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2.6.23

O que faz a violência às crianças

Rute Agulhas, opinião in DN


Comemorou-se mais um Dia Mundial da Criança. Um dia em que todos devemos parar para pensar sobre o que vivem e como vivem as crianças, em Portugal e no mundo. Os dados disponíveis permitem-nos afirmar que as crianças e, em particular, as meninas, continuam a ser especialmente vulneráveis e a sofrer diversos tipos de violência, muitas vezes de uma forma cumulativa e, acima de tudo, no contexto familiar. Aquele que deveria ser o lugar mais seguro do mundo revela-se, afinal de contas, o lugar mais perigoso do mundo.

Crescer em e com violência (seja psicológica, física, sexual ou outra) destrói a sensação de segurança e de previsibilidade das crianças. Confrontadas com uma realidade que não compreendem e não controlam, e desprovidas de estratégias que lhes permitam lidar eficazmente com a situação, acabam por interiorizar a ideia de que são frágeis e vulneráveis, que não prestam e não têm valor. Acreditam que não são amadas e, pior, que não são merecedoras de qualquer afeto.

Em paralelo, as crianças vítimas de violência aprendem a olhar para o mundo como especialmente perigoso e ameaçador. Tornam-se hipervigilantes e procuram constantemente antecipar os perigos, numa clara estratégia de sobrevivência.

Relativamente ao futuro, revelam muitas vezes desesperança, um dos maiores preditores do suicídio. "É como se o futuro não fosse mais do que isto mesmo, um prolongamento do sofrimento...", dizia-me há dias uma jovem vítima de violência.

Por outro lado, crescer em e com violência permite ainda interiorizar a ideia de que esta pode efetivamente ser uma boa estratégia de resolução de problemas. E, não raras vezes, as crianças vítimas de violência são elas mesmo agressivas para com os outros, em casa, na escola ou noutros contextos.

Em mais um dia de comemoração dos direitos das crianças importa sublinhar que estes estão ainda muito longe de serem totalmente garantidos e respeitados. Não apenas os direitos de proteção (como ter uma família que proteja e assegure os bons tratos), de desenvolvimento (como o direito a brincar) e de sobrevivência (como ter o direito à educação e à saúde), mas também os direitos de participação (ter o direito a expressar o que pensa e sente e a ter a sua opinião tida em conta).

Como dizia recentemente o Dr. Laborinho Lúcio, é de pequenino que se torce o destino. Que é como quem diz, é muito daquilo que acontece na infância que influencia a trajetória de vida e a forma como estas crianças serão, um dia, adultos.

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

1.6.18

“A pobreza está na base de uma grande percentagem" das retiradas de crianças às famílias

Ana Dias Cordeiro, Público on-line

Advogada Paula Penha Gonçalves defende uma fiscalização do trabalho feito pela Segurança Social. "O que não é fiscalizado ou fiscalizável é sempre perigoso", diz.

Paula Penha Gonçalves foi uma das advogadas de Liliana Melo, a mãe a quem o Estado português retirou sete filhos tendo sido, por isso, condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2016. O tribunal considerou que a colocação das crianças em instituições “não foi apropriada” perante “a ausência de condutas violentas [na família], a existência de fortes laços afectivos e o falhanço dos serviços sociais em mitigar a privação material vivida” pela mãe destas crianças.

Paula Penha Gonçalves, advogada que trabalha com frequência nas áreas do direito das crianças e da família, acredita que "as motivações para a retirada das crianças são por vezes erradas”. Por exemplo: quando as carências económicas se confundem com negligência e as medidas de apoio aos pais previstas na lei são insuficientes para evitar uma retirada da família. Essa é a solução mais fácil para as autoridades, diz. “Retira-se e a criança vai para uma instituição, e ponto final.” É a sua percepção.

