15.12.09

Do Rendimento Mínimo Garantido ao Contrato de Inserção Social

Por Margarida Neto, in Sol

As palavras exprimem conceitos. E os conceitos orientam as práticas. Em 1992, a UE recomenda aos Estados-membros o reconhecimento de um «direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana».

Vários sectores da sociedade portuguesa reconheceram como possível, necessária e justa, a aplicação desta medida, introduzida por António Guterres em 1997 e designada por Rendimento Mínimo Garantido.

Em 2003, com Bagão Félix, passou a Rendimento Social de Inserção (RSI). Pretendeu-se, e bem, reforçar a inclusão dos mais carenciados, promover a sua autonomia social e económica e maior rigor na atribuição.

No último relatório de execução do RSI, havia 385 mil beneficiários, inseridos em 149 mil famílias. Destes, 78% acordaram na integração em Programa de Inserção, o que implica responsabilidades, como colocar os filhos na escola.

Mas não basta. Um exemplo: sou psiquiatra e tenho experiência de acompanhamento de doentes alcoólicos. Muitos gastam o RSI em álcool. A continuidade do consumo, com a respectiva degradação física, social e familiar, deve pôr em causa o ‘direito’ ao RSI. A maior parte, só percebendo o que pode perder aceita tratar-se. A um direito tem de corresponder um dever.

É por isso não ser claro, até para os próprios beneficiários, que parece haver mal-estar no país, em relação ao RSI, que urge evitar. A frieza dos números mostra-nos que 18% dos portugueses vive abaixo do limiar de pobreza. Muitos mais seriam, não fossem as prestações sociais.

Uma sociedade solidária compreende e aceita a necessidade de medidas de apoio a quem precisa de um mínimo de dignidade. Esse mínimo é um direito. Mas devemos organizar melhor a sua execução, para que seja mais justo e temporário.

O Movimento Esperança Portugal propõe a substituição do RSI pelo Contrato de Inserção Social. O beneficiário tem de ser responsável pela execução do contrato, sob pena de ele poder terminar.

Trabalho com populações vulneráveis, pelo que sei a dificuldade. A maior pobreza, para além da escassez de meios, é a dificuldade para comunicar e conhecer, sair de si, agir. A nossa obrigação solidária é combater a passividade, promover a autonomia.

Não é fácil mas é vital. Com melhor acompanhamento e mais técnicos no terreno. Em atendimento, no domicílio, com flexibilidade e criatividade. Com as IPSS, ONG, empresas, comunidade, redes de vizinhança. Com o contributo do próprio beneficiário. Só na proximidade é possível conhecer, avaliar, modificar.

Apenas 3% dos beneficiários entraram em formação profissional! Mais habilitações e reconversão de conhecimentos são prioridades. Mas há outras necessidades: a formação parental, a formação em economia e vida doméstica, a formação cívica, o treino de competências pessoais e sociais. Se nada fizermos, a pobreza gera pobreza, a exclusão maior exclusão, maior risco.

Temos de ser capazes de romper estes ciclos.
A solidariedade pode e deve ser um investimento produtivo. Pode ser início de vida nova. Para todos nós. Tem de sê-lo!