28.11.11

Microcrédito é solução para o arranque de pequenos negócios

Carlos Cipriano, in Gazeta das Caldas

Vera Mota e Edgar Costa, da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC), uma entidade que pretende ajudar as pessoas que vivem na franja da exclusão e são mal recebidas pelo sistema bancário.

Tirar pessoas da subsidiação e torná-las autónomas através da criação de microempresas é um dos objectivos da ANDC (Associação Nacional de Direito ao Crédito) que financia projectos até 10.000 euros.

Desempregados, jovens que acabaram o secundário e até licenciados têm decorridos a esta fórmula que lhes permite dar o pontapé de saída para criarem o seu próprio posto de trabalho.

Um atelier de costura, um gabinete de estética, uma peixaria, uma oficina de bicicletas, uma lavandaria, uma loja de roupa. O financiamento pode ser de mil a dez mil euros (em alguns casos pode atingir os 12.500 euros, mas nunca mais do que isso). É com empréstimos desta natureza que algumas pessoas criaram as suas micro-empresas e estão hoje numa vida activa. Muitos recebiam subsídios de desemprego e eram um encargo para a comunidade, agora pagam impostos e contribuem para a comunidade.

Mas todos, sem excepção, recorreram à ANDC porque tinham sido excluídos pela banca comercial. Um dos requisitos para candidatar um projecto de microcrédito é não ter recursos próprios e não ter conseguido obter financiamento bancário. O objectivo da Associação é mesmo o de ajudar as pessoas que vivem na franja da exclusão e eram mal recebidas pelo sistema bancário.

“Se não tem acesso ao crédito bancário, pode ter direito ao microcrédito. Se já teve incidentes bancários é que é mais difícil” , explica Edgar Costa, gestor operacional da ANDC.

“Os nossos candidatos a micro-empresários podem ser desempregados ou terem um trabalho precário, podem ser imigrantes, podem já ter o seu próprio negócio e necessitarem de um reforço de capital, mas também podem ser jovens que, por exemplo, terminaram um curso técnico-profissional e cuja família não tem dinheiro para os ajudar a criar um negócio”, prossegue. E também há, claro, licenciados a recorrer à ANDC. “Cada vez mais”, diz.

Ser empreendedor e ter uma ideia de negócio são os requisitos essenciais para se candidatar ao microcrédito. Mas é necessário ter também um fiador que se responsabilize por 20% do montante pedido. A ideia, explica Vera Mota, técnica da ANDC, é que o candidato tenha alguém seu amigo que acredite o suficiente nele e no seu projecto ao ponto de ser seu fiador.

A ANDC não empresa o dinheiro. Quem o faz são os bancos com quem trabalha (CGD, BES e BCP). O empréstimo tem uma duração de quatro anos (48 meses) e a remuneração do capital, apesar de se tratar de um microcrédito, não funciona necessariamente com micro-juros. Estes são à taxa Euribor a três meses acrescido de spread de 2% ou 3% consoante o banco escolhido.

O que a ANDC faz é garantir ao banco a qualidade do projecto, no qual acredita depois de o ter analisado. “Os técnicos da associação percorrem o pais e vão aos locais falar com os micro-empresários prestando-lhes um apoio que, no fim de contas, é cem por cento personalizado”, explica Edgar Costa.

Até ao final do ano a ANDC espera concluir 170 novos projectos. Parece pouco, mas trata-se de trazer para a vida activa pessoas que viviam quase na marginalidade e que “deram o salto” através de pequenos negócios para os quais não dispunham do dinheiro para investir se não fosse o microcrédito.

É por isso que o IEFP (entidade estatal responsável pela gestão dos subsídios de desemprego) é a principal financiadora da ANDC. Sai mais barato ao Estado investir em micro-empresários do que continuar a subsidiar desempregados.

Mas grande parte do trabalho da ANDC é feito por voluntários – são técnicos superiores que analisam projectos e tratam também da parte administrativa e funcionamento da associação.

A maioria dos micro-empresários que recorrem a esta associação são mulheres (52,6%) e 64% dos projectos aprovados são-no a pessoas entre os 25 e os 45 anos de idade.

Em termos de habilitações literárias, cerca de 30% dos micro-empresários têm o ensino secundário, seguindo-se os que concluíram o 3º ciclo (23%), os que concluíram o 2º ciclo (15%), os que fizeram o 1º ciclo (14%) e os licenciados (12%).

O comércio por grosso e retalho constitui cerca de 38% dos projectos aprovados, seguindo-se o alojamento, restauração e similares com 14%.

Muhammad Yunus e o Banco da Aldeia

A ANDC inspira-se no movimento fundado pelo economista Muhammad Yunus, do Bangladesh, que em 2006 recebeu o prémio Nobel devido à criação do conceito de microcrédito que ele próprio aplicou no seu país com a criação do Banco Grameen (Banco da Aldeia).

A ideia era arrancar da pobreza extrema pessoas que não tinham dinheiro, mas possuíam o instinto para sobreviver se lhes proporcionassem um mínimo de recursos. Mais de 6 milhões de pessoas recorreram ao Banco Grameen, na sua maioria mulheres. Surpreendentemente, os pobres são muito honestos pois mais de 98% pagam na totalidade os empréstimos que pediram.

Em Portugal, e no caso da ANDC, essa taxa é de 92%. Também é certo que só 25% das pessoas que contactam a Associação passam à fase do financiamento, depois dos seus projetos serem amadurecidos com a ajuda dos técnicos da ANDC, mas depois disso só um número residual é que entra em incumprimento.

A associação é presidida pelo professor catedrático em Economia, Manuel Brandão Alves.