Carla Soares e Pedro Ivo Carvalho, in Jornal de Notícias
Há os românticos, como Silva Peneda "O mais belo estilo de ser português está pobre". Há os pragmáticos, como Elisa Ferreira: "Isto já não vai lá com pomada". E há os que vêem a caminhada do Norte rumo ao abismo num plano quase divino, como Carlos Lage: "O discurso regional está de volta. Saudemos o acontecimento".
Mais do que saudar o acontecimento, da conferência "A Europa e as regiões" que o JN ontem organizou no Palácio da Bolsa, no Porto, integrada no 120.º aniversário do jornal, resultaram duas ideias urgentes criar um programa nacional, que force o Governo a explicar, ministério a ministério, o que quer para a região; e marcar, de uma forma célere, uma data para o novo referendo à regionalização.
Perante uma plateia de empresários e políticos das mais variadas latitudes, Carlos Lage, líder da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR/N), deu o mote, prontamente reforçado pela eurodeputada Elisa Ferreira. "A regionalização não pode esperar, precisa de um horizonte temporal claro", disse o socialista. "É preciso marcar uma data. Longínqua, mas uma data", reforçou a sua camarada de partido, para quem não deve perder-se tempo com o debate sobre o número de regiões. "São cinco".
Foi ela, de resto, quem lançou para a mesa a necessidade de o Governo se comprometer com um programa de salvação regional. "Era importante que o Governo respondesse ao Norte".
E o Governo, quer responder? Teixeira dos Santos, ministro das Finanças "A sugestão de Elisa Ferreira não me merece nenhum comentário de desacordo". Até porque, admitiu, "o Porto tem vindo a perder grande parte do seu peso. E isto só pode ser motivo de preocupação dos políticos".
Ministro critica líderes
Nova dúvida os políticos podem fazer tudo sozinhos? Outra vez Teixeira dos Santos: "Tem de haver iniciativa dos agentes económicos locais". No fundo, actos de liderança. Que não têm abundado. "O Porto tem tido algum défice nesse domínio", terminou o ministro natural do Porto, antes de abalar para Lisboa.
O mal de que padece o Norte tem várias origens, mas todos parece estarem em sintonia sobre a importância que a regionalização pode assumir na inversão deste quadro. Ou, como o caracterizou José Leite Pereira, director do JN, "uma situação de desânimo que é preciso contrariar". "Ao organizar esta conferência sobre a Europa e as regiões, o jornal age interessadamente, interesseiramente até, em defesa do Porto e do Norte, precisamente porque consideramos que uma consequente política regional pode ajudar seriamente ao desenvolvimento. Além de que um país que não seja equilibrado e coeso não poderá nunca ser um país rico", reafirmou Leite Pereira.
"Tornar uma região competitiva obriga a que haja um programa que possa ter alma e essa alma só pode surgir se nele estiverem expressas apostas muito precisas e com alguma dose de risco", sintetizou o eurodeputado social-democrata Silva Peneda, que chamou a estatística para lembrar que até as zonas mais pobres de Bulgária, Letónia, Lituânia, Hungria, Eslovénia e Roménia estão a crescer mais do que o Norte, onde vive um terço da população lusa. "A globalização não tem sido meiga para a região", continuou, destacando a necessidade de tornar o Norte num "produto" exportável.
Três projectos no QREN
Silva Peneda recorreu novamente aos números para constatar que a região vai ter, até 2013, apenas três projectos considerados estruturantes inscritos no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) o IP4, entre Vila Real-Quintanilha; o IC35, entre Penafiel-Entre-os -Rios; e a plataforma logística de Leixões.
Mas os 22 mil milhões de euros comunitários "não são a solução para os problemas, mas um facilitador", completou Elisa Ferreira, antes de o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, ter garantido que Portugal conseguiu um "excelente acordo".
"Não basta o dinheiro de Bruxelas. A região tem que se ajudar a si própria", reforçou Carlos Lage, acérrimo crítico do "centralismo absurdo".
Mas antes da regionalização ("que não pode ser uma arma de arremesso", avisou Lage), há outras pedras por partir. Caderno de encargos definir competências e orçamentos e clarificar o novo mapa da Administração Pública. Como é que se pode agir colectivamente?, perguntou Virgílio Folhadela, antigo presidente da Associação Comercial do Porto (ACP). Encontrando, por exemplo, sugeriu Elisa Ferreira, representantes do Estado na região - tipo directores-gerais - e equiparar o líder da CCDR/N a sub-secretário de Estado.
E olhando, sem complexos, para o exemplo espanhol, cujas virtudes foram explanadas pelo presidente da Região da Galiza. "Somos muito bons a traçar as prioridades e a fazer os planos. Mas enquanto a Galiza os faz mesmo, no Norte de Portugal solicitamos a atenção do Governo para que se façam". "Mea culpa" assumido por Elisa Ferreira.
Por isso, "era importante que o Governo explicasse o que quer para a região", asseverou Rui Moreira, líder da ACP. "A questão de um conselho estratégico é fulcral. Desde o tempo de Pina Moura que se fala disso", salientou.
Por falar em ex-ministros socialistas, o lisboeta João Cravinho resumiu na perfeição o espírito do debate "É preciso que o Porto diga o que pensa sobre o país".
Centro tem que mudar
"O primeiro passo é mesmo mudar o centro", sugere Paulo Azevedo, presidente executivo do Grupo Sonae, para quem "há um problema de centralismo absurdo em Portugal, ao ponto de ser difícil equacionar, para quem está no poder, não centralizar tudo em Lisboa". Comprometer é outra palavra-chave usada pelo empresário. Uma vez que o centralismo é tão grande, "que seja minimamente iluminado", defendeu, indo de encontro às palavras de Elisa Ferreira. E que se consiga "responsabilizar o centro por tudo o que não foi feito", além de "exigir do Governo compromissos para a região". Se esta seria uma solução imediata, a prazo defende regiões administrativas. "Uma boa regionalização faz certamente sentido e é mais do que evidente que é um factor de desenvolvimento. O centralismo é causa de subdesenvolvimento", destaca.