17.10.09

Soluções criativas e discretas para pobreza envergonhada

Rita Carvalho, in Diário de Notícias

Apoio a novos pobres faz-se de forma discreta, levando comida a casa ou ajudando a pagar dívidas. Há projectos inovadores: dar lixo a troco de dinheiro.

As instituições de apoio social estão a apostar em formas criativas e discretas de ajudar os novos pobres, na maioria desempregados e a viver uma situação de pobreza envergonhada. Há paróquias onde se angaria dinheiro em troca de lixo, ou se recolhem fundos para ajudar a pagar as dívidas. O apoio que as instituições prestam com bens essenciais, comida ou roupa, é também feito de forma cada vez mais discreta. Por exemplo, levando os alimentos a casa.

No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala hoje, o apelo de quem trabalha no terreno é de discrição e atenção para o novo fenómeno social. Manuel de Lemos, da União das Misericórdias, pediu ontem "cautela" e sensibilidade a quem está na linha da frente e lida diariamente com estes casos.

Num país em que 18% da população vive com menos de 400 euros por mês - sendo considerado pobre -, o crescimento da pobreza na classe média é sublinhado por todas as instituições, embora seja difícil de quantificar. Na AMI os pedidos subiram 10% desde o início do ano, e até Setembro registaram-se 1836 casos novos.

Às Cáritas e ao Banco Alimentar os pedidos também têm vindo a subir desde Janeiro e os seus responsáveis temem que o problema ainda se venha a agravar com o desemprego. Nas paróquias, as solicitações não têm parado de crescer, confirmou ao DN Francisco Crespo, responsável da Igreja Solidária, um projecto do Patriarcado de Lisboa.

Uma forma de preservar a exposição pública destes novos pobres foi encontrada pelas Cáritas, através da distribuição de vales usados no supermercado ou no pagamento de mensalidades escolares. Na distribuição do Banco Alimentar, a solução adoptada por algumas instituições foi o desafasamento da entrega dos cabazes. "Em vez da fila, tipo sopa dos pobres, as pessoas vêm buscar quando podem e o cabaz faz-se na hora. Até levamos a casa", explicou ao DN Jofre Pereira, do Centro de Solidariedade e Cultura de Peniche.

Aí está em avaliação um projecto que já dá frutos na paróquia vizinha de Moita dos Ferreiros: a recolha de resíduos de vidro e plástico por parte da população. O lixo é pago à tonelada pela Resioeste, empresa de resíduos da região, e aplicado no combate à pobreza ou na construção de equipamentos sociais. "É também uma forma de envolver e mobilizar as pessoas", afirma Carlos Branco, pároco local.

No centro paroquial de Benfica, além da distribuição de cabazes alimentares a mais de 60 famílias e de outros apoios sociais, foi criado um refeitório social, no átrio do antigo cinema. Aqui são servidos cerca de 20 almoços por dia, a pessoas desempregadas ou em situação grave de pobreza. O refeitório abre às 12.30, mas uma hora depois já está vazio. "As pessoas até chegam antes da hora, pois para muitas, o almoço é a primeira refeição do dia", explica Isabel Dias Pinheiro, voluntária que serve as refeições. "Comem a correr e vão-se embora, para não serem vistos aqui", acrescente José Traquina, o prior de Benfica. Mas os utentes do almoço estão a diminuir, diz, pois alguns já arranjaram emprego.