Novo contingente permitiu o ingresso em cursos com médias altas, mas as notas de entrada dos estudantes carenciados foram superiores às do contingente geral em quase metade dos cursos.
Sem o novo contingente especial destinado a beneficiários do escalão A da Acção Social Escolar (ASE), não teria entrado nenhum estudante carenciado em 80% dos cursos que tiveram nota de ingresso mais elevada. Ainda assim, a diferença nas médias não é muito significativa na maioria dos casos e os alunos mais pobres até conseguem melhores desempenhos do que os colegas do contingente geral em quase metade das licenciaturas.
Se olharmos para os 30 cursos com as médias mais altas na 1.ª fase do concurso nacional de acesso no ensino superior, cujos resultados foram divulgados no final do mês passado, há 24 em que a nota do último colocado do contingente especial é igual ou inferior à do último colocado pelo regime geral de acesso.
Ou seja, nestes cursos, que correspondem a 80% do top-30 das médias mais elevadas, só garantiram entrada alunos carenciados devido à existência destas vagas prioritárias. Estes alunos têm colocação prioritária desde que cumpram as condições de acesso e as notas mínimas exigidas para cada curso. Os estudantes carenciados disputam entre si os lugares disponíveis – 2% das vagas de cada curso ou um mínimo de duas vagas –, não ocupando as vagas do regime geral de ingresso.
Estes dados foram disponibilizados ao PÚBLICO pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), em resposta a um pedido de informação adicional que permitisse avaliar o impacto da criação do novo contingente especial.
Os alunos carenciados “estão a conseguir furar a barreira das notas mais altas” e foi “precisamente para isso que este contingente foi desenhado”, nota o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira. “É para os fazer entrar onde é mais difícil.”
As distâncias mais significativas entre as notas de entrada verificam-se no curso de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde o último dos alunos carenciados entrou com uma média de 14,4 valores. A média do regime geral fixou-se nos 17,35. Em Biotecnologia Medicinal, no Instituto Politécnico do Porto, o último colocado da 1.ª fase tinha uma nota de 17,45, ao passo que no contingente destinado aos estudantes mais pobres a nota de ingresso se ficou pelos 14,4 valores.
Estas diferenças são, porém, excepcionais, já que na maioria dos cursos, as notas de um e outro contingente são mais aproximadas. Entre os 30 cursos com média mais alta, a diferença entre os dois grupos de estudantes fixou-se, em média, em 0,6 valores.
Casos com notas do contingente especial mais altas
Por exemplo, na licenciatura em Engenharia Aerospacial da Universidade do Minho, que foi o curso com nota de ingresso mais alto na 1.ª fase do concurso de acesso deste ano, o último dos alunos carenciados teve uma média apenas 0,24 valores abaixo da do último colocado do contingente geral (18,86). Já em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto), a diferença foi ainda mais curta (0,1). A média da 1.ª fase foi de 18,68 neste curso.
Há casos até em que a nota do último colocado do contingente especial foi superior à do último colocado do contingente geral. Foi o caso do curso de Engenharia e Gestão Industrial, da Universidade do Porto. Teve a terceira média de acesso mais elevada deste ano (18,55). O menos cotado dos alunos carenciados entrou com uma média de 18,78 valores.
Ao todo, são 271 os cursos (47% do total) em que a nota do último colocado do contingente especial é superior à nota do último colocado do contingente geral, entre os quais estão outros dos que tiveram notas de acesso mais elevadas na 1.ª fase como Línguas e Relações Internacionais, na Universidade do Porto, ou Medicina na Universidade do Minho. Aliás, por este contingente especial entraram em Medicina, em todo o país, 21 alunos.
Na 1.ª fase do concurso nacional de acesso entraram 2831 carenciados nas universidades e politécnicos públicos – num total de 49.438 estudantes. O número foi agora corrigido pelo MCTES face aos dados divulgados no final do mês passado, depois de terem sido “identificados 21 estudantes que não estavam considerados nos dados inicialmente remetidos”, nota o gabinete da ministra Elvira Fortunato, na resposta enviada ao PÚBLICO.
Este resultado significa a duplicação do número de estudantes carenciados a entrar no ensino superior. No ano anterior, no final das três fases do concurso de acesso, só tinham ingressado no superior 1400 alunos beneficiários do 1.º escalão do abono de família – o 1.º escalão do abono e o escalão A da acção social cobrem os mesmos níveis de rendimento. Este ano, apenas na 1.ª fase de ingresso, entraram mais do dobro.
Destes, 1013 foram colocados através do novo contingente especial, ao qual concorreram um total de 1353 estudantes com escalão A da ASE. Estes dados mostram que “ainda há muito trabalho a fazer” para que o acesso ao ensino superior ajude a corrigir desigualdades, defende a presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Maria José Fernandes.
Não há “assim tantos alunos a concorrer” ao novo contingente especial, especialmente nos cursos mais procurados, onde a média de ingresso costuma ser mais elevada, prossegue a mesma responsável. “É como se estes alunos assumissem que não tem lugar nestes cursos.”
Governo admite que há correcções a fazer
O secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira, admite que há correcções a fazer: “É uma coisa nova e a mensagem pode não ter passado”. O acesso à informação é “a questão mais complexa em medidas deste tipo”. Por isso, o novo contingente especial funciona, neste ano e no próximo, em regime de projecto-piloto, que está a ser acompanhado cientificamente no âmbito de um projecto europeu, lembra o governante.
“O número que mais me preocupa é o dos alunos carenciados que se candidataram ao ensino superior e não assinalaram que pretendiam ingressar pelo contingente prioritário”, acrescenta Teixeira. Foram 1478 estudantes. Mais do que aqueles que se candidataram às vagas prioritárias.
Os resultados deste primeiro ano mostram que a iniciativa “precisa de ser aprofundada”, concorda o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, António Fontainhas Fernandes. “Talvez seja preciso melhor a divulgação”, sugere, e também “reflectir” sobre eventuais “incentivos” para levar mais alunos de origens desfavorecidas a prosseguir estudos no ensino superior.
Esse objectivo não é apenas importante para que o ensino superior cumpra o seu papel de “elevador social”, defende Fontainhas Fernandes, mas também para não afastar jovens que “podem vir a ter um papel importante a desempenhar na sociedade”.