22.1.10

"Sem rigor não seria possível"

Leonor Paiva Watson, in Jornal Público

Cristina faz parte dos portugueses que, trabalhando, vivem com muitas dificuldades, nem sempre podendo suprir necessidades tão básicas como ir ao médico


Cristina trabalha há 20 anos, desde os 16, sem parar, ininterruptamente. É gerente de loja, em Guimarães, e ganha 600 euros. O marido, trabalhador independente, teve uma quebra brutal de rendimentos.

Entre os dois, depois das contas pagas, ficam 200 euros para eles e dois filhos. "Se não fosse a ajuda pontual da família e uma grande disciplina... Sem rigor não seria possível", resume.

O que mais incomoda Cristina não é a impossibilidade de fazer férias ou comprar roupa. O que a incomoda é não poder pagar todos os tratamentos médicos que o filho adolescente precisa. O que lhe traz as lágrimas aos olhos é pensar que, muito provavelmente, não terá dinheiro para colocar os filhos na universidade, mesmo que seja pública. "Vou cortar-lhes os sonhos, as asas?". As lágrimas caem-lhe e tenta enxugá-las de imediato dizendo que "pelo menos, não há dívidas".

Cristina é uma mulher onde se percebe muito rigor e disciplina. Qualidades que a ajudam numa gestão, tantas vezes, sufocante. "Há uns tempos eu precisava de levar um dos meus filhos ao médico, só que a consulta era de 75 euros. Mas era mesmo urgente. Então, marquei a consulta para o início do mês seguinte e até lá fui obrigada a dizer aos miúdos que não lhes daria dois euros por dia (para irem ao bar comer qualquer coisa na hora do lanche), mas que lhes daria apenas um euro. Claro que lhes expliquei a razão. E consegui levá-lo ao médico" , conta.

Cristina não tem subsídios, ou qualquer ajuda estatal. Nada. É da considerada classe média. Trabalha e ganha mais de 400 euros, logo fica de fora do pacote de medidas sociais existentes. Mas a verdade é que nem sempre consegue fazer frente a despesas básicas como levar os filhos ao médico sem ter que cortar drasticamente em outras coisas.

"Eu tenho tendinites crónicas. Tenho que fazer fisioterapia e nunca fiz. Não posso. Vou adiando", lamenta. Lamenta ainda que ao fim de 20 anos de trabalho ganhe 600 euros.

Cristina tem uma imagem impecável e um português perfeito, mas nos olhos um traço de tristeza que revela cansaço...