Por Sérgio Aníbal, in Jornal Público
O que deve Portugal fazer: entrar já numa nova fase de austeridade orçamental, como sugere o FMI, ou esperar que a retoma diminua o défice, como quer o Governo?
Passados 25 anos desde o último programa de ajustamento imposto a Portugal, o Fundo Monetário Internacional volta a estar no centro do debate económico no país. Desta vez, não a ditar as medidas que devem ser adoptadas para se sair da crise, como em 1983, mas simplesmente a sugeri-las, recebendo desde já um não determinado do Governo. Os economistas contactados pelo PÚBLICO dividem-se sobre qual a melhor opção.
Na quarta-feira, o FMI decidiu avisar o Governo de que, na próxima proposta de orçamento, que será entregue ao Parlamento no início do próximo mês, terá de começar desde já a corrigir o défice, com a aplicação de medidas difíceis como a contenção dos salários dos funcionários públicos, o corte das transferências sociais, a redução de benefícios fiscais e, se tudo isto não chegar, o aumento da taxa de IVA.
Ontem, a resposta do Executivo não tardou. Pela voz do ministro da Presidência, Pedro da Silva Pereira, o Governo voltou a garantir que "o aumento dos impostos não faz parte dos planos, nem mesmo com esta recomendação do FMI", e sublinhou que, em contraponto com medidas imediatas de contenção da despesa, "a estratégia do Governo está assente na ideia de promover o relançamento da economia".
Esta é uma das grandes divergências entre o Fundo e o Governo e uma réplica do desencontro de opiniões que já se registou entre o governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças. Enquanto o FMI afirma que, para corrigir o défice, "não é suficiente contar apenas com a recuperação", o Executivo diz que "será o dinamismo da economia que proporcionará novas condições de equilíbrio da situação orçamental".
Desta discussão, a primeira conclusão que se pode retirar é a de que o Governo não parece estar interessado em incluir no OE para 2010, o primeiro que José Sócrates terá de fazer aprovar em minoria, medidas importantes de consolidação orçamental, ao contrário do que é agora defendido pelo FMI e do que é pedido pela Comissão Europeia no plano que definiu para Portugal.
Seguir ou não o FMI?
As opções em cima da mesa não dividem apenas Governo e FMI, mas também os economistas contactados pelo PÚBLICO. Luís Campos e Cunha, ministro das Finanças durante o ano de 2005, é o que mais apoia as propostas do FMI. "A solução ideal seria não ser necessário fazer nada em 2010, mas para que isso acontecesse era preciso que tivéssemos uma dívida pública mais baixa. Estamos condicionados pelo que foi feito em 2007, 2008 e anos anteriores e, agora, temos de dar um sinal muito claro ao mercado de que estamos dispostos a corrigir o desequilíbrio orçamental e que estamos preocupados com a dinâmica da dívida pública", afirma.
O economista diz que "medidas com a redução dos salários ou o corte nas transferências sociais são difíceis de implementar politicamente e têm custos sociais elevados", pelo que "passar o IVA de 20 para 21 por cento, de onde não deveria ter saído, pode ser uma opção", ao mesmo tempo que se cortam outras despesas e se acaba com "projectos públicos megalómanos e economicamente inviáveis".
João Ferreira do Amaral, embora não colocando de parte a necessidade de se aplicarem medidas como as sugeridas pelo FMI, diz que, nesta fase, estas são "claramente prematuras". "Sem crescimento económico, não é viável reduzir despesas dessa forma nem subir impostos", afirma o professor do ISEG, defendendo que apenas nos anos seguintes, se a economia europeia ajudar, poderão estar criadas as condições para fazer uma consolidação orçamental que é necessária.
A oposição completa às propostas do FMI vem de José Reis, professor na Faculdade de Economia de Coimbra. Embora reconhecendo a existência de um problema orçamental, este economista contesta que a sua correcção tenha de ser feita "à custa do aumento dos desequilíbrios sociais e económicos", o que revela, afirma, uma "deriva ideológica do FMI" nas suas recomendações de política económica.
E apresenta medidas alternativas: "rever os contratos feitos pelo Estado com privados" em áreas como a saúde e os transportes ou corrigir o papel do sistema financeiro "como absorsor de riqueza social". Em relação à possibilidade de subida de impostos, José Reis salienta que "as grandes injustiças do sistema fiscal estão nos impostos indirectos, como o IVA".
As propostas do FMI
- Redução da massa salarial do sector público
- Diminuição das transferências sociais, reanalisando os critérios de elegibilidade para os subsídios sociais
- Redução da despesa fiscal
- Aumento da taxa do IVA, caso as outras medidas não produzam os resultados desejados
- Maior envolvimento do Ministério das Finanças na definição das parcerias público-privadas
- Reconsiderar os aumentos planeados para o salário mínimo.


