24.3.07

União Europeia comemora desunida os 50 anos de vida

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

A Constituição Europeia, o euro, o alargamento. A Declaração de Berlim contorna todos os pomos de discórdia entre Estados-membros

a As dúvidas e hesitações dos países da União Europeia (UE) sobre o seu desígnio comum estão em risco de ensombrar amanhã as comemorações dos 50 anos do seu acto fundador, a assinatura do Tratado de Roma a 25 de Março de 1957.

Os festejos juntarão a partir de hoje à noite, em Berlim, os chefes de Estado ou de governo dos Vinte e Sete que proclamarão amanhã, numa declaração solene, o orgulho pelo caminho percorrido e a determinação para enfrentarem juntos os desafios do futuro. A ideia da declaração partiu de Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha e presidente em exercício da UE, para unir 27 países com diferentes visões da integração europeia numa espécie de acto refundador da Europa. Isto, sobretudo na esperança de criar um clima favorável ao relançamento da Constituição Europeia, que já foi ratificada por 18 países, mas permanece no limbo desde que foi rejeitada por franceses e holandeses em 2005.

O texto de três páginas - na versão portuguesa - foi escrito, segundo a presidência alemã, em linguagem literária e acessível aos cidadãos em nome dos quais, aliás, foi concebida. Os seus termos retomam a expressão altamente simbólica de abertura da Constituição americana - "we, the people" - embora adaptada à realidade europeia. A versão portuguesa dirá: "Nós, cidadãs e cidadãos da União Europeia, estamos unidos para o nosso bem". A Declaração de Berlim pode ser assim encarada como o primeiro passo da estratégia de Merkel, que espera poder apresentar aos seus pares, na cimeira europeia de Junho, uma espécie de "roteiro" com um método e um calendário para a retoma das negociações sobre a Constituição. Merkel pretende, aliás, discutir as suas ideias durante o almoço de trabalho de amanhã dos líderes.

A sua aposta parece, no entanto, algo comprometida devido à oposição firme de países como a Polónia, República Checa, Reino Unido, Suécia ou Holanda, que pretendem alterar drasticamente o conteúdo da Constituição, ou pura e simplesmente esquecê-la.As dificuldades que a presidência enfrenta ficaram bem claras ao longo da redacção da Declaração de Berlim, conduzida directamente por Merkel em contactos bilaterais e secretos com cada um dos seus homólogos. Vários diplomatas europeus reconhecem em privado que nem todos os países estão totalmente satisfeitos com o texto, embora não ao ponto de se oporem à sua proclamação.

A presidência alemã procurou contornar estas dificuldades ao decidir que a declaração não será assinada por cada um dos Vinte e Sete, mas apenas pelos presidentes das três instituições comunitárias - Angela Merkel em nome do Conselho Europeu, Durão Barroso pela Comissão Europeia e Hans-Gert Poettering, do Parlamento Europeu.

"Só os textos jurídicos, como os tratados, são assinados pela totalidade dos Estados-membros", justificou a presidência, o que é factualmente correcto, mas politicamente frágil à luz das divergências internas.Esta situação ficou patente com as "reservas" ontem expressas por Vaclav Klaus, o presidente assumidamente eurocéptico da República Checa, pelo facto de a declaração não ter nascido "como um verdadeiro produto comum dos Vinte e Sete". "É por isso", afirmou em comunicado, "que não será assinada pelos chefes de Estado ou de governo".

O ponto mais contencioso foi saber se a declaração de Berlim deveria ou não reiterar o objectivo fixado pelos líderes, em Junho de 2006, de resolver o problema até às eleições europeias de 2009.

Como a sua existência não é consensual, e a sua designação ainda menos, a palavra Constituição não aparece no texto. Mesmo a fórmula mais neutra de "reforma institucional" tentada pela presidência esbarrou contra a oposição dos adverários de qualquer tratado. Desta forma, o texto refere apenas "o objectivo de, até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009, dotar a União Europeia de uma base comum e renovada". A República Checa, desta vez pela voz do seu primeiro-ministro, Mirek Topolanek, deixou esta semana clara a sua recusa de qualquer data, embora tenha ontem dado sinais de não chegar ao ponto de se opor ao texto depois de ter recebido, em conjunto com o presidente, um telefonema de Angela Merkel.

Para Topolanek, no entanto, o facto de a declaração só ser assinada pelos presidentes das instituições europeias, significa que "a presidência assume a plena responsabilidade pelo texto da declaração, cabendo aos Estados-membros decidir como a interpretar". Os termos algo rebuscados da declaração traduzem inúmeras outras dificuldades encontradas pela presidência. A ideia de que a UE deverá continuar a admitir novos membros, defendida por britânicos ou suecos, impediu a palavra "alargamento" de figurar no texto, devido à dificuldade de a conciliar com o "aprofundamento" da integração pretendido pelos mais europeístas. Uma ambiguidade que ficou traduzida na afirmação de que "a União Europeia continuará a viver da sua abertura e da vontade dos membros que a integram para, simultaneamente e em conjunto, consolidarem o desenvolvimento interno da União". A recusa inglesa de qualquer referência elogiosa à moeda única enquanto grande sucesso da integração ficou igualmente bem patente numa fórmula neutra em que os europeus garantem que "o mercado interno e o euro dão-nos força".