IVA zero não teve um efeito homogéneo, registando-se baixas de preços nalguns produtos, mas aumentos noutros. A variação média dos preços é negativa, mas a queda fica aquém do esperado.
Vários dos produtos alimentares abrangidos pelo IVA de 0% subiram de preço imediatamente após a implementação da medida lançada pelo Governo para dar resposta à crise inflacionista e aliviar as despesas das famílias. Contudo, alguns meses depois deste corte fiscal que as principais retalhistas se comprometeram a reflectir nos preços finais, o custo destes produtos acabou por baixar e, em geral, estão hoje mais baratos do que o que se verificava no início deste ano. Mas há excepções, sobretudo nas carnes, azeite e frutas, que estão agora mais caros, mesmo sem IVA.
Os dados foram recolhidos pelo Observatório de Preços do sector agro-alimentar, uma iniciativa conjunta do Ministério da Agricultura e Alimentação e do Ministério da Economia e Mar. Criado ainda em Outubro do ano passado, oito meses depois do início da guerra na Ucrânia, que veio agravar a aceleração da inflação que já então se verificava, este observatório tinha como objectivo contribuir para uma "maior transparência" na cadeia de valor do sector agro-alimentar, permitindo às entidades competentes que monitorizem a evolução dos preços de um cabaz de produtos e definam políticas públicas com base nestes dados.
Já depois da criação deste observatório, o Governo lançou o IVA Zero para um conjunto de produtos alimentares, medida que entrou em vigor a 18 de Abril deste ano e que isentou de IVA um cabaz de 46 alimentos considerados essenciais, com o objectivo de mitigar o impacto da inflação sobre o rendimento disponível das famílias e fazer baixar os preços finais destes bens alimentares. Na altura, recorde-se, as principais cadeias de supermercados garantiram que iriam fazer reflectir esta medida nos preços, tendo mesmo lançado várias campanhas para identificar, nas suas superfícies, os produtos que eram abrangidos pelo IVA de 0% e que, portanto, passavam a ter preços mais baixos.
Desde então, a monitorização dos preços tem sido feita pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que, periodicamente, tem divulgado dados sobre a evolução dos preços dos 46 produtos abrangidos pela medida.
Agora, há uma nova fonte onde essa evolução pode ser consultada, ainda que nem todos os produtos sem IVA estejam a ser analisados. Quase um ano depois da publicação em Diário da República do despacho que oficializou a criação do Observatório de Preços, a iniciativa do Governo chega, finalmente, ao terreno, com o lançamento, nesta quarta-feira, da plataforma online na qual pode ser consultada a evolução dos preços dos produtos observados. São 26 os produtos alimentares deste cabaz, incluindo carnes, peixes, azeite, lacticínios, frutas, hortícolas, cereais e ovos. Os dados são recolhidos pela empresa de análise de mercado Kantar, que disponibiliza, para cada produto, o preço médio apurado em períodos de quatro semanas, tendo em conta grandes superfícies, mas, também, pequenos comerciantes.
Preços sobem antes de cair
O PÚBLICO analisou 23 destes produtos, incluindo na análise apenas aqueles que são abrangidos pela medida do IVA de 0%: azeite virgem, carne de frango, carne de porco, arroz, esparguete, pão (bolas de carcaça), banana, laranja, maçã, pêra, alface, batata, cebola, cenoura, couve, curgete, tomate, leite UHT, manteiga, queijo flamengo, ovos, dourada e pescada. E concluiu que, ainda que a evolução dos preços seja díspar nas várias categorias de produtos, o padrão aponta para uma subida de preços no período imediatamente a seguir à implementação do corte de IVA, mas para uma posterior queda nas semanas que se seguiram.
Para esta análise, considerou-se como o período anterior à implementação do IVA de 0% o conjunto de quatro semanas terminado a 26 de Março, enquanto o período imediatamente posterior à medida é o conjunto de quatro semanas terminado a 21 de Maio (o período de quatro semanas que termina a 23 de Abril não foi considerado, uma vez que inclui dias com e sem a medida em vigor). Já o último período para o qual o Observatório de Preços tem dados disponíveis é o conjunto de quatro semanas terminado a 13 de Agosto.
Dos 23 produtos analisados, os preços médios aumentaram em cerca de um terço dos produtos logo após a implementação do IVA zero, em relação ao período anterior à entrada em vigor desta medida. Os maiores aumentos verificaram-se nas frutas, onde se registaram subidas superiores a 10%, mas também no azeite, que encareceu em 12%, e nas carnes, que sofreram aumentos, embora inferiores a 5%. Em sentido contrário, nessa altura, os preços dos hortícolas e dos peixes já caíam, sobretudo produtos como a curgete ou o tomate, cujos preços recuaram a dois dígitos.
Já nos meses seguintes, a trajectória de subida de preços inverteu-se em alguns dos produtos, ao mesmo tempo que a descida se acentuou noutros. É esse o caso, sobretudo, dos hortícolas, nos quais, entre Março e Agosto, os preços chegaram a cair mais de 40% (curgete e tomate) ou em torno de 20% (cebola e alface). Mas também nos lacticínios se verificam quedas em torno de 8%, enquanto o preço médio da dourada caiu perto de 10%. Por outro lado, o quilo de carne de frango ou carne de porco estava mais caro em Agosto do que antes da isenção de IVA nestes produtos (com o aumento a chegar quase aos 4% no caso do frango e 2% no porco), assim como o das frutas, com destaque para a laranja, que encareceu quase 40% neste espaço de quatro meses.
Mesmo assim, a descida geral de preços fica aquém do que seria esperado com o corte do IVA de 6% e 23% para 0%. Considerando todos os 23 produtos analisados, a variação média dos preços entre Março e Agosto deste ano foi de cerca de -5,5%.
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