Andreia Sanches, in Jornal Público
Questionou crianças vítimas de maus tratos, os familiares maltratantes e os professores dessas crianças. Procurou saber que sintomas apresentam e que características têm os agregados onde se inserem. Uma das surpresas do seu estudo é que, ao contrário do que habitualmente é referido na literatura científica sobre o tema, na amostra analisada a violência não surgiu mais nas famílias numerosas. Patrícia Rodrigues, investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, diz que é preciso dar mais atenção aos agregados familiares de menor dimensão.
Problemas de atenção, comportamentos agressivos, sintomas de depressão e de ansiedade foram os "mais observados" junto dos menores, sendo a negligência a problemática mais frequente. O estudo permite cruzar olhares sobre como são percepcionados alguns desses sintomas: os maltratantes (geralmente a mãe, o pai, ou ambos) descrevem os filhos como sendo "difíceis e nervosos". Na escola, os professores vêem-nos como tendo um comportamento desestabilizador e dificuldades de aprendizagem. Como se vêem as crianças a si próprias? "Como agressivas, com sentimento de culpa, querem ser perfeitas", diz Patrícia Rodrigues. Os mais velhos dizem que se envolvem em brigas.
A autora alerta para o facto de o perfil das famílias acompanhadas nas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) poder estar a mudar. "Os maus tratos tendem a ocorrer com maior frequência em famílias numerosas, é nelas que a gestão do orçamento familiar é mais difícil e, em situações de carência, o stress de gerir esse orçamento acaba por ser canalizado para as crianças", explica.
Contudo, 26 das 41 famílias analisadas com menores maltratados tinham não mais de quatro elementos. "A configuração das famílias é cada vez mais reduzida, há mais monoparentalidade, pode estar a haver uma degradação das condições económicas nestas famílias."
Patrícia Rodrigues entende que uma das medidas essenciais para combater o fenómeno passa por criar condições para que os agregados acompanhados pelas CPCJ possam viver "qualitativamente melhor" - tanto mais que as situações de maus tratos ocorrem na sua maioria em famílias com rendimentos baixos (até 300 euros/mês). Os pais devem também ser auxiliados no desenvolvimento das suas competências parentais. Saúde e educação devem articular-se "para melhor identificar ocorrências de maus tratos".
Este estudo foi feito no âmbito de uma tese de mestrado a partir de questionários feitos em 2008 e envolveu 60 crianças.
36%
A negligência justifica a maior fatia dos processos de protecção de crianças (36,5 por cento) abertos em 2008


