15.2.11

Economia fecha 2010 em queda e agrava receios de recessão

Por Ana Rita Faria, in Jornal Público

Crescimento do PIB foi superior ao previsto para o ano passado, mas os economistas admitem entrada em recessão já no primeiro trimestre

São simultaneamente boas e más notícias. A economia portuguesa fechou 2010 a crescer 1,4 por cento, acima das principais previsões nacionais e internacionais. Contudo, no último trimestre do ano passado, o produto interno bruto (PIB) já se contraiu 0,3 por cento em cadeia. Se o mesmo acontecer neste primeiro trimestre, Portugal entra oficialmente em recessão técnica. Um cenário que dificilmente se vai inverter no resto do ano, devido ao impacto das medidas de austeridade postas em marcha pelo Governo para reduzir o défice.

De acordo com a estimativa provisória ontem divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a economia portuguesa cresceu 1,4 por cento em 2010, acima da previsão do Governo (1,2 por cento), mas também do Banco de Portugal e da Comissão Europeia (1,3 por cento), bem como do próprio Fundo Monetário Internacional (1,1 por cento).

Para os economistas contactados pelo PÚBLICO, este crescimento foi impulsionado pelo sector exportador, mas também empolado pelos aumentos do IVA, primeiro em Julho e depois em Janeiro, que levaram a uma antecipação de compras de bens duradouros.

Contudo, se no primeiro trimestre a economia tinha crescido 1,1 por cento, a tendência foi de desaceleração nos trimestres seguintes. Entre Outubro e Dezembro, o PIB registou mesmo a primeira contracção do ano, caindo 0,3 por cento em relação ao trimestre anterior (apesar de ainda ter crescido 1,2 por cento em relação ao mesmo período de 2009). De acordo com os economistas ouvidos pelo PÚBLICO, é muito provável que a economia volte a contrair-se entre Janeiro e Março, o que empurraria Portugal para uma recessão técnica (que se caracteriza por trimestres consecutivos de queda do PIB).

"A austeridade atabalhoada e improvisada é um rude golpe na economia e é possível que haja já outra queda no primeiro trimestre", admite o economista João César das Neves, para quem Portugal não se vai livrar de uma recessão este ano. Também Paula Carvalho, economista do BPI, considera "elevada" a possibilidade de uma nova contracção no primeiro trimestre. "As compras de automóveis no final de 2010 são consumo que não será realizado este ano", o que, aliado à quebra do investimento, torna "muito provável que Portugal entre em recessão até Março", acrescenta Filipe Garcia, economista da Informação de Mercados Financeiros (IMF).

Governo continua optimista

Só em Março é que o INE vai divulgar os dados desagregados para as várias componentes do PIB, mas os "culpados" pela queda da economia no quarto trimestre já foram minimamente identificados. De acordo com o INE, as despesas de consumo das famílias portuguesas desaceleraram e o contributo das exportações de bens e serviços, apesar de elevado, foi inferior ao observado no trimestre anterior. Nem mesmo a antecipação de compra de automóveis, para fugir à subida do IVA em Janeiro, impediu este cenário. A razão é simples: se a compra de carros significou mais consumo, também significou mais importações, o que contribuiu negativamente para a evolução do PIB.

Tanto o primeiro-ministro, José Sócrates, como o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, admitiram ontem que o recuo do PIB no último trimestre reflecte o impacto das medidas de ajustamento orçamental, mas mantiveram o optimismo de que as exportações serão capazes de manter a economia à tona da água, permitindo um crescimento tímido de 0,2 por cento. Uma opinião contrária à da maioria dos economistas, que apontam para uma nova recessão, ainda que mais branda que a de 2009, quando a economia caiu 2,5 por cento.

Riscos no horizonte

"Estamos a prever uma recessão de um por cento este ano, devido a uma moderação forte da procura interna, tanto na vertente de consumo privado, como de investimento", disse ao PÚBLICO Rui Constantino, economista do Santander Totta. O departamento de estudos económicos do BPI aponta para uma quebra de 1,5 por cento, mais ou menos em linha com as previsões do Banco de Portugal (-1,3 por cento), da Comissão Europeia (-1) ou do FMI (-1,4).

O principal factor a pesar sobre o crescimento será o consumo privado, que vai ressentir-se com a diminuição do rendimento disponível decorrente das medidas de austeridade do Governo. "Mesmo os que mantenham o emprego não deverão ter salários mais altos (pelo contrário, haverá quem se depare com salários mais baixos), os preços estão a subir, as taxas de juro também, assim como a carga fiscal directa e indirecta", resume Filipe Garcia, da IMF.

Apesar de a quebra do consumo privado também ter o outro lado da moeda que é a redução das importações, esta poderá ser atenuada pela escalada dos preços da energia e outras matérias-primas, que "impedirá uma melhoria mais significativa da balança comercial", considera Filipe Garcia.

Além disso, "as exportações ainda pesam pouco na economia e seria preciso ganhar muita quota de mercado para se gerar um ciclo positivo que afecte o emprego e a procura interna", nota Paula Carvalho.

O Governo prevê um crescimento de 7,3 por cento nas compras do exterior, mas contas feitas anteriormente pelo PÚBLICO mostram que, se as empresas nacionais não ganharem quota de mercado em 2011, o PIB recua 1,1 por cento. E isto partindo do princípio que todas as outras previsões do Governo (consumo privado, consumo público e investimento) estão certas.