João Manuel Rocha, in Jornal Público
Lei que resulta do acordo conseguido em Outubro do ano passado com a maioria dos parceiros sociais entra em vigor. Segue-se a revisão do Código Contributivo
Está desde hoje em vigor a lei da Segurança Social que vai ajudar a garantir a sustentabilidade do sistema, mas obriga os trabalhadores a prolongar a vida activa ou a aumentar as suas contribuições para assegurarem o mesmo nível de pensão esperado.
A reforma, negociada durante meses com os parceiros sociais e aprovada apenas com os votos do Partido Socialista no Parlamento, tem como elemento central a introdução do "factor de sustentabilidade": as pensões passam, a partir do início de 2008, a ser calculadas tendo em conta a esperança média de vida.
As novas regras determinam um agravamento da penalização das reformas antecipadas, que passa dos anteriores 4,5 por cento por ano para 6 por cento por ano. O objectivo é incentivar a permanência dos trabalhadores no activo, o que será conseguido através de bonificações à pensão de quem prolongue o tempo de trabalho, o que representa uma dupla vantagem para o sistema: arrecada mais contribuições e paga menos pensões.
O Governo apresentou ao longo da discussão a reforma como inevitável para a sustentabilidade do sistema de pensões, num quadro de envelhecimento populacional, quebra de natalidade e fraco crescimento económico. Um recente estudo do Banco de Portugal conclui mesmo que as novas regras tornam as finanças públicas mais sustentáveis que as da média da União Europeia (ver caixa).
De acordo com o documento, a reforma dos sistemas geral e público da Segurança Social vai reduzir em cerca de 20 por cento o valor médio das pensões recebidas pelos portugueses em 2030, conforme o PÚBLICO noticiou na edição do passado dia 17 de Maio. Mas o gabinete do ministro do Trabalho e da Solidariedade, Vieira da Silva, ressalva que os beneficiários têm agora mecanismos para intervir na formação da sua pensão que antes não possuíam, designadamente o prolongamento do tempo de vida activa ou o aumento do nível das contribuições.
As contribuições voluntárias superiores aos 11 por cento obrigatórios serão encaminhadas para as "contas individuais" que mais tarde assegurem um complemento de pensão.
Repartição mantém-se
Ao contrário do que pretendiam PSD e CDS, o Governo não mexeu no modelo de repartição, que se baseia no princípio de os activos pagarem as pensões dos aposentados, defendido por toda a esquerda. Os dois partidos à direita do PS defendem sistemas mistos - embora diferentes entre si - de repartição e capitalização (assente em ganhos obtidos por aplicações financeiras). Mas introduziu modificações profundas no sistema, designadamente a aceleração da transição para uma fórmula de cálculo da pensão que considera toda a carreira contributiva e a indexação do aumento das pensões à evolução da economia e da inflação.
"É preciso agora pôr a reforma em prática no terreno", disse ontem ao PÚBLICO José Pedro Pinto, do gabinete do ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva.
Como previsto no acordo que estabeleceu em Outubro do ano passado com os parceiros sociais, e de que a CGTP se demarcou - por considerar que conduz a uma inevitável redução das pensões -, o Governo pretende complementar as reformas enunciadas na nova lei da Segurança Social com a revisão do Código Contributivo, incluindo a revisão do regime dos trabalhadores independentes e dos regimes especiais de taxas reduzidas.
a É inevitável. A sustentabilidade financeira que a reforma da Segurança Social permite às contas públicas tem como reverso da moeda uma diminuição das pensões.
Um recente estudo do Banco de Portugal dá conta disso mesmo ao analisar, de forma cumulativa, os efeitos desta reforma com as alterações introduzidas nas pensões dos funcionários públicos. Se anteriormente a Comissão Europeia alertava para o facto de Portugal ser um dos países com uma situação financeira mais preocupante, agora, a instituição liderada por Vítor Constâncio - face à reforma entretanto aprovada - mostra outra realidade. Enquanto a economia portuguesa precisava de melhorar o saldo primário em 5,2 por cento do PIB para garantir um equilíbrio intertemporal, agora, apenas precisa de uma melhoria de 0,3 por cento. O reverso da medalha é o que se pode verificar nos gráficos em baixo. Em qualquer dos cenários considerados - mais tempo de trabalho ou maior penalização - a redução das pensões, face a uma situação inalterada, atinge cerca de 20 por cento.
