão de pró-formas, para dizer que se faz alguma coisa e para mascarar os números do desemprego.

Depoimento recolhido por Raquel Martins
Efigénia Vasconcelos, 55 anos

Assistente de Loja. Desempregada desde Novembro de 2011
Efigénia nunca falhou uma apresentação PAULO PIMENTA

Estou quase a acabar os três anos de subsídio a que tenho direito, e a primeira coisa que me apetece dizer é que a senhora que me atendeu, quando me fui inscrever no centro de emprego, em Novembro de 2011, é que tinha razão: com esta idade não vou arranjar emprego em lado nenhum. Inscrevi-me no primeiro dia em que saí da empresa onde estive quase 20 anos. Neste tempo todo, nunca fiz uma acção de formação, nunca tive uma oferta de emprego. Mas nunca parei de procurar. Suspendi o subsídio durante sete meses, para trabalhar num emprego que eu encontrei, mas de onde acabei por vir embora porque nos tratavam mal: acho que não eram honestos connosco, éramos uma equipa de dez comerciais. Retomei o subsídio. O prazo acabou. Tive direito a mais ano e meio de subsídio de inserção, que não chega ao salário mínimo. Também vai acabar.

A mim só me ofereceram formação em geriatria. Mas eu não aguento fisicamente uma coisa dessas.
Efigénia Vasconcelos

Durante este tempo todo tive de fazer as apresentações quinzenais e a sensação que tenho é que não vamos lá fazer nada. Aliás, a certeza que eu tenho – e não é nenhuma sensação –, é que nos discursos e nas políticas é tudo muito bonito, mas na prática não serve para coisa nenhuma. Estas apresentações, a obrigação de irmos a sessões de esclarecimento para as quais somos convocados com quatro dias de antecedência, e a que temos mesmo de ir senão cortam-te o subsídio...

Houve uma vez em que tive que me indignar: puseram-nos a todos à porta, a fazer fila pelo passeio, à espera que começasse a sessão de esclarecimento. Fui perguntar se a fila era para a sopa dos pobres. Não tenho nada contra a sopa dos pobres e sei bem da sua importância. Mas também por isso reclamei, porque há um mínimo de dignidade e respeito. O problema é que eles falam, falam e não te dão nada em concreto. A mim só me ofereceram formação em geriatria. Mas eu não aguento fisicamente uma coisa dessas. Felizmente, não somos obrigados a aceitar.

Eu nunca falhei a nenhuma sessão de apresentação na junta de freguesia, e nunca me atrapalhei muito por causa disso. Não tem horário, vou quando me dá mais jeito, já sei quando tem menos pessoas, tento não perder muito tempo. Mas já falhei uma sessão de esclarecimento, e tive de justificar com um baixa médica. Só agora, que o subsídio está a acabar, é que soube que posso meter férias, com um mês de antecedência. Depois de quase cinco anos disto, desta obrigação de lhes mostrar que estou aqui, fui ao centro de emprego meter férias. É estranho, dizer isto. Depois das férias, vai acabar o subsídio. Acabam-se as apresentações. Pena que essa iniciativa não tenha aparecido primeiro.

Depoimento recolhido por Luísa Pinto
Natércia Lopes, 36 anos

Animadora cultural. Desempregada desde Março de 2016
Natércia apresenta-se de 15 em 15 dias na Junta do Bonfim paulo pimenta

“Isto de Inverno deve ser bem mais difícil de suportar. Agora, no Verão, há mais coisas para fazer. E tenho a sorte de ter amigos, família. Não sou dada a depressões. Mas foi um choque, confesso. Trabalhava naquela casa há já dez anos, não estava mesmo nada a contar que um dia me chamassem para me dizer que tinha havido uma reunião da direcção e que se tinha chegado à conclusão que o meu salário era muito elevado.Tinham de cortar despesas, e o que eu fazia não era o mais importante. Foi um choque, porque foi inesperado. Não tentaram renegociar o contrato, o salário, nada. Simplesmente prescindiram de mim. Felizmente não tenho filhos. Aliás, felizmente não tenho um agregado, porque esta situação obrigou-me a mudar todo o meu contexto.

Esta obrigação, esta sensação de que somos prisioneiros dentro da própria cidade, não se compreende.
Natércia Lopes

Agora tenho de me apresentar de 15 em 15 dias na Junta de Freguesia do Bonfim. É uma prisão, sabe? Parece que somos prisioneiros. Não é pela maneira que nos tratam, ou pelo que nos obrigam a fazer quando lá vamos. A mim, pessoalmente, nem me pedem para fazer nada, não me dizem nada, não perguntam nada. Mostro o papel, põem o carimbo, dão-me a data da apresentação seguinte. E vou à minha vida. Não há nenhum constrangimento em particular. Mas esta obrigação, esta sensação de que somos prisioneiros dentro da própria cidade, não se compreende. Isto é para quê? Têm medo de quê? Por acaso estão-me a fazer algum favor? Não! E o subsídio que me estão a pagar é um direito para o qual eu descontei. Eu trabalhei 14 anos, e paguei o que tinha de pagar para estar protegida em situações como esta. Não tenho que me sentir uma “prisioneira”. Espero que essas apresentações periódicas acabem. Eu só sei que nestes meses todos ainda não tive uma única proposta de trabalho, de formação. Não tive ainda nenhuma perspectiva. Vou eu trabalhar para isso. Estou a pensar criar o meu próprio posto de trabalho. Aproveitar a minha experiencia e o meu know-how para me lançar na prestação de serviços. E diversificar as áreas de actuação, trabalhando com idosos, mas não só.

Depoimento recolhido por Luísa Pinto