20.11.09

"Há muita pobreza envergonhada no distrito de Beja"

in Correio deo Alentejo

A crise e o aumento do desemprego no distrito de Beja tem levado a que, nos últimos meses, mais famílias tenham pedido apoio à Cáritas Diocesana de Beja, garante a presidente da instituição, Teresa Chaves, em entrevista ao “CA”.

Com o desemprego a aumentar na região, têm aumentado os pedidos de apoio à Cáritas?
Temos vindo a sentir esse aumento através das pessoas que recorrem à Cáritas solicitando apoio a nível de alimentos ou a pedir ajuda para pagarem a renda de casa, a água e luz. Nomeadamente de casais jovens, que tinham emprego e compromissos assumidos que agora não podem cumprir. E já não é uma coisa só deste ano. Posso dizer que em relação ao Banco Alimentar vieram mais 134 famílias pedir auxílio à Cáritas.

Em 2009?
Sim, este ano! Estamos também a distribuir os géneros alimentares que vêm do programa comunitário de apoio alimentar aos carenciados, além das outras nossas respostas sociais, nomeadamente o refeitório social, que tem vindo a aumentar [o número de refeições servidas]. O refeitório social é uma resposta que pretende ser temporária e tentamos sempre encontrar uma solução para essas pessoas que usufruem dessa nossa resposta. Até porque temos um protocolo com a Segurança Social (SS) para 20 utentes e os pedidos são sempre superiores. Temos vindo a tentar colmatar essas carências com outras respostas, nomeadamente a distribuição de alimentos.

Quantas pessoas frequentam o refeitório social por dia?
Temos 66 pessoas nas quatro refeições.

Mais que o número que está acordado com a SS…
Supera em muito! Muitas dessas pessoas vêm buscar as refeições à Cáritas e levam-nas para casa, porque têm crianças e casas para tomarem essas refeições. E temos outras pessoas que não têm habitação e tomam as suas refeições no nosso refeitório.

Que tipo de situação predomina?
O de levar comida para casa. Aqui, temos entre 15 a 20 pessoas a tomarem as refeições. E muita delas tomam banho e usufruem do tratamento de roupa. Sobretudo pessoas sem-abrigo, passantes ou pessoas com problemas do foro psiquiátrico. Estas últimas são as mais complicadas de arranjar soluções. Faltam imensos recursos a esse nível e um dos grandes problemas do nosso distrito é a falta de recursos para dar apoio às famílias com membros com problemas do foro psiquiátrico.

Entre os novos pedidos de apoio encontram-se muitas famílias em dificuldades pela primeira vez?
Muitas delas sim. Muitas delas são pessoas que anteriormente tinham os seus empregos, que conseguiam cumprir com os seus compromissos e que se vêm confrontados com a falta de recursos para fazerem face a essas despesas. E muitas delas não podem usufruir dos apoios sociais que o Estado lhe dá.

Há muita pobreza “envergonhada” no distrito?
Certamente que há muita pobreza envergonhada! E mesmo assim recorrem poucas pessoas à Cáritas. Não poderíamos dar resposta a todas, mas temos vindo a sentir um aumento de situações dessas. Por vezes são sinalizadas por vizinhos ou por pessoas da paróquia. Por vezes até pelo hospital, em que os médicos se apercebem que aquela pessoa está a passar fome. Pessoas idosas, muitas vezes.

No total, quantas pessoas apoia actualmente a Cáritas de Beja?
Normalmente, só apuramos o número total mais no fim do ano. Mas no ano passado apoiámos perto de 5.000 pessoas nas diversas respostas sociais que prestamos.

