8.7.09

G8 "esquece" a crise e aposta numa conclusão rápida da ronda de Doha

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

Divididos nas estratégias de combate à crise e limitados pelo novo poder do G20, os líderes do G8 apostam no comércio internacional e na ajuda ao desenvolvimento


A economia mundial ainda está a atravessar a maior recessão dos últimos sessenta anos, mas os líderes das principais potências mundiais já parecem dispostos, durante os próximos três dias em Itália, a fazer a cimeira do G8 regressar aos temas habituais antes da crise. Combater a crise mundial já não é, como em todas as cimeiras internacionais realizadas desde Setembro do ano passado, uma questão de emergência.

O ambiente que se vive na cidade de L'Aquila, em Itália, onde hoje se inicia o encontro dos líderes das oito maiores potências do mundo industrializado, é em tudo diferente daquele que se vivia em Londres há apenas três meses atrás. Nessa altura, a cimeira do G20 foi apresentada como a última oportunidade para salvar o mundo de uma iminente catástrofe económica e financeira. Agora, o discurso da urgência desapareceu e os avanços neste encontro do G8 - que terá como convidados vários líderes das economias emergentes e em desenvolvimento - deverão encontrar-se na conclusão da ronda de Doha do comércio internacional - que se prolonga há sete anos - e na redefinição da ajuda aos países mais pobres, uma tarefa discutida há décadas.
O que mudou de Londres para L'Aquila? Em primeiro lugar, o facto de os indicadores económicos no mundo desenvolvido, embora ainda em terreno negativo, terem deixado de estar em queda livre. Depois, no sistema financeiro, embora muitos avisem que os problemas ainda não estão resolvidos, a verdade é que o clima de medo e desconfiança que se viveu a seguir à falência do banco Lehman Brothers já se desanuviou.

Mas há outra razão, talvez ainda mais decisiva, para que os membros do G8 não apostem agora numa discussão das políticas combate à crise: as diferenças de posicionamento entre os países são muito significativas. Por exemplo, enquanto os EUA continuam a colocar a hipótese de lançarem um novo pacto de estímulo económico com mais despesa e investimento público, a Alemanha está já a dar início a uma estratégia de correcção das finanças públicas. Chegar a uma posição de conjunto sobre o que fazer agora seria muito difícil, algo que acontece igualmente no que diz respeito à reforma do sistema de regulação do sistema financeiro.

Mais complicadas ficam ainda as coisas se se tiver em conta que o G8, como fórum de discussão, perdeu, devido à crise, largo terreno em relação ao G20. Qualquer decisão importante nestas matérias tem agora de contar com um consenso mais alargado do que no passado.

E até mesmo em Roma, o Papa fez questão de, na sua primeira encíclica social, defender a criação de uma "autoridade política mundial" e uma reforma urgente da Organização das Nações Unidas (ver pág. 20).

Comércio, comida e dólares

Restam por isso os temas em que é possível chegar a algum tipo de acordo. Segundo a agência Reuters, uma versão preliminar do comunicado final da cimeira, já a circular entre as delegações, aponta para que os membros do G8 - em coordenação com o denominado G5 (as principais economias emergentes) - garantam que se irá chegar, até 2010, a uma conclusão "ambiciosa, extensa e equilibrada" da ronda de Doha, que permita contrariar a tendência para políticas mais proteccionistas a que se tem assistido nos últimos meses.

Outro tema em que se esperam avanços - e que constitui uma aposta da Administração Obama e dos britânicos - é o da ajuda ao mundo subdesenvolvido. A mesma versão preliminar do comunicado assinala que a tendência de descida na ajuda ao desenvolvimento "tem de ser invertida". Os EUA querem que, em vez da entrega directa de alimentos, se aposte no desenvolvimento das capacidades de produção agrícola dos países mais pobres, estando proposto um compromisso de ajuda que ascenda aos 15 mil milhões de dólares.

Em debate estará também, por insistência da Rússia (e o apoio da China e do Brasil), o papel do dólar como divisa de reserva internacional. Não se esperam, contudo, decisões significativas sobre esta matéria.