Por Tolentino de Nóbrega, in Jornal Público
Há dois anos Jardim demitiu o director da Segurança Social por revelar que um quinto dos madeirenses vive no limiar da pobreza. Agora foi um padre. A diocese nega
A Diocese do Funchal negou ter "dispensado" o vigário-geral da Sé por pressões do Governo Regional da Madeira. A transferência do cónego Manuel Martins para Machico, processada a poucos dias das eleições autárquicas e legislativas, ocorreu, diz, devido ao seu "desejo pessoal de fazer uma nova experiência pastoral", fora daquele arciprestado onde trabalhava há 18 anos.
O presidente da Rede Europeia Antipobreza, padre Jardim Moreira, denunciou sábado na RTP-N que por detrás desta transferência estiveram pressões políticas exercidas sobre a Diocese do Funchal pelo facto de o cónego ter falado, nas suas homilias, "na defesa das crianças e dos pobres". Afirmou ainda que o governo regional terá criado uma comissão para "investigar" se o sacerdote era comunista. "Este caso tem de ser denunciado, porque não é possível que no Estado português, onde há separação do Estado e da Igreja, não haja liberdade de pregar pela defesa dos pobres e que isso seja penalizado", afirmou Jardim Moreira, lamentando que haja "regiões do país onde não é permitido pregar o evangelho, o amor, apontar as mazelas reais".
Em nota distribuída pelo gabinete de comunicação social, a diocese diz que as afirmações de Jardim Moreira "são falsas e caluniosas". Garantindo que o bispo D. António Carrilho não cede a pressões de ninguém, o seu porta-voz adianta que aquele padre "devia meter-se mais na sua vida e não falar ou denunciar situações que desconhece", porque "está a leste do que aconteceu" e da "nossa realidade eclesiástica e social".
O cónego Manuel Martins mantém-se indisponível para falar da situação que o governo regional não comenta por, alega, tratar-se de uma questão da diocese. No entanto, o executivo de Alberto João Jardim não ficou em silêncio quando, em Junho passado, numa homilia, o cónego Manuel Martins se insurgiu contra o poder regional por recusar no Parlamento regional medidas de combate à pobreza, afirmando haver organismos onde podem dirigir-se os pobres. "Conhecendo como conheço a falsidade de tantas medidas anunciadas de combate à pobreza e situações de miséria e de fome de tantas famílias, onde estão esses organismos de ajuda para que eu possa indicá-los aos muitos pobres que diariamente na igreja pedem ajuda", questionou.
O cónego tem apontado casos sociais que precisam de ajuda por causa do "desemprego, alcoolismo, droga", de "famílias jovens que não podem pagar o crédito à habitação" ou o "pão para os filhos", e de "famílias que têm idosos acamados e doentes, casais que esperam e desesperam meses à espera de uma reunião com os agentes da Segurança Social para pedir ajuda". Noutra liturgia, alertou para o surgimento de "novos pobres", clarificando que o seu objectivo "não é atacar ninguém, mas alertar para esta situação de miséria que se vive, por forma a despertar as consciências", porque "quem tem fome quer pão".
Os tempos exigem "soluções criativas aos governantes" e não tanto "discursos falaciosos", disse noutra homilia. "Governar em "tempo de vacas gordas" será mais ou menos fácil, mas é nos momentos difíceis que se vê o que é um bom governo", concluiu o padre, que a 26 de Setembro deixou um púlpito mais mediático e regressou às pacatas origens de Machico, com a ingrata missão de cumulativamente administrar a paróquia da Ribeira Seca, tendo de afastar o padre Martins Júnior que aí continua, apesar de suspenso ad divinis, há três décadas, num processo não ultrapassado pelo actual bispo.
À denúncia das "situações dramáticas de injustiças sociais gritantes que causam tanta indignação e muitas vezes levam-nos à revolta", o governo regional reagiu então, de imediato, para esclarecer que "tem vindo a conceder um forte apoio ao trabalho social realizado pelas várias instituições públicas e particulares de solidariedade social, muitas das quais ligadas à Igreja Católica". A propósito revelou que no âmbito do Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados foram beneficiadas 77 instituições entre mediadoras e beneficiadas directas, através das quais foram apoiadas 9916 pessoas.
Mas este número fica muito aquém dos 55 mil pobres que há dois anos o director regional da Segurança Social, Roque Martins, disse existirem na Madeira, correspondendo a um quinto da população. Por tal revelação aquele dirigente da administração regional foi afastado pelo governo de Jardim, segundo o qual "só temos quatro por cento a viver com rendimentos inferiores ao limiar da pobreza". De acordo com um estudo de Alfredo Bruto da Costa, feito em 2008, mais de metade da população madeirense está vulnerável à pobreza e 15,1 por cento vive em situação de pobreza persistente.
26 de Setembro foi quando o cónego Manuel Martins deixou de ser vigário-geral da Sé da do Funchal e passou para a paróquia do Machico