5.1.10

Governanta em tribunal por maltratar deficientes mentais

Nuno Miguel Maia, in Jornal de Notícias

Utentes de residência da APPACDM no Porto eram agredidos e obrigados a passar fome

Uma governanta da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental começa hoje, terça-feira, a ser julgada por crimes de maus-tratos de que presumivelmente foram vítimas vários residentes na instituição, no bairro do Cerco do Porto.

Um coelho teria de ser repartido por cerca de 12 utentes; a jardineira de carne só poderia ter um chouriço; a canja era feita apenas com massa e sem galinha; e o leite e iogurtes eram servidos com prazos de validade já ultrapassados e o arroz já tinha gorgulho. Estes são, segundo o Ministério Público, exemplos de refeições mandadas servir, a cidadãos portadores de deficiência mental, pela mulher, agora com 68 anos, que responde por seis ilícitos de maus-tratos.

Os factos remontam a um período anterior a Setembro de 2000, mas só agora chegam a julgamento, nas Varas Criminais do Porto. Todos os utentes da instituição ligados à Residência do Bairro do Cerco do Porto, situada no bloco 33, passaram privações alimentares e correram até riscos com a ingestão de comida estragada.

Mas pelo Ministério Público do Porto são relatados casos de agressões físicas e psicológicas que terão atingido pelo menos cinco cidadãos portadores de deficiência mental. Ali dormiam, alimentavam e faziam a sua vida diária, ainda que com limitações.

Além de bofetadas, pancadas na cabeça com chinelos e sapatos, puxões de cabelos, apertões no pescoço como castigos por não obediência, a governanta é suspeita de ter obrigado uma jovem deficiente a ir descalça a um passeio em que antes se recusara participar. Há relatos de bofetadas, murros e isolamento num quarto.

Num outro caso, um cidadão portador de deficiência que ainda conseguia trabalhar foi várias vezes agredido por chegar tarde à residência. Teve necessidade de receber tratamento médico.

As alegadas vítimas não conseguiram precisar as datas concretas das agressões. Mas o Ministério Público situa os casos entre pelo menos 1999 e Setembro de 2000. A governanta era a encarregada geral da residência e tinha vários funcionários ao seu dispor.

Como consequência dos factos denunciados, vários dos residentes no núcleo da (APPACDM) ficavam traumatizados e nervosos com a simples presença da governanta. Razão pela qual tiveram de receber acompanhamento médico especializado acrescido.

O Ministério Público sustenta que a instituição tinha alimentos e condições para tratar bem dos deficientes. Mas que estes eram maltratados unicamente devido a um sentimento de crueldade da arguida.

Os seis ilícitos imputados à mulher são agravados pelo facto de as vítimas estarem na sua dependência e não terem capacidade de dispor das suas vidas de forma autónoma. Era até por isso que ali habitavam.