Supercomputador português só começará a receber projectos científicos no próximo ano. O Deucalion é inaugurado esta quarta-feira, em Guimarães, com a presença do primeiro-ministro, António Costa.
Passados quatro anos desde a assinatura do contrato, o Deucalion vai ser inaugurado pelo Governo português. É o novo supercomputador, o mais rápido e eficiente (dez vezes mais do que o anterior), e pode significar um salto para a ciência portuguesa na capacidade de cálculo e na velocidade com que analisa dados ou problemas. A equação é simples: um supercomputador demora uma hora a analisar um problema que um computador portátil demorará 20 ou 30 anos.
Depois de vários anúncios de entrada em funcionamento, a inauguração está marcada para esta quarta-feira, às 14h30, no Campus de Azurém da Universidade do Minho, em Guimarães, onde está instalado o Deucalion – e conta inclusive com a presença do primeiro-ministro, António Costa. O tiro de partida deste supercomputador começou por ser anunciado para o final de 2020, depois adiado para o início de 2022 e, ainda, para o início de 2023, até ser finalmente agendado para esta quarta-feira.
Mas o que é um supercomputador? A construção da própria palavra ajuda. Os supercomputadores permitem analisar um conjunto enorme de dados num período de tempo bastante mais curto (que pode reduzir o tempo de uma análise em anos) ou fazer enormes quantidades de cálculos.
Geralmente, podemos encontrar exemplos do seu uso na física, transformando os dados recolhidos em imagens do Universo, por exemplo, ou mesmo na biologia, criando modelos de um vírus que demorariam meses sem a capacidade de processamento destes computadores. Um exemplo quotidiano são as previsões meteorológicas: os modelos actuais de meteorologia são cada vez mais certeiros (mesmo que achemos o contrário) porque conseguem analisar muito mais dados e em muito menos tempo. Em Janeiro deste ano, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera inaugurou também um novo supercomputador que duplica a cobertura e a rapidez das suas análises – importante não só para conhecermos o tempo antes de sair de casa, mas também para prever mais eficazmente o risco de incêndio, por exemplo.
Antes do Deucalion, Portugal já teve outros supercomputadores, como o Bob, instalado em 2019, em Riba de Ave (Vila Nova de Famalicão), o supercomputador mais potente até esta instalação (ainda assim, dez vezes inferior ao Deucalion), e que cessou o seu funcionamento no início deste ano.
“A rede de computação nacional é agora reforçada dez vezes com este novo supercomputador. Hoje, este é um instrumento que qualquer área de investigação tem para poder, de forma mais rápida, simular e calcular dados”, defende ao PÚBLICO Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, acrescentando que este é um projecto para todas as disciplinas científicas – e não só para quem usa programação. E é também para qualquer investigador em Portugal, dado que não é necessário estar ao lado do Deucalion para o utilizar: o acesso é totalmente remoto.
Anteciparia que, ao longo dos próximos cinco anos, estes custos [operacionais] poderão ser por volta de 13 a 15 milhões de euros
João Nuno Ferreira
Apesar de a inauguração estar marcada, o supercomputador Deucalion ainda não está em pleno funcionamento. Depois das obras no espaço onde está acomodado e da configuração da máquina, ainda há passos por cumprir. Nos próximos dois meses, avançará a última etapa de instalação do supercomputador e, depois disso, seguem-se os testes finais. “Entre o final deste ano e o início do próximo, esperamos ter a máquina em velocidade de cruzeiro a receber as centenas de projectos que estou certo que serão submetidos”, afirma João Nuno Ferreira, coordenador da Unidade de Computação Científica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Atrasos provocados pelas condições do espaço
“A primeira experiência com o Bob foi importante para perceber o potencial que a supercomputação oferecia ao nosso país, quer às universidades, quer às empresas – e a resposta foi interessante. Todos olhamos agora com confiança para o sucesso desta nova máquina”, afiança Rui Vieira de Castro, reitor da Universidade do Minho. As expectativas para o Deucalion são elevadas. “É um salto muito significativo face ao Bob”, nota Francisco Santos, vice-presidente da FCT. “[Este supercomputador] permitirá ter projectos em Portugal de uma dimensão que não era possível antes”, acrescenta João Nuno Ferreira. Desde 2019 que as virtudes do Deucalion são elencadas, mas os atrasos na instalação desta máquina de 26 toneladas, distribuídas por 26 armários com dois metros de altura que estão arrumados numa sala da Universidade do Minho, adiaram a entrada em acção deste supercomputador.