Qual é a principal mudança do sistema?
O elemento central da reforma da Segurança Social é a introdução do chamado "factor de sustentabilidade", expressão que tem uma tradução prática: o cálculo das pensões de reforma passa a ter em conta a esperança média de vida, o que significa que, para manter o valor esperado de pensão, o trabalhador terá de prolongar o tempo de trabalho ou reforçar o nível das suas contribuições para o sistema público de repartição.
A esperança de vida conta?
Sim. A fórmula acordada para a aplicação do "factor de sustentabilidade" resulta do rácio entre a esperança média de vida aos 65 anos e a que se tiver verificado no ano anterior ao do pedido de aposentação. Não havendo aumento legal da idade da reforma, na prática o efeito acabará por ser esse para muitos trabalhadores que queiram ter uma pensão equivalente à que o anterior regime lhes atribuía. Esta é a única mudança que só entra em vigor no início de 2008, as outras aplicam-se desde hoje.
As pensões vão ser calculadas como até aqui?
Não. Há vários anos que já se previa que o período relevante deixasse de ser os dez melhores dos últimos 15 anos e se passasse a ter em conta toda a carreira contributiva. No entanto, esta substituição só aconteceria em pleno em 2017. Agora, os inscritos a partir de 2002 verão a pensão calculada com base em todos os descontos. Os inscritos até 2001, inclusive, que se reformem até ao fim de 2016, terão a pensão calculada com uma fórmula "onde pesem proporcionalmente o peso da carreira decorrida até 2007 e o peso da carreira subsequente". Todos os outros inscritos até 2001 terão a pensão calculada através da "média ponderada da nova e da antiga fórmula".
Como se calcula o aumento das pensões?
Até ao ano passado as pensões estavam indexadas ao salário mínimo, mas com a reforma da Segurança Social passaram a ter um novo referencial - o Indexante de Apoios Sociais (IAS). Trocando por miúdos: as pensões serão aumentadas tendo em conta o valor da inflação efectivamente verificado e o crescimento económico medido pelo PIB. Estão previstos três cenários diferentes, consoante o PIB registe nos dois anos anteriores um crescimento real igual ou superior a três por cento, entre dois e três por cento, e inferior a dois por cento. No primeiro ano é considerado apenas o PIB do ano anterior.
O que acontece a quem se reformar antes dos 65 anos?
Sofre uma penalização na pensão maior do que anteriormente. Até aqui, cada ano de antecipação implicava uma penalização de 4,5 por cento, agora o agravamento é de 0,5 por cento por cada mês, o que representa 6 por cento ao ano. Dez anos de antecipação implicam pois um corte de 60 por cento no montante da que seria a pensão a receber, contra os 45 por cento anteriores.
Mas ninguém se pode reformar antes dos 65 anos sem penalizações?
Pode. Quem tiver mais de 30 anos de carreira contributiva aos 55 anos de idade verá a penalização reduzida em um ano por cada três anos de carreira adicionais. Um exemplo: um trabalhador com 61 anos de idade e 36 anos de contribuições pode reformar-se aos 63 anos sem ver penalizada a sua pensão. Não precisa esperar pelos 65 anos.
E se alguém, podendo reformar-se, continuar a trabalhar?
Estão previstas bonificações para quem, estando em condições de se reformar sem penalização, continuar a trabalhar. Essas pessoas virão, naturalmente, a receber pensões mais elevadas do que se interrompessem a actividade.
Quem quiser descontar mais pode fazê-lo?
Sim. É a outra forma de contornar os efeitos da introdução do "factor de sustentabilidade". Se reforçar as suas contribuições, o trabalhador terá direito a um complemento na sua pensão. A lei prevê um "regime complementar de natureza pública de contas individuais" que acolha contribuições voluntárias que ultrapassem os 11 por cento obrigatórios. Essas contribuições serão capitalizadas em contas individuais num fundo cuja gestão poderá "vir a ser parcial ou totalmente contratualizada com o sector privado". Está também previsto o aprofundamento da discussão sobre os benefícios fiscais para poupanças de base profissional.