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30.3.22

A discriminação “está tão enraizada” em Portugal que por vezes a vítima nem nota: os direitos humanos segundo a Amnistia Internacional

Marta Gonçalves, in Expresso

Relatório global sobre o estado dos direitos humanos no mundo foi lançado esta segunda-feira à noite. Em Portugal “faltam políticas públicas que mitiguem a discriminação”, sendo a pobreza a "maior de todas", alerta o diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal.

A história é simples e recente: uma pessoa de nacionalidade portuguesa e russa candidatava-se a um emprego num banco. A sua candidatura foi posta de parte apenas por ter origem russa, conta Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional (AI) de Portugal. Neste momento, há uma tendência para considerar que todos os que têm ligação à Rússia são "vilões". “Num primeiro momento a pessoa nem se apercebeu que estava a ser discriminada. A discriminação está tão enraizada que as vítimas nem notam”, lamenta.

É precisamente a discriminação que a Amnistia Internacional apresenta como uma das maiores preocupações em Portugal no que respeita a violações de direitos humanos. Esta segunda-feira, a organização não governamental publicou o seu relatório anual, este ano com o título “Líderes políticos e grandes empresas (corporate titans) colocam lucro e poder à frente das pessoas, desrespeitando promessas anteriores de uma recuperação justa da pandemia”.

“Portugal é um país onde há algumas condições de vida e tranquilidade. Portugal e Cabo Verde, por exemplo, não são considerados países prioritários nestas questões e isso é muito injusto porque quem sofre abusos de direitos humanos, seja onde for, sofre-os na sua totalidade”, diz. “Em Portugal tivemos muitas questões, algumas já perduram no tempo e outras que se agravaram com a pandemia. A nota mais negativa são os problemas de discriminação e a pobreza é a maior de todas as formas de discriminação.”

Depois, enumera, há discriminação de género, de migrantes e outras que são muitas vezes cumulativas. “Uma mulher cigana e pobre, por exemplo, tem três camadas de discriminação na sua vida”, descreve Pedro Neto, esclarecendo que este se trata de um fenómeno conhecido como multidiscriminação. “Faltam políticas públicas que mitiguem a discriminação.”

Para o diretor-executivo da AI em Portugal, há que sublinhar de “forma positiva” a inclusão das crianças como vítimas no enquadramento legal dos casos de violência doméstica, que aconteceu no ano passado. “Foi uma mudança impulsionada por uma iniciativa de ativismo da sociedade civil”, vinca. “Ao mesmo tempo, nas questões da desigualdade de género continua a faltar a regularização do conceito de violação e de consentimento. Ainda não estamos iguais ao que está estipulado pela Convenção de Istambul.”

Por outro lado, critica ainda, há a demora dos processos de pedido de proteção internacional para migrantes. “A pobreza entre refugiados e migrantes é muito grave em Portugal, até porque recebemos pessoas que vêm de países que estão em situações muito graves — Venezuela, Síria, Afeganistão, ou Angola. Temos casos de pessoas de Cabinda (Angola) que estão cá há cinco anos e ainda não conseguiram estatuto de refugiado.”

HABITAÇÃO, UM PROBLEMA CADA VEZ MAIOR

Tal como tem acontecido nos anos anteriores, a AI volta a alertar para as dificuldades no acesso à habitação condigna. “É um problema que está a crescer cada vez mais”, refere Pedro Neto. E, também pela questão da discriminação, se torna ainda mais dramático entre pessoas de etnia cigana ou ascendência africana. “O problema agravou-se muito com o crescimento do turismo inicialmente, depois com a pandemia e agora com a especulação imobiliária.”

No final do ano passado, o número de famílias em casas consideradas indignas foi revisto para 38.013 mil (em 2018 estava fixado em cerca de 26 mil). “Com a pandemia tivemos muitas pessoas que deixaram de conseguir pagar rendas e que vão ser despejadas."

Também a questão das prisões é sublinhada no relatório, que critica que a parte punitiva da pena seja ainda aquela à qual se dá mais importância. “A parte da reinserção social continua por acontecer. Há alguns projetos-piloto, mas não são a regra”, nota Pedro Neto.

Um desses exemplos é um estabelecimento prisional feminino em Odemira, onde é permitido a todas as mulheres que cumprem pena terem acesso a uma hora diária de telefonemas (até três números de telefone diferentes). “No caso das reclusas e reclusos que são mães e pais uma medida simples como esta é muito importante, porque o contacto com a família pode ser definidor para a reinserção. É uma medida que não implica grande orçamento, apenas vontade”, acrescenta, reforçando que este investimento na reinserção pode prevenir despesa futura, evitando que os reclusos reincidam.