A complexidade da instalação do Deucalion e os requisitos necessários para o acomodar são a justificação para os sucessivos adiamentos da instalação. “Passámos por uma sucessão de locais possíveis que não se revelaram viáveis. Ao fim de vários meses, a conclusão que nos diziam era ‘para um equipamento destes, mais vale construir de raiz’”, conta João Nuno Ferreira. Um supercomputador como o Deucalion exige não só espaço físico, mas também um acesso energético enorme, já que consome muita electricidade, e também um sistema de refrigeração com um caudal de cerca de 50 litros de água por segundo – condições que dificultaram a definição de um espaço. “O local foi o maior factor. Depois de identificado este local, os atrasos que se verificaram foram os expectáveis no contexto do fornecimento de equipamentos especializados neste tipo de instalações”, acrescenta. Apesar do esforço energético, o Deucalion tem maior eficiência do que o Bob, por exemplo: consegue dez vezes mais eficiência, com apenas o triplo do consumo energético, avança João Nuno Ferreira.
“Quando cheguei, tinha um problema para resolver e o que fiz foi arregaçar as mangas, constituir um grupo de trabalho, ter uma reunião com todos e dizer: ‘Temos um computador para instalar e temos de o instalar o mais rapidamente possível’. E foi isso que nós fizemos”, diz Elvira Fortunato.
A Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho (EuroHPC, no acrónimo em inglês), organização da União Europeia criada para conjugar os esforços nesta área, justificava a demora, ao PÚBLICO, em Outubro de 2022, com os próprios processos de contratação pública. À época, Portugal e Espanha eram os únicos dos oito países a quem foram atribuídos supercomputadores em 2019 que não tinham instalado estas máquinas, de acordo com o EuroHPC – agora, sobram apenas os espanhóis.
Será criado um centro de computação avançada
A gestão do supercomputador será feita através da FCT, mas no próximo ano será criado o Centro Nacional de Computação Avançada, como referiu Francisco Santos. Esta organização nasce com o intuito também de “apoiar os investigadores na utilização do Deucalion e, ao mesmo tempo, fazer crescer o financiamento para esta área da computação avançada”, explica o vice-presidente da FCT. Este centro formalizará a Rede Nacional de Computação Avançada, uma plataforma colaborativa de infra-estruturas e pessoas ligadas a esta área, num organismo capaz de concorrer a financiamento europeu ou de atrair projectos internacionais para se desenvolverem no Deucalion, por exemplo.
O concurso a financiamento e a projectos ajudará também a arcar com as despesas associadas ao Deucalion. O fornecimento do supercomputador, assinado com a Fujitsu em Setembro de 2020, assume uma despesa inicial de 20 milhões de euros, ficando a empresa originária do Japão com a responsabilidade de fornecer a tecnologia que dá vida ao Deucalion. As verbas dividem-se entre dinheiro da FCT e verba europeia (65% da responsabilidade da instituição portuguesa). Além dos 20 milhões de euros de investimento inicial, há custos de operação. “Têm uma componente grande de energia, bem como a formação de uma equipa de oito a nove pessoas especializadas. Anteveria que, ao longo dos próximos cinco anos, estes custos poderão ser por volta de 13 a 15 milhões de euros”, orçamenta João Nuno Ferreira, deixando um asterisco para os custos de energias, sempre “voláteis”.
Estes custos serão pagos com o financiamento adquirido através de projectos, que podem ser científicos ou industriais. A gestão diária da máquina será um encargo da FCT, apesar de Francisco Santos confiar que poderão existir contributos de várias fontes, desde protocolos com instituições de ensino superior para a utilização do supercomputador a projectos de inovação quer industrial, quer da administração pública.
