10.10.10

Famílias terão de poupar mais para compensar queda dos apoios sociais

Por Rosa Soares, in Jornal Público

Taxa de poupança das famílias aumentou dois por cento em 2009. Mas terá de aumentar muito mais, para compensar um Estado social menos generoso


Algumas famílias começaram a poupar mais, especialmente aquelas que estão confrontadas com situações de desemprego. Mas a maioria mantém os mesmos padrões de vida que tinha antes da crise económica que estamos a viver. Quem o diz é Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI. Ou melhor, quem o diz , segundo a economista, são alguns indicadores, como o da taxa de poupança das famílias e do consumo.

Apesar de se assistir a uma inversão da tendência de mais de uma década, a taxa de poupança das famílias portuguesas face ao seu rendimento disponível subiu dois por cento no ano passado. Segundo dados do Banco de Portugal, essa taxa passou de 6,54 por cento em 2008 - ano em que rebentou a actual crise financeira - para 8,8 por cento em 2009. Apesar de ser um aumento importante, é preciso lembrar que, em 2006, essa taxa já estava em 8,1 por cento, baixando para os 6,1 por cento em 2007.

Embora se trate de uma recuperação, compara-se mal com a de outros países europeus, designadamente a Espanha e a Irlanda, que, tal como Portugal, estão a ser particularmente afectados pela crise económica mundial. Nestes dois países, a taxa de poupança disparou no ano passado seis e oito por cento, respectivamente.

Para o aumento da taxa de poupança em 2009 contribuiu a descida das taxas de juro no crédito à habitação, que na prática libertaram rendimento das famílias. Esta descida contrasta com o agravamento dos juros nos dois anos anteriores, que obrigaram a uma maior cativação de rendimentos para esse fim.

Catarina Frade, do Observatório do Endividamento das Famílias, admite que é a insegurança face ao futuro e, em concreto, a ameaça de desemprego que levam as pessoas a poupar mais. O que nem sempre é possível, em especial no caso de agregados com rendimentos baixos e com muitos encargos. Por essa razão, ressalva que é preciso relativizar a comparação com economias mais desenvolvidas.

Mas os desafios que se colocam ao nível da poupança são muito maiores, defende a economista-chefe do BPI, em linha com os apelos do Fundo Monetário Internacional e, ainda há poucos dias, do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

O Boletim de Outono do Banco de Portugal refere a necessidade urgente de desalavancagem do sector privado [incluindo famílias] "desejavelmente associado a um aumento da poupança interna, que se situa actualmente em valores mínimos históricos".

Estado menos generoso

O desafio de poupança pretenderá responder às necessidades do país e das famílias. No caso destas, será imperioso reduzir o endividamento, em muitos casos excessivo, até para compensar o "encolhimento" do Estado social, já visível, actualmente, no corte de vários apoios sociais. Neste capítulo, ainda assim, o Estado estará a ser "generoso", admite Cristina Casalinho. Pior mesmo será a redução das pensões de reforma a médio prazo, que afectará já e drasticamente o grupo etários dos 40 anos.

Depois de uma geração que conseguiu reformas praticamente iguais aos últimos salários, o rácio de pensões descerá entre 55 e 60 por cento para as gerações que actualmente estarão na faixa etária dos 40 anos e descerão ainda muito mais para quem entra no mercado de trabalho. Além disso, lembra a economista, há a imprevisibilidade de um conjunto de outros serviços ou cuidados, designadamente de saúde, que o Estado poderá não assegurar dentro de alguns anos. É para esta realidade que as famílias não estão consciencializadas, e não para poupar mais, conclui Cristina Casalinho. Ao argumento de alguns, de que as famílias poupam pouco mas têm mais património, remetendo para o valor das casas que comparam ao longo da vida, a economista adverte para o facto de o valor desse activo depender muito da situação do mercado imobiliário na altura.

Positivo, mas em parte reflexo da crise, que fez disparar os juros finais a cobrar ao cliente e do aperto nos critérios de concessão, as famílias estão a endividar-se menos, incluindo para compra de habitação. Na aplicação de poupança, a preferência das famílias vai claramente para produtos mais seguros, em detrimento dos mais rentáveis, razão porque os depósitos bancários têm vindo a subir (ver texto ao lado). com Sérgio Aníbal