30.11.09

Empresas com dívidas ao Fisco podem receber apoios do Estado

Alexandra Figueira e Paulo Ferreira, in Jornal de Notícias

Em tempo de crise, os sectores em maiores dificuldades devem negociar aumentos salariais mais baixos para preservar o emprego; e os outros devem ter a noção de que a mobilização de todos, incluindo os trabalhadores, é básica para o aumento da competitividade, diz Vieira da Silva, um mês depois de ter trocado o Ministério do Trabalho pelo da Economia.

Os apoios às empresas vão continuar em 2010, mas com uma lógica diferente: menos dinheiro para medidas "defensivas", como a manutenção do emprego, e mais para ajudar às exportações. E o leque das empresas elegíveis será alargado, incluindo quem tem dívidas ao Estado e aceite renegociá-las.

As empresas queriam adiar o "seu" Código Contributivo. Agora que está na Economia, deu-lhe jeito que a Oposição tenha assumido o ónus de o adiar?

Não me dá jeito nenhum... Tem havido uma informação desfocada. A "conjugação de esforços" - expressão de um líder da Oposição - significa que há milhares de pessoas que teriam cobertura na doença e uma larguíssima componente de trabalhadores por conta própria que veriam baixar a contribuição para a Segurança Social e já não o vão ter.

As empresas reclamam estar afogadas em contribuições ao Estado. Concorda?

Basta comparar as estatísticas internacionais: a carga fiscal sobre a economia portuguesa não é superior...

Falta saber se os serviços que o Estado presta estão ao nível...

Uns estarão pior, outros melhor. Portugal foi considerado o primeiro país da União Europeia em qualidade e quantidade de serviços online aos utilizadores. Mas sou sensível ao facto de, numa situação de crise, todos os custos serem relevantes. É por isso que o Governo desencadeou apoios às empresas. A generalidade das medidas tiveram, e têm, uma execução alargada. Mais de 40 mil empresas tiveram acesso às linhas de crédito.

As empresas apoiadas não podem ter dívidas ao Estado. A regra pode vir a ser quebrada?

Estamos a trabalhar nesse sentido. Não deve ser uma regra sem limites, [mas vista] caso a caso, com normas específicas. Hoje é possível ter acesso a apoios sem situações regularizadas, desde que com um plano de regularização prévio. Agora, podem ser coincidentes no tempo. Manifestei a vontade de que dificuldades conjunturais com o Fisco e a Segurança Social não as afastem liminarmente dos apoios de crédito. Também poderá ser aplicado a outros apoios.

Estará pronto para Janeiro?

Suponho que sim.

Alguma outra medida do pacote anticrise será reformulada?

Haverá uma continuação do apoio. É o momento de não acabar com ele, mas reavaliá-lo, no sentido de o adequar melhor à situação actual, (...) em que o peso das medidas defensivas é direccionado para uma atitude mais ofensiva, para que [as empresas] estejam bem sustentadas para a saída da crise e para aproveitar as oportunidades de mercado que a recuperação sempre traz.

De que medidas defensivas fala?

Admito que algumas não necessitem de tanto esforço, como as destinadas à manutenção de postos de trabalho. Nalguns sectores [o Qualificação-Emprego] já tem uma utilização menor do que no início. Mas ainda estamos num momento de grande incerteza.

Vão começar as negociações para aumentos salariais. Deve haver contenção salarial ou não?

A determinação dos aumentos salariais é sempre um aspecto complexo. Numa situação tão exigente como a nossa, ainda mais. Temos de procurar um equilíbrio. Os valores podem e devem ser diferenciados, sector a sector.

Mas apoia a contenção salarial?

Bom senso. A recuperação de uma economia faz-se pelo acréscimo de competitividade, que se mede de várias formas e onde não é indiferente a capacidade de mobilizar todas as forças que fazem parte de uma empresa. Há muitos planos em que as negociações podem ser feitas. Pode ser 1% se...; pode ser 1,5% se... Aconselharia a explorar esses caminhos, a combinação de várias dimensões, por forma a que tenhamos crescimentos mais elevados dos salários, que me parece positivo para a recuperação da confiança dos consumidores, das famílias e da economia; e, noutros sectores onde as dificuldades são mais pesadas, se tenha em consideração a necessidade de manter o emprego.

Quer sair da crise pelas exportações?

O comércio externo representa um dos mais poderosos estímulos à recuperação da economia. Quando acontecer, arrastará um acréscimo de investimento, de confiança e consumo interno. [Temos de] alargar a base exportadora e os mercados.

A aposta em Espanha foi falhada?

Não, como pode dizer isso? A Espanha atravessou um período longo de crescimento intenso, mal seria se Portugal não o tivesse aproveitado. Trata-se é de perceber (e é uma lição que a crise nos dá) que é vantajoso para uma pequena economia aberta, que se quer mais exportadora, uma maior diversificação dos mercados. E ter em atenção os que crescem com mais rapidez: África, em particular Angola; América Latina, em particular Brasil; áreas da Ásia com mercados pujantes e de grande dimensão, onde a nossa escala pode encontrar uma pequena variação que pode ter um impacto muito significativo.

A Goldman Sachs diz que Portugal é o país europeu mais exposto à concorrência dos países emergentes. O nosso perfil produtivo não está a aumentar em valor?

É uma afirmação arriscada, que não estejamos a subir na cadeia de valor.

Ainda se faz a T-shirt branca em vez das máquinas que permitem produzir essa T-shirt?

Já não fazemos a T-shirt branca. Ainda existindo segmentos dessas indústrias, existem outros, muito à frente na cadeia da valor. A indústria de calçado não tem nada a ver com a que havia há 20 anos.

O têxtil continua muito dependente da subcontratação...

Mas tem vindo a fazer um caminho de progressão na tal cadeia de valor: trabalhar mais com marcas próprias ou com marcas alheias mas mais valor acrescentado, com ciclos de vida mais curtos, uma ligação mais importante ao sector da moda. O que não quer dizer que não existam esses problemas. Estamos a evoluir, mas com menor rapidez do que desejaríamos.

A evolução cria um perigo sério ao emprego. Muito do que desaparece, não regressa. Não teme um engrossar do desemprego estrutural?

Não há nenhum processo de modernização económica que não acarrete esse risco. Como podemos dar uma resposta? Não paralisando, não fechando as fronteiras, não regressando ao passado (desse ponto de vista, o passado é um lugar que já não existe). Os países bem sucedidos têm criado mais riqueza através desse segmento mais avançado e, com isso, expandido o mercado interno, fortemente criador de emprego. É hoje claro que, antes da crise, boa parte dos sectores económicos estavam numa trajectória clara de afirmação, até nos mercados externos. Até o sector têxtil. As exportações estavam a crescer, a balança tecnológica passou a ser positiva, havia um conjunto de investimentos a desenvolver-se. Toda essa realidade, que já se estava a reflectir no emprego, foi fortemente atingida pela quebra da procura mundial e de confiança.