Deucalion disponível para todos os cientistas
Tal como a repartição de custos, a utilização do novo supercomputador também é 65%-35%. Neste caso, 65% do tempo de uso será dedicado aos projectos portugueses ou atraídos pelo futuro Centro Nacional de Computação Avançada, enquanto os restantes 35% serão para usufruto de cientistas europeus que pretendam utilizar o Deucalion – uma divisão que também acontece nos outros países que receberam supercomputadores.
Os cientistas portugueses serão, ainda assim, o destinatário principal deste supercomputador. “Esta infra-estrutura é transversal, todas as áreas disciplinares podem tirar partido de uma infra-estrutura como esta”, diz Francisco Santos. As oportunidades para concorrer à utilização deste equipamento serão feitas através do concurso de projectos de computação avançada da FCT, que nas candidaturas deste ano já incluirá o Deucalion, mas também nos concursos gerais de projectos científicos – algo que não existia. “O investigador pode dizer que vai fazer isto e aquilo, mas que, além disso, precisa de x horas de tempo de cálculo num computador nacional – e esse tempo de cálculo é atribuído juntamente com o financiamento e, assim, não tem de submeter duas candidaturas”, explica.
As competências nesta área por parte dos investigadores são uma das principais preocupações, mas Francisco Santos descarta que seja um problema. “Do ponto de vista técnico, não é necessário que a pessoa seja informática e a dificuldade estará relacionada com o tipo de aplicação que se pretende fazer. Exige alguma capacidade de utilizar recursos computacionais completos, mas não é algo que invalide ou ponha de parte investigadores fora destas áreas”, diz. É também por isso que existem, em várias universidades do país, centros de competências em computação avançada que dão apoio em matérias como esta.
A visão é similar a Miguel Avillez, astrofísico e responsável pelo supercomputador Oblivion, da Universidade de Évora, que utiliza outras máquinas europeias e norte-americanas no seu trabalho. “Haverá sempre uma aprendizagem por parte do utilizador, mas, para quem está habituado a trabalhar com isto, será simples. Para os que não têm os conhecimentos aprofundados, aí poderão existir alguns problemas – mas também aprenderão rapidamente”, sublinha.
“Nunca conseguimos ter o Bob com a potência máxima”
O Deucalion surge como substituto natural do Bob, o supercomputador mais potente que Portugal teve – antes da entrada em funcionamento deste Deucalion. Apesar de participar numa centena de projectos científicos, o Bob, instalado num centro da empresa Redes Energéticas Nacionais (REN) em Riba de Ave, nunca chegou à sua potência máxima.
“O Bob ajudou-nos a aprender e a crescer rapidamente antes da chegada do Deucalion”, explica João Nuno Ferreira, coordenador da Unidade de Computação Científica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. No entanto, este era um equipamento doado pela Universidade de Austin (Estados Unidos) e cujos requisitos técnicos não se coadunavam com os centros de dados existentes em Portugal. “A potência e a refrigeração necessária esbarraram nessas limitações [dos centros portugueses], o que nos obrigou a nunca o ter forçado ao limite. Nunca conseguimos ter o Bob com a potência máxima”, lamenta.
Em Março deste ano, o supercomputador Bob marcou o fim da sua produção, como anunciou o Centro de Computação Avançada do Minho, ligado à Universidade do Minho. Este supercomputador tinha começado as operações em Portugal em Julho de 2019.
A “substituição” pelo novo supercomputador Deucalion, que será inaugurado esta quarta-feira, marca um aumento da capacidade portuguesa. “Vamos reforçar em muito a rede de computação avançada a nível nacional. Precisamos de sistemas de supercomputação porque temos cada vez mais dados. Mesmo a emergência da inteligência artificial e a digitalização irão necessitar de computadores que consigam tratar um volume maior de dados e, em simultâneo, uma capacidade de processar esses dados mais rapidamente”, nota a ministra da Ciência, Elvira Fortunato.
A contratualização europeia de supercomputadores coincide também com a aposta em microelectrónica, com o investimento na produção de processadores e semicondutores, presentes em grande parte da tecnologia (como computadores e telemóveis), no espaço europeu – para contrariar a dependência externa, de países como a China ou os Estados Unidos. “É importante que a Europa não fique atrás nestas áreas fundamentais. Como tivemos problemas de energia com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, nos semicondutores é igual: se a China cortar [o acesso], o mundo pára”, refere a ministra.