Decidir o que é melhor para proteger uma criança em perigo é por vezes objecto de críticas: não retirar pode deixar a criança em perigo e retirar pode não ser a solução certa. Quais os problemas que se colocam nestas situações?
A minha participação em actividades mais solidárias deu-me um conhecimento um bocadinho diferente da perspectiva que eu tinha, que era apenas da barra do tribunal. Apercebo-me que as motivações para a retirada das crianças por vezes serão erradas.

Porquê?
Cada caso é um caso, mas parece-me que a retirada é a decisão mais fácil para as autoridades judiciárias e não judiciárias. É mais fácil ir buscar uma criança e pô-la numa instituição do que estruturar as coisas de forma a que essa criança tenha outro apoio e possa ficar na sua família, com os pais ou com uma tia, uma avó, uma irmã. Não é sempre [o caso], mas parece-me que, por vezes, as crianças são retiradas por essa ser a decisão mais fácil. Daria mais trabalho ajudar com um apoio estruturado, um apoio consequente. Retira-se e a criança vai para uma instituição, ponto final. Depois logo se vê o que se faz à criança.

As medidas de apoio às famílias, decididas pelas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) ou pelos tribunais, estão a falhar?
De um ponto de vista legal, o sistema português é razoável. As leis são boas, são relativamente avançadas até comparativamente a outros países europeus. Porém, daquilo que eu conheço, na prática, o que se verifica é uma grande desorganização. A vertente fiscalizadora da Segurança Social é grande, embora também seja desestruturada. As visitas [às famílias] são muito pontuais: com uma visita de seis em seis meses ou um ano, dificilmente se consegue apreender a realidade de uma família. No caso da Liliana Melo, fez-me impressão, por exemplo, o facto de não haver esquentador ser um indício de negligência, e depois um fundamento para a retirada. Não havendo outras questões, na altura, fazia muito mais sentido comprar um esquentador e permitir que as crianças estivessem com a mãe em vez de as retirar. Sai muito mais caro ao Estado retirar as crianças para as institucionalizar. Esse dinheiro podia ser aplicado de outra forma.

Existem outros casos semelhantes a este?
Haverá muitos mais. Claro que tenho conhecimento de retiradas que são feitas como uma forma radical e rápida de resolver um problema que teria eventualmente outras soluções melhores para a criança.

Número de crianças retiradas de urgência às famílias caiu para metade
No entanto, as comissões de protecção dizem que se regem pela regra de que a retirada é o último de todos os recursos...
Do ponto de vista da legislação, a retirada é a última medida prevista na lei. Mas é tudo muito relativo. Neste caso [de Liliana Melo], que eu conheço melhor, aquilo que me chocou desde logo foi a inexistência de maus-tratos, a inexistência de violência quer física, quer psicológica, e a grande pobreza que ali havia. Nesse caso, como noutros de que tenho conhecimento, partiu-se dessa situação para uma institucionalização para confiança para adopção. Dizer que é a última medida é muito relativo.

A pobreza continua a ser um motivo para retirada?
Eu acho que sim. A pobreza está na base de uma grande percentagem das medidas de retirada para adopção. Aqui era preciso uma grande reflexão, uma grande estruturação. Ninguém me diz que uma criança com meios financeiros é mais feliz que uma criança que vive numa situação de pobreza – apoiada, provavelmente poderá fazer o seu caminho e ser tão feliz como uma criança que tem meios financeiros.
Podem existir aqui situações ilegais propositadas para que as instituições de acolhimento beneficiem dos subsídios?
Já ouvi várias vezes essa suspeita mas não me vou pronunciar sobre isso porque não tenho provas nenhumas de que isso seja verdade ou mentira. É uma coisa que devia ser esclarecida de uma vez por todas para as pessoas ficarem esclarecidas acerca dessa suspeita. Devia arranjar-se uma maneira de fiscalizar o trabalho feito pela Segurança Social. Devia haver protocolos e códigos de conduta, bem pensados e elaborados, para os técnicos da Segurança Social e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Quer dizer que não se confia no trabalho feito?
Não quer dizer que não se confie. Acho é que o que não é fiscalizado ou fiscalizável é sempre perigoso. Tudo aquilo que é feito sem regras pode ser mau. Por isso devia haver fiscalização de todas as entidades que intervêm neste tipo de processos.

