11.12.09

Países Pobres usam quioto para dar Acordo de copenhaga a ricos

por João Céu e Silva, in Diário de Notícias

Quando os líderes mundiais chegarem a Copenhaga no fim da próxima semana, têm à sua espera um presente especial - três mil borboletas de papel que as crianças da Austrália fizeram, e onde desenharam e escreveram os seus desejos para um planeta melhor.

Provavelmente, nenhum dos 110 presidentes e primeiros-ministros que vão até à capital dinamarquesa, para assinar um acordo político que salve a Terra do aquecimento global, estará preocupado com estas acções infantis e preferirão conhecer o seu lugar exacto na fotografia oficial, de modo a ficar bem no retrato da COP15. Até porque muitos dos dirigentes já não estarão vivos na altura em que, se não forem agora travadas, as alterações climáticas terão provocado uma modificação total da forma de viver. Por isso, conscientes dessa situação, centenas de jovens coloriram ontem o Centro Bella com T-shirts cor de laranja e uma frase onde perguntavam: "Que idade terás em 2050?"

Essa previsão do futuro não é, no entanto, a tónica desta megarreunião em Copenhaga e, nos gabinetes fechados das delegações, os negociadores continuam num contra-relógio para ter prontos na próxima quarta-feira os temas mais quentes dos vários dossiers que os ministros do Ambiente e do Clima terão de decidir antes de os seus governantes aterrarem em Kastrup, na quinta e na sexta-feira. E não são poucos os pontos de discórdia, nem muito confluentes as vontades das Partes da Conferência que vieram a Copenhaga com a obrigação de tentar impor uma vontade comum num acordo ainda muito nebuloso.

Uma coisa é certa: de Copenhaga ainda não sairá um acordo juridicamente vinculativo entre todos os países presentes na negociação. É impossível obtê--lo com tantas divergências de interesses e com os Estados Unidos num tempo político diferente do resto do mundo. Até a China deu passos maiores que Obama e tem estado a forçar tudo e todos para, mais do que melhorar o ambiente, garantir uma estratégia política que lhe proporcione uma liderança mundial e segura dentro de alguns anos.

O ambiente é, até no entender da cimeira que ontem começou em Bruxelas entre os dirigentes dos 27 Estados membros da União Europeia (ver página 26), a saída para a crise financeira ao relançar uma economia verde, lucrativa e geradora de empregos e novas actividades comerciais.

Pode concluir-se pelo que se vê na negociação que o que está em causa nesta COP15 é mais essa liderança a nível global, que abana a bandeira ambiental, do que evitar o aquecimento da Terra para valores incomportáveis e as consequências que advirão. Se assim não fosse, os negociadores dos vários países teriam outro perfil e estariam voltados para outras questões. É manifesto que entre os grandes ninguém se preocupa se Tuvalu fica submerso daqui a poucos anos com a subida do nível dos oceanos, tal como entre os pequenos a luta é por verbas que lhes permitam desenvolver-se pelos padrões dos países ricos.

A principal moeda de troca que está sobre a mesa em Copenhaga é, surpreendentemente, a manutenção do Protocolo de Quioto - ao qual se anticipava a morte na COP15 - e das suas benesses em vez de um novo acordo, que inaugure uma nova época para a Terra. Os países em desenvolvimento desejam que o Protocolo permaneça, os desenvolvidos querem que os seus mecanismos de financiamento sejam executados - situação que até agora quase não se verificou - e, para todos, as metas para a redução de emissões de gases são apenas uma questão negocial para obter dividendos. À margem desta situação estarão as organizações não governamentais sem a dimensão da Greenpeace ou a WWF, por exemplo, e alguns milhares de participantes, os não solidários com as políticas desenvolvimentistas dos seus governos - como é o caso de muitas do Brasil.

Nestes quatro primeiros dias da COP15 formou-se uma frente de combate entre os países pobres e em desenvolvimento que chantageia os países ricos e se agarra à bóia de salvação que é, até agora, um Protocolo de Quioto com novo fôlego. Os países do G77-China solicitaram ontem, mais uma vez, ao Presidente Obama que ratifique esse tratado, de 1997, e não exigiram as medidas inovadoras que os negociadores profissionais, como os mais preocupados com o ambiente, estão a tentar introduzir num acordo a sair da Dinamarca. Aliás, o país anfitrião, depois do alegado escândalo do 'Texto Dinamarquês', já se envolveu noutro, o da cedência à China no reconhecimento do Tibete como parte do seu território, numa tentativa desesperada de obter mais favores nesta Conferência. Por seu lado, os EUA já clarificaram que não o vão ratificar, em sucessivas e diárias declarações dos emissário da Administração Obama. Sairá um acordo da Dinamarca, sem dúvida. A quem interessará, não se sabe.