Passados quatro anos desde a assinatura do contrato, o Deucalion vai ser inaugurado pelo Governo português. É o novo supercomputador, o mais rápido e eficiente (dez vezes mais do que o anterior), e pode significar um salto para a ciência portuguesa na capacidade de cálculo e na velocidade com que analisa dados ou problemas. A equação é simples: um supercomputador demora uma hora a analisar um problema que um computador portátil demorará 20 ou 30 anos.
Depois de vários anúncios de entrada em funcionamento, a inauguração está marcada para esta quarta-feira, às 14h30, no Campus de Azurém da Universidade do Minho, em Guimarães, onde está instalado o Deucalion – e conta inclusive com a presença do primeiro-ministro, António Costa. O tiro de partida deste supercomputador começou por ser anunciado para o final de 2020, depois adiado para o início de 2022 e, ainda, para o início de 2023, até ser finalmente agendado para esta quarta-feira.
Mas o que é um supercomputador? A construção da própria palavra ajuda. Os supercomputadores permitem analisar um conjunto enorme de dados num período de tempo bastante mais curto (que pode reduzir o tempo de uma análise em anos) ou fazer enormes quantidades de cálculos.
Geralmente, podemos encontrar exemplos do seu uso na física, transformando os dados recolhidos em imagens do Universo, por exemplo, ou mesmo na biologia, criando modelos de um vírus que demorariam meses sem a capacidade de processamento destes computadores. Um exemplo quotidiano são as previsões meteorológicas: os modelos actuais de meteorologia são cada vez mais certeiros (mesmo que achemos o contrário) porque conseguem analisar muito mais dados e em muito menos tempo. Em Janeiro deste ano, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera inaugurou também um novo supercomputador que duplica a cobertura e a rapidez das suas análises – importante não só para conhecermos o tempo antes de sair de casa, mas também para prever mais eficazmente o risco de incêndio, por exemplo.
Antes do Deucalion, Portugal já teve outros supercomputadores, como o Bob, instalado em 2019, em Riba de Ave (Vila Nova de Famalicão), o supercomputador mais potente até esta instalação (ainda assim, dez vezes inferior ao Deucalion), e que cessou o seu funcionamento no início deste ano.
“A rede de computação nacional é agora reforçada dez vezes com este novo supercomputador. Hoje, este é um instrumento que qualquer área de investigação tem para poder, de forma mais rápida, simular e calcular dados”, defende ao PÚBLICO Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, acrescentando que este é um projecto para todas as disciplinas científicas – e não só para quem usa programação. E é também para qualquer investigador em Portugal, dado que não é necessário estar ao lado do Deucalion para o utilizar: o acesso é totalmente remoto.
Anteciparia que, ao longo dos próximos cinco anos, estes custos [operacionais] poderão ser por volta de 13 a 15 milhões de euros
João Nuno Ferreira
Apesar de a inauguração estar marcada, o supercomputador Deucalion ainda não está em pleno funcionamento. Depois das obras no espaço onde está acomodado e da configuração da máquina, ainda há passos por cumprir. Nos próximos dois meses, avançará a última etapa de instalação do supercomputador e, depois disso, seguem-se os testes finais. “Entre o final deste ano e o início do próximo, esperamos ter a máquina em velocidade de cruzeiro a receber as centenas de projectos que estou certo que serão submetidos”, afirma João Nuno Ferreira, coordenador da Unidade de Computação Científica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Atrasos provocados pelas condições do espaço
“A primeira experiência com o Bob foi importante para perceber o potencial que a supercomputação oferecia ao nosso país, quer às universidades, quer às empresas – e a resposta foi interessante. Todos olhamos agora com confiança para o sucesso desta nova máquina”, afiança Rui Vieira de Castro, reitor da Universidade do Minho. As expectativas para o Deucalion são elevadas. “É um salto muito significativo face ao Bob”, nota Francisco Santos, vice-presidente da FCT. “[Este supercomputador] permitirá ter projectos em Portugal de uma dimensão que não era possível antes”, acrescenta João Nuno Ferreira. Desde 2019 que as virtudes do Deucalion são elencadas, mas os atrasos na instalação desta máquina de 26 toneladas, distribuídas por 26 armários com dois metros de altura que estão arrumados numa sala da Universidade do Minho, adiaram a entrada em acção deste supercomputador.