Nestes momentos de crise, é imprescindível um Estado mais social?
È fundamental! Porque compete ao Estado garantir os direitos das pessoas. E as pessoas têm direito a poder viver com um mínimo de dignidade e a poderem dar dignidade aos seus filhos. De forma a que na próxima geração não encontremos pessoas sem competências para se inserirem na sociedade. Nesta fase de crise, todos nós somos chamados a intervir, porque não cabe só ao Estado a responsabilidade do bem comum. Mas obviamente que o Estado é o garante dos direitos dos cidadãos. E nesse sentido, penso ser muito importante que o Estado tenha uma maior atenção no apoio a estas pessoas em situação de carência.

Estamos quase no Natal, período em que se fala muito de solidariedade. Não é uma palavra que as pessoas tornam vã no resto do ano?
Nesta altura as pessoas ficam mais sensibilizadas, porque existem campanhas mais emotivas. Mas é bom que, ao menos, uma vez por ano as pessoas tenham essa disponibilidade. Temos outras pessoas que ao longo do ano são solidárias e estão mais despertas para essas situações. Muitas vezes são pessoas que já passaram também por situações mais complicadas e têm maior sensibilidade para ajudar os outros. A solidariedade parte muitas vezes daqueles que menos têm.

A crise não tornou as pessoas mais solidárias?
O povo português, em princípio, é bastante solidário. Mas cada um anda na sua correria para ir para o trabalho e com os seus problemas, que se não houver uma campanha ou uma acção de sensibilização nem sempre tomam a iniciativa de um gesto solidário.

Poucos recursos humanos e financeiros

Que retrato se pode fazer actualmente da Cáritas Diocesana de Beja?
Temos 33 pessoas assalariadas e cerca de 18 voluntários a trabalhar a tempo parcial. E temos diversas respostas sociais: uma comunidade terapêutica de tratamento de toxicodependentes em Nossa Senhora das Neves; o refeitório social para sem-abrigo, passantes ou pessoas sem rendimentos; fazemos a distribuição dos géneros alimentares que provêm da Comunidade Europeia e do Banco Alimentar; prestamos atendimento social a pessoas com algum tipo de problemas que necessitem de resolução ou de serem encaminhadas para outras instituições; temos um gabinete de apoio ao emigrante, fruto de um protocolo com o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural; temos um protocolo com a SS para o acompanhamento de 100 famílias que estão a receber o Rendimento Social de Inserção; e um banco de voluntariado, também fruto de um acordo com a SS.

Quais são as vossas principais dificuldades?
Temos poucos recursos, tanto financeiros como humanos, face às solicitações. Porque temos muitas solicitações localmente e além disso estamos inseridos numa rede nacional que, por sua vez, também está inserida numa rede internacional. Por exemplo, a Cáritas de Portugal nomeou a Cáritas de Beja para ser a representante, junto da Cáritas Europa, para tratar das questões da emigração e por vezes temos de nos deslocar a Bruxelas ou outras cidades. E a nível da Diocese [de Beja], somos o secretariado da Pastoral Social.

As actuais valências da Cáritas são para manter?
Pensamos manter todas elas e estamos a pensar numa nova valência, numa nova resposta social…

Que é?
Temos um projecto em parceria com a autarquia para reabilitar o edifício do antigo paço episcopal. Aí teremos mais espaço e estamos a pensar ter uma comunidade de inserção. Ou seja, estas pessoas que frequentam o refeitório social passam a ser acompanhadas por uma equipa técnica, com possibilidades de alojamento enquanto não estiverem novamente inseridas na sociedade.

Está falar de pessoas sem-abrigo?
E também de passantes. No fundo, pessoas que não tenham casas e que também não estejam a trabalhar ou inseridas na sociedade.

Esse tipo de situação tem aumentado na região?
É claro que não somos Lisboa, mas temos sentido um aumento a esse nível! Principalmente em pessoas com problemas do foro psiquiátrico, o que é algo que nos preocupa. Porque quando há uma situação de crise, a nível do distrito não há onde recorrer. Há um departamento de psiquiatria [no Hospital José Joaquim Fernandes], que presta todo o apoio que pode, mas tem recursos limitados.