26.3.07

Liberdade e solidariedade

José Manuel Durão Barroso, in Jornal Público

Há 50 anos iniciou-se um novo capítulo da história da Europa. A celebração do 50º aniversário dos Tratados de Roma constitui uma boa oportunidade para revisitar os sucessos do passado e para identificar os desafios do futuro. Neste sentido, o ano de 2007 é o momento propício para actualizar o nosso projecto comum, mais necessário do que nunca, na era da globalização.

Poderia aproveitar a data de hoje para apresentar os objectivos de uma política europeia de energia e protecção climática. Poderia explicar o modo como o mercado único promove o crescimento económico e a justiça social. Poderia ainda justificar a necessidade de construir uma União Europeia forte e eficiente, capaz de promover, externamente, os valores e os interesses europeus. Quero concentrar-me, no entanto, nos dois valores que, na minha opinião, mais do que qualquer outra coisa, definem a União Europeia e a sua história: a liberdade e a solidariedade. Não tenho dúvida nenhuma de que, ao longo destes 50 anos, a UE tem sido uma força de liberdade e de solidariedade. Permitam-me que exemplifique com dois momentos fundamentais e aquilo que perante eles senti.

O primeiro foi a Revolução portuguesa de 1974. Tinha eu então apenas 18 anos. Tal como a maior parte dos jovens em Portugal, queria libertar-me da ditadura que nos impedia de ter aquilo de que outros europeus já beneficiavam. Não podíamos ler os livros ou escrever os artigos que queríamos. A actividade política era controlada pelas forças de segurança. Vivíamos numa sociedade atrasada e fechada. A revolução criou as condições para mudar tudo isto. E, para a liberdade triunfar no nosso país, foi decisiva a solidariedade das democracias ocidentais e a perspectiva de nos tornarmos membros da família europeia.

A segunda experiência foi a mudança que varreu toda a Europa Central e Oriental nas décadas de 80 e 90. Após o exemplo de Budapeste em 1956 e de Praga em 1968, a luta pela democracia pluralista iniciou-se na Polónia e culminou com a queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro em 1989. Uma vez mais, o objectivo foi a liberdade e a Europa a fonte de inspiração. E uma vez mais a solidariedade política se revelou indispensável.Com estas experiências, compreendi que a Europa significa liberdade e solidariedade, não apenas para alguns, mas para todos os europeus. O que os seis Estados-membros fundadores iniciaram nos anos de 1950 alargou-se durante as últimas cinco décadas para norte e para sul, para oeste e para leste do nosso continente.

Orgulho-me de ser o presidente da Comissão Europeia, quando completámos o grande alargamento de 2004-2007. Demonstrámos de novo que a perspectiva da integração europeia incentiva e consolida a liberdade através da solidariedade. Hoje, nesta Europa grande e aberta, os cidadãos têm liberdade de pensamento e de expressão e vivem e trabalham onde querem. Além disso, de um modo extraordinário, a emergência de um espírito europeu coexiste com as identidades nacionais, regionais e locais. A integração europeia não eliminou a diversidade da Europa; pelo contrário, reforçou-a. Ao criarmos uma ordem jurídica, política e económica comum, podemos viver as nossas diferenças de um modo pacífico e como uma fonte de enriquecimento mútuo.

Durante séculos, os Estados europeus declararam e fizeram guerra uns aos outros. Agora vivemos em paz. Não uma paz de equilíbrio precário de poderes e ameaças. Mas uma paz em liberdade e solidariedade. Trata-se de uma experiência única na história europeia, e as nossas gerações têm o privilégio de viver as aspirações dos nossos antepassados. Não devemos, contudo, considerar a paz em liberdade e em solidariedade como garantida. Se queremos que as futuras gerações também dela usufruam, deve ser preservada com grande cuidado, empenho e responsabilidade. É com este espírito que os chefes de Estado e de governo dos Estados-membros, o presidente do Parlamento Europeu e eu próprio, como presidente da Comissão, nos reunimos hoje, exactamente 50 anos depois da assinatura dos Tratados de Roma.

Assinamos a Declaração de Berlim, não como um acto de nostalgia, mas como um acto de compromisso, para preservar e promover a Europa como o melhor sítio do mundo para viver, com uma sociedade e uma economia abertas, assente na coesão económica e social e em instituições democráticas, eficazes e transparentes. Poderemos assim aprofundar a Europa de resultados, promover os nossos valores e interesses e assumir as nossas responsabilidades no mundo. Fá-lo-emos para continuar a dar à Europa em paz a sua função mais nobre: garantir a liberdade e a solidariedade para os europeus.

*Presidente da Comissão Europeia