A complexidade da instalação do Deucalion e os requisitos necessários para o acomodar são a justificação para os sucessivos adiamentos da instalação. “Passámos por uma sucessão de locais possíveis que não se revelaram viáveis. Ao fim de vários meses, a conclusão que nos diziam era ‘para um equipamento destes, mais vale construir de raiz’”, conta João Nuno Ferreira. Um supercomputador como o Deucalion exige não só espaço físico, mas também um acesso energético enorme, já que consome muita electricidade, e também um sistema de refrigeração com um caudal de cerca de 50 litros de água por segundo – condições que dificultaram a definição de um espaço. “O local foi o maior factor. Depois de identificado este local, os atrasos que se verificaram foram os expectáveis no contexto do fornecimento de equipamentos especializados neste tipo de instalações”, acrescenta. Apesar do esforço energético, o Deucalion tem maior eficiência do que o Bob, por exemplo: consegue dez vezes mais eficiência, com apenas o triplo do consumo energético, avança João Nuno Ferreira.
“Quando cheguei, tinha um problema para resolver e o que fiz foi arregaçar as mangas, constituir um grupo de trabalho, ter uma reunião com todos e dizer: ‘Temos um computador para instalar e temos de o instalar o mais rapidamente possível’. E foi isso que nós fizemos”, diz Elvira Fortunato.
A Empresa Comum Europeia para a Computação de Alto Desempenho (EuroHPC, no acrónimo em inglês), organização da União Europeia criada para conjugar os esforços nesta área, justificava a demora, ao PÚBLICO, em Outubro de 2022, com os próprios processos de contratação pública. À época, Portugal e Espanha eram os únicos dos oito países a quem foram atribuídos supercomputadores em 2019 que não tinham instalado estas máquinas, de acordo com o EuroHPC – agora, sobram apenas os espanhóis.
Será criado um centro de computação avançada
A gestão do supercomputador será feita através da FCT, mas no próximo ano será criado o Centro Nacional de Computação Avançada, como referiu Francisco Santos. Esta organização nasce com o intuito também de “apoiar os investigadores na utilização do Deucalion e, ao mesmo tempo, fazer crescer o financiamento para esta área da computação avançada”, explica o vice-presidente da FCT. Este centro formalizará a Rede Nacional de Computação Avançada, uma plataforma colaborativa de infra-estruturas e pessoas ligadas a esta área, num organismo capaz de concorrer a financiamento europeu ou de atrair projectos internacionais para se desenvolverem no Deucalion, por exemplo.
O concurso a financiamento e a projectos ajudará também a arcar com as despesas associadas ao Deucalion. O fornecimento do supercomputador, assinado com a Fujitsu em Setembro de 2020, assume uma despesa inicial de 20 milhões de euros, ficando a empresa originária do Japão com a responsabilidade de fornecer a tecnologia que dá vida ao Deucalion. As verbas dividem-se entre dinheiro da FCT e verba europeia (65% da responsabilidade da instituição portuguesa). Além dos 20 milhões de euros de investimento inicial, há custos de operação. “Têm uma componente grande de energia, bem como a formação de uma equipa de oito a nove pessoas especializadas. Anteveria que, ao longo dos próximos cinco anos, estes custos poderão ser por volta de 13 a 15 milhões de euros”, orçamenta João Nuno Ferreira, deixando um asterisco para os custos de energias, sempre “voláteis”.
Estes custos serão pagos com o financiamento adquirido através de projectos, que podem ser científicos ou industriais. A gestão diária da máquina será um encargo da FCT, apesar de Francisco Santos confiar que poderão existir contributos de várias fontes, desde protocolos com instituições de ensino superior para a utilização do supercomputador a projectos de inovação quer industrial, quer da administração pública.
Deucalion disponível para todos os cientistas
Tal como a repartição de custos, a utilização do novo supercomputador também é 65%-35%. Neste caso, 65% do tempo de uso será dedicado aos projectos portugueses ou atraídos pelo futuro Centro Nacional de Computação Avançada, enquanto os restantes 35% serão para usufruto de cientistas europeus que pretendam utilizar o Deucalion – uma divisão que também acontece nos outros países que receberam supercomputadores.