1.6.16

A alegria (ou não) dos primeiros anos de vida

Rita Pimenta, Manuel Roberto, Nelson Garrido, Daniel Rocha, Enric Vives-Rubio, Adriano Miranda, Nuno Ferreira Santos, Paulo Pimenta, Rui Gaudêncio e Sérgio Azenha, in Público on-line

Os fotógrafos do PÚBLICO fizeram uma selecção de imagens e Rita Pimenta escreveu um texto sobre ser criança.

Descoberta, espanto, alegria, brincadeira são palavras que nos remetem para a infância. Choro, injustiça, crueldade, também. Tendemos a idealizar os primeiros anos de vida, os nossos e os dos outros. Mas nem toda a gente o faz: “Saudades da infância, eu?”, escutou-se a um homem com cerca de 80 anos, num grupo de amigos a rondar a mesma idade. “Andava descalço, percorria uma data de quilómetros para ir trabalhar e ainda levava pancada só por dizer que queria ir à escola. Não, não tenho saudades nenhumas daquele tempo.”

Também a escritora e jornalista Alice Vieira nos disse numa entrevista: “Só gosto da minha vida a partir dos 20 e tal anos.” Na altura, revelava ainda a sua antipatia pela expressão “a criança que há em nós”. Com humor, brincou: “Criança? Qual criança? As crianças que tive em mim foram os meus filhos. Mas isso foi porque estava grávida.”

Nesta quarta-feira, 1 de Junho, assinala-se o Dia Mundial da Criança, comemorado a primeira vez em 1950 por proposta da Federação Democrática Internacional das Mulheres às Nações Unidas. A partir de então os Estados-membros da ONU reconheceram às crianças, independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social, o direito a “afecto, amor e compreensão”, “alimentação adequada”, “cuidados médicos”, “educação gratuita”, “protecção contra todas as formas de exploração”, “crescer num clima de paz e fraternidade universais”.

A 20 de Novembro de 1959, vários países aprovaram a Declaração dos Direitos da Criança e, 30 anos depois, em 1989, as Nações Unidas assinaram a Convenção sobre os Direitos da Criança. Mas, apesar de se ter tornado lei internacional em 1990, é sabido como essas directivas não são cumpridas em muitas regiões e nem os mais elementares princípios são sequer respeitados em muitas famílias, mesmo em países ditos “civilizados”.

Mas hoje é dia de festa e também não nos queremos esquecer disso. Há muitas actividades pelo país e pelo mundo, a celebrar aquele que devia ser o primeiro dos mais felizes períodos das nossas vidas. Um estádio inicial em que, como dizia recentemente Rita Taborda Duarte, no encontro Livros a Oeste, “quando nos falam nas pernas de uma mesa, acreditamos que elas são pernas de verdade e podem desatar a correr”. Talvez por isso os poetas sejam os adultos mais parecidos com as crianças.

Só nesta fase se diz, com naturalidade, à chegada da noite: “Alguém apagou o céu.” Ou se questiona sem hesitação: “Será que, quando parti a cabeça, parti o pensamento?” Na infância, corremos, saltamos à corda, nadamos, andamos de baloiço e de bicicleta unicamente por prazer. Não para “trabalhar” os glúteos ou os abdominais.

Diz o dicionário que uma “criança” é “um menino ou uma menina no período da infância”. Por sua vez, “infância” corresponde ao “período de vida humana desde o nascimento até à puberdade”, que, por sua vez também, quer dizer “idade em que o indivíduo adquire maturidade sexual e se torna apto para a procriação”.

Abreviando, é-se criança desde o nascimento até ao momento em que se fica apto para a procriação. Termina o recreio, mas pode muito bem começar outra festa.

Se tem crianças por perto, há um presente especial que lhes pode dar: atenção. E não é só hoje.