PAÍSES EXEMPLARES? “ACHO QUE NÃO TEMOS”

Países como Iémen, onde há atualmente conflitos bélicos em curso, são aqueles onde a violação de direitos humanos é maior. “O caso do Iémen parece-nos distante. No entanto, há vários países europeus que vendem armamento à Arábia Saudita e que, por isso, continuam a ser cúmplices desta guerra.”

Ao mesmo tempo, nota ainda Pedro Neto, há conflitos de guerrilha na região da África Austral com “graves consequências” para as pessoas e onde grupos radicais como o Boko Haram e o ISIS permanecem ativos.

“Embora a Venuzuela não esteja em guerra, o país está em estado de sítio. Portugal está a acolher muitos refugiados da Venezuela e esta é uma situação que se arrasta há demasiado tempo”, diz ainda, recordando que países como Myanmar e o Afeganistão também não devem ser esquecidos no que toca a violação de direitos humanos.

Pedro Neto tem, no entanto, dificuldade em encontrar o outro lado da moeda. “Países exemplares nesta matéria? Não sei se temos. Talvez o Butão e mesmo assim não estou certo”, responde. “Este é um discurso que pode ser desanimador, mas há algo muito importante: nenhum destes problemas estão além da esperança e para muitos deles já existem soluções, é preciso aplicá-las.”

27.1.21

“Há famílias sem condições para cumprir recolhimento domiciliário”: Amnistia envia carta a Costa e alerta para grupos vulneráveis

Marta Gonçalves, in Expresso

Na carta enviada ao primeiro-ministro, a Amnistia Internacional Portugal alerta para os grupos mais frágeis, que têm sido particularmente afetados pelos efeitos negativos da pandemia”, como idosos, comunidades ciganas, pessoas em situação de sem-abrigo, mulheres e migrantes. “É expectável que se acentuem ainda mais os impactos negativos”

Famílias sem condições em casa para fazerem o confinamento - piorado pelo frio e o problema da pobreza energética. Às crianças foram limitados os direitos à educação e à saúde, junto dos mais velhos foram expostas as debilidades dos lares. “Muitas pessoas que estão “esquecidas” em hospitais, sem terem casa ou apoio familiar.” Os salários das mulheres foram os mais penalizados enquanto os trabalhadores migrantes ficaram "sem meios de subsistência ou na mendicidade”. Todos estes exemplos são consequências da pandemia e fazem parte do alerta deixado pela Amnistia Internacional Portugal numa carta enviada esta terça-feira ao primeiro-ministro.

“Sem surpresas, temos constatado que os grupos mais vulneráveis, como idosos, comunidades ciganas, pessoas em situação de sem-abrigo, mulheres e migrantes, têm sido particularmente afetados pelos efeitos negativos da pandemia. Neste momento, em que vivemos uma nova fase de confinamento, é expectável que se acentuem ainda mais”, diz Maria Lapa, diretora de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional Portugal, numa nota divulgada pela organização.

Na carta agora enviada pela Amnistia é pedido ao Governo que reforce a responsabilização pelos direitos humanos, bem como a monitorização na resposta à covid-19, lembrando que em abril do ano passado recomendou a criação de um Comité de Monitorização de Direitos Humanos com vários representantes das comunidades mais vulneráveis a violações de direitos humanos, “podendo incluir representantes das comissões nacionais de direitos humanos, associações que representam minorias étnicas, organizações da sociedade civil e académicos”.

Até agora, não chegou qualquer resposta por parte do Governo. Em dezembro foi apresentada a mesma proposta à Comissão Nacional de Direitos Humanos. Foi rejeitada.

“O Comité ficaria encarregue de providenciar uma resposta célere e aconselhamento imediato às várias autoridades em relação ao impacto a nível de direitos humanos das decisões em curso, assim como de fazer recomendações sempre que seja necessário agir em áreas onde existam preocupações de direitos humanos ligadas à covid-19”, explica Maria Lapa. “Através da divulgação regular de informações, ajudaria a garantir a todas as pessoas em Portugal que os direitos humanos estão, de facto, no centro da resposta do Governo a esta crise.”

A Amnistia deixa, por fim, um alerta: a vacinação da população não vai ser uma solução mágica”. “Os efeitos da pandemia nos direitos humanos continuarão a existir muito depois de a última pessoa ser vacinada”.