Os cientistas portugueses serão, ainda assim, o destinatário principal deste supercomputador. “Esta infra-estrutura é transversal, todas as áreas disciplinares podem tirar partido de uma infra-estrutura como esta”, diz Francisco Santos. As oportunidades para concorrer à utilização deste equipamento serão feitas através do concurso de projectos de computação avançada da FCT, que nas candidaturas deste ano já incluirá o Deucalion, mas também nos concursos gerais de projectos científicos – algo que não existia. “O investigador pode dizer que vai fazer isto e aquilo, mas que, além disso, precisa de x horas de tempo de cálculo num computador nacional – e esse tempo de cálculo é atribuído juntamente com o financiamento e, assim, não tem de submeter duas candidaturas”, explica.
As competências nesta área por parte dos investigadores são uma das principais preocupações, mas Francisco Santos descarta que seja um problema. “Do ponto de vista técnico, não é necessário que a pessoa seja informática e a dificuldade estará relacionada com o tipo de aplicação que se pretende fazer. Exige alguma capacidade de utilizar recursos computacionais completos, mas não é algo que invalide ou ponha de parte investigadores fora destas áreas”, diz. É também por isso que existem, em várias universidades do país, centros de competências em computação avançada que dão apoio em matérias como esta.
A visão é similar a Miguel Avillez, astrofísico e responsável pelo supercomputador Oblivion, da Universidade de Évora, que utiliza outras máquinas europeias e norte-americanas no seu trabalho. “Haverá sempre uma aprendizagem por parte do utilizador, mas, para quem está habituado a trabalhar com isto, será simples. Para os que não têm os conhecimentos aprofundados, aí poderão existir alguns problemas – mas também aprenderão rapidamente”, sublinha.
“Nunca conseguimos ter o Bob com a potência máxima”
O Deucalion surge como substituto natural do Bob, o supercomputador mais potente que Portugal teve – antes da entrada em funcionamento deste Deucalion. Apesar de participar numa centena de projectos científicos, o Bob, instalado num centro da empresa Redes Energéticas Nacionais (REN) em Riba de Ave, nunca chegou à sua potência máxima.
“O Bob ajudou-nos a aprender e a crescer rapidamente antes da chegada do Deucalion”, explica João Nuno Ferreira, coordenador da Unidade de Computação Científica da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. No entanto, este era um equipamento doado pela Universidade de Austin (Estados Unidos) e cujos requisitos técnicos não se coadunavam com os centros de dados existentes em Portugal. “A potência e a refrigeração necessária esbarraram nessas limitações [dos centros portugueses], o que nos obrigou a nunca o ter forçado ao limite. Nunca conseguimos ter o Bob com a potência máxima”, lamenta.
Em Março deste ano, o supercomputador Bob marcou o fim da sua produção, como anunciou o Centro de Computação Avançada do Minho, ligado à Universidade do Minho. Este supercomputador tinha começado as operações em Portugal em Julho de 2019.
A “substituição” pelo novo supercomputador Deucalion, que será inaugurado esta quarta-feira, marca um aumento da capacidade portuguesa. “Vamos reforçar em muito a rede de computação avançada a nível nacional. Precisamos de sistemas de supercomputação porque temos cada vez mais dados. Mesmo a emergência da inteligência artificial e a digitalização irão necessitar de computadores que consigam tratar um volume maior de dados e, em simultâneo, uma capacidade de processar esses dados mais rapidamente”, nota a ministra da Ciência, Elvira Fortunato.
A contratualização europeia de supercomputadores coincide também com a aposta em microelectrónica, com o investimento na produção de processadores e semicondutores, presentes em grande parte da tecnologia (como computadores e telemóveis), no espaço europeu – para contrariar a dependência externa, de países como a China ou os Estados Unidos. “É importante que a Europa não fique atrás nestas áreas fundamentais. Como tivemos problemas de energia com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, nos semicondutores é igual: se a China cortar [o acesso], o mundo pára”, refere a ministra.
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