1.6.07

Candidatos a adopção recusam acolher crianças de outras etnias

Helena Norte, in Jornal de Notícias

Há 908 crianças em condições de ser adoptadas em Portugal. Candidatos são 2149. Os números podem parecer animadores, mas não são. A quase totalidade dos pretendentes a adopção quer crianças até aos três anos. Nessa faixa etária há apenas 277 meninos. Um desfasamento cruel, que a base de dados de adopção, criada há precisamente um ano, no Dia Mundial da Criança, evidencia, não só em termos de idades como de outras características. Quase todos os candidatos a pais adoptivos rejeitam crianças com problemas de saúde ou de outra etnia.

Quando foram lançadas, as listas nacionais de adopção tinham inscritas 340 crianças. No início deste ano, eram 715 e, até ao fim de Abril, 908, um número ainda insignificante se considerarmos o universo de mais de 15 mil menores institucionalizados. Do total de crianças em condições legais de adoptabilidade, a maioria está em vias de ser integrada no seio de uma família ou em período de pré- -adopção. Restam 371 que aguardam uma proposta. Ou seja, (des)esperam numa instituição que alguém os queira receber. Quanto aos candidatos seleccionados - isto é, com o processo já concluído -, verifica-se também um aumento, mas não tão significativo de 1956 para 2149.

Com este instrumento informático, os técnicos dos centros distritais de Segurança Social, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e da Direcção-Geral da Segurança Social podem cruzar os perfis e encontrar compatibilidades entre a oferta e a procura, explica Helena Simões, coordenadora nacional de adopção do Instituto de Segurança Social.

O que não é tarefa fácil. Senão, veja-se as características das crianças que aguardam por um novo projecto de vida e os requisitos de quem quer adoptar. Embora haja uma evolução no sentido de haver mais pessoas a ponderar acolher crianças mais velhas, a verdade é que quase todas têm "pretensões muito selectivas", sublinha a responsável.

Crianças até aos três anos são apenas 277 e com idades entre os quatro e os seis anos ainda menos (212). Já os pretendentes a adopção preferem claramente essas faixas etárias. Quase todos (2052) desejam bebés pequenos e apenas metade (1050) aceita crianças até aos seis anos.

Depois dessa idade, as hipóteses de adopção diminuem vertiginosamente, já que apenas 178 candidatos estão disponíveis para aceitar crianças entre os sete e os dez anos e 12 consideram a possibilidade de receber um pré-adolescente.

Analisando as outras preferências, rapidamente se percebe que as exigências para um filho não- -biológico são muito elevadas. E, pior do que isso, "não são compatíveis com as características das crianças em condições de ser adoptadas", explica Helena Simões. Sem qualquer problema de saúde é condição fundamental para 2027 candidatos. Há 121 que aceitam crianças com problemas de saúde ligeiros e 12 que são capazes de acolher uma criança com deficiência. Com problemas de saúde graves, apenas um candidato está aberto a essa possibilidade. Isto significa que as 71 crianças portadoras de deficiência e as 252 com problemas de saúde (ligeiros ou severos) estão praticamente excluídas do direito a um colo.

Na base de dados não consta a etnia das crianças, por imposição da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas sabe-se que 1820 dos pretendentes desejam exclusivamente raça caucasiana. Apenas 133 declararam não ter preferência quanto à etnia.

Outra questão sensível é quando há irmãos. Há 193 crianças integradas em fratrias. Tenta-se sempre não separar os irmãos, mas quando há a possibilidade de os entregar a famílias diferentes, mas que se comprometem a mantê-los em contacto, pode optar-se por essa solução, explica Helena Simões.