26.10.10

Juízes e procuradores poderão ver salários reduzidos em mais de 750 euros

Por Mariana Oliveira, in Jornal Público
Cortes não se devem ficar pelos vencimentos e subsídios de habitação. Governo prepara-se para mexer também na acumulação de funções de meia centena de operadores judiciários


Os juízes e os procuradores que estiverem no topo da carreira, com cerca de 6130 euros de salário bruto, poderão ficar com menos 750 euros no seu vencimento, ainda antes dos impostos. Por seu lado, os magistrados em início de carreira, com uma remuneração ilíquida a rondar os 2550 euros, deverão ver o ordenado reduzir mais de 300 euros.

Os valores já incluem o corte de 20 por cento no subsídio de habitação (actualmente de 775 euros) previsto na proposta do Governo para o Orçamento do Estado de 2011, um montante que se manterá isento de impostos.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) apelou ontem ao Conselho Superior da Magistratura para que tome uma posição sobre os cortes previstos nas remunerações dos juízes, estranhando o "silêncio" deste órgão sobre o assunto. Para ontem esteve prevista uma reunião entre responsáveis do conselho e do Ministério da Justiça, que foi adiada para meio da semana.

Numa deliberação do Conselho Geral da ASJP, colocada no seu site, os juízes dizem que "compreendem que o país está numa situação muito difícil e que a necessidade de corrigir o deficit das contas públicas implica sacrifícios importantes para os portugueses e exige, de todos, um grande sentido patriótico de responsabilidade e solidariedade".

"Redução violenta"

Mas insistem que seria justo e legal "impor esses sacrifícios a todos os portugueses, por via fiscal, de acordo com as regras próprias da progressividade dos impostos sobre o rendimento - pagando mais quem mais ganha, menos quem menos ganha e nada quem não pudesse". "E não pela via mais fácil da redução definitiva e muito violenta dos vencimentos de apenas 450 mil portugueses", realçam.

"Só que a proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo à Assembleia da República prevê, exclusivamente para os magistrados, uma redução líquida global do rendimento superior a dez por cento, afectando-os em muito maior medida do que todos os outros abrangidos pelas medidas de contenção", consideram os juízes.

"É essa discriminação negativa, exagerada e sem justificação credível que os juízes entendem como inaceitável e contra a qual lutarão, por estarem absolutamente convencidos da sua razão", rematam.

Por isso, estiveram ontem reunidos com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), com a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária e com o Sindicato dos Funcionários Judiciais, para discutir formas conjuntas de luta. Até ao fecho desta edição, não foi possível saber o desfecho deste encontro, já que todos os participantes estiveram incontactáveis.

Também ontem, o SMMP adiou uma audiência com o secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária, José Magalhães, para discutir algumas alterações ao estatuto dos procuradores, na lógica de contenção de custos que o Governo está a levar a cabo. "Como o Governo não nos fez chegar a tempo as propostas de alteração que queria discutir, decidimos adiar a reunião", explica o presidente do SMMP, João Palma. E continua: "Não íamos discutir um tema que tem que ser objecto de uma reflexão prévia".

Em causa está o pagamento das acumulações de serviço, os critérios para a atribuição do subsídio de habitação e as regras de aposentação. Os temas começaram por ser integrados na discussão sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano, tendo as associações representativas dos juízes e dos procuradores recusado negociá-los nesse âmbito. Foi então que o Ministério da Justiça começou a reunir com os parceiros. Mas a queixa da falta de informação atempada é partilhada por António Martins, da ASJP. "Quando reunimos com o senhor secretário de Estado, os documentos foram-nos entregues pouco antes ou no próprio dia", nota o juiz.

Segundo as listagens disponíveis no site da Direcção-Geral da Administração da Justiça, desde 2008 foram autorizadas apenas 30 acumulações de juízes e 15 de procuradores. Grande parte dos magistrados recebeu pela acumulação temporária um acréscimo equivalente a um ou dois quintos do seu vencimento. A compensação mais elevada foi atribuída a um juiz que entre Janeiro e Julho do ano passado acumulou o 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real e o Tribunal de Trabalho da mesma comarca: quatro quintos do seu ordenado.

O juiz Mouraz Lopes explicou ontem que o facto de a remuneração dos magistrados ser superior à média salarial em cada país, como consta no relatório do Conselho da Europa, insere-se numa tendência europeia para proteger o princípio da independência. Em Portugal, a remuneração dos juízes em fim de carreira é 4,2 vezes superior à média salarial nacional, descendo nos magistrados em início de carreira para os 1,7.

Mouraz Lopes lembra que é preciso "garantir o princípio da protecção da independência do sistema judiciário" e que o salário dos juízes e procuradores deve estar de acordo com o seu estatuto e responsabilidade. Sublinha ainda que, contrariamente a grande parte dos países europeus, em Portugal a exclusividade dos magistrados é absoluta. "Não podemos dar aulas remuneradas, nem exercer consultoria como noutros países."