15.7.09

Privado gera menos queixas do que público

Ivete Carneiro e Maria Cláudia Monteiro, in Jornal de Notícias

Discriminação de utentes do SNS por convencionados é a maior falhadetectada nas fiscalizações da Entidade Reguladora da Saúde.

Com 6647 reclamações em 2008, o sector privado da saúde - que diz prestar 30% dos cuidados aos portugueses - fica proporcionalmente aquém das queixas no sector público (mais de 46 mil). Mas os universos são difíceis de comparar.

Quem o diz é a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que ontem apresentou o seu relatório de actividades relativo a 2008, no qual revela as reclamações recebidas relativamente a prestadores privados. Foram o dobro de 2007, num aumento atribuído à maior sensibilidade dos utentes aos direitos que lhes assistem. Ainda assim, são só 12% de todas as reclamações relativas à saúde no ano passado, quando o privado oferece 30% dos cuidados. Comparação que, garantem os privados, é "francamente positiva".

Mais importante do que o número de reclamações - lideradas pelas queixas em relação ao tempo de espera (28%) e qualidade da assistência administrativa (28%) e dos cuidados de saúde (17%) -, o relatório da ERS revela que só 0,6% deram lugar a abertura de processos. As restantes foram resolvidas no imediato, arquivadas ou resultaram em recomendações.

Para lá das reclamações recebidas (directamente ou via livro de reclamações), a reguladora também actua na sequência de fiscalizações e de casos de que vai tendo notícia pela comunicação social. De realçar são as instruções dirigidas a prestadores por discriminação ou rejeição infundada de doentes: em 2008 foram quatro, mas, no primeiro semestre deste ano, chegaram já às seis.

Dizem sobretudo respeito à marcação de consultas e exames de doentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e de subsistemas (a ADSE dos funcionários públicos) em privados com convenções: por virem referenciados pelo Estado, os doentes são preteridos nas marcações em relação aos que pagam os cuidados em causa. Há casos em que as marcações para o SNS se limitam, por exemplo, a um dia por mês, adiantou o presidente da ERS, Álvaro Almeida. O problema das reclamações e instruções relativas a discriminação afecta sobretudo as áreas de colonoscopia e oftalmologia no SNS e ortopedia e ginecologia na ADSE.

A reguladora dirigiu ainda duas instruções em 2008 e outras duas este ano envolvendo desigualdades de acesso. Um dos casos de 2009 diz respeito à lista de espera cirúrgica. Um doente que atingiu os noves meses considerados razoáveis por uma cirurgia maxilo-facial recebeu o vale-cirurgia e procurou três unidades listadas no Sistema Integrados de Gestão de Inscritos para Cirurgia (Sigic). Foi rejeitado em todas elas, com o argumento de que não tinham condições. Em causa estava o preço elevado da operação. A intervenção da ERS junto dos prestadores foi no sentido de corrigirem a lista de cirurgias que se propunham fazer. Ao Sigic, foi pedido que resolvesse o problema do utente sem o obrigar a passar pelo esquema oficial, que era inscrever-se noutro hospital e voltar ao fim da lista. O utente acabou operado um ano depois de emitido o cheque, noutro hospital público.

"Hoje seria diferente", porque a nova lei orgânica da ERS, em vigor desde Junho, inclui esta falha na violação das regras de acesso, o que implicaria a aplicação de coimas, adiantou Álvaro Almeida. No mesmo capítulo está a intervenção junto do Hospital de Guimarães, que recusava marcar consultas a doentes com taxas moderadoras em dívida.

Ainda no capítulo das instruções aos prestadores estão incluídas falhas nas convenções (num caso, o Hospital de S. João estava a exigir contrapartida financeira para celebrar protocolos de diálise) e cobrança de taxas moderadoras superiores às previstas.

Urgências e médicos são os mais criticados

As queixas são muito superiores, em proporção, nos serviços públicos. Mas a comparação não pode ser a frio, até porque o público arca normalmente com os cuidados mais diferenciados. Ainda assim, a diferença é substancial. Segundo a Inspecção Geral das Actividades em Saúde (IGAS), foram processadas no passado 46.414 reclamações.

Destas, 65% envolvem hospitais. Do total das queixas, apenas 0,26% originou a abertura de um procedimento de natureza disciplinar. No topo das queixas, surgem os médicos (47,42%) e as urgências (53%). Isto num ano em que, diz a IGAS, se verificou um aumento global das reclamações apresentadas nos hospitais e nos centros de saúde. A prestação de cuidados e o tempo de espera foram as questões que motivaram o maior volume de reclamações.