por Luís Reis Ribeiro, in iInformação
Há cada vez mais gente em risco de passar fome. A pobreza tem sido reduzida com os apoios sociais que o governo pretende agora cortar
Medidas de austeridade vão agravar pobreza nos próximos anos pedro azevedo 1/1 + fotogalería .Há cada vez mais pessoas em situação de carência alimentar e em risco de fome, reflexo directo da deterioração das condições económicas e do mercado de trabalho. A tendência é para piorar devido à época de austeridade que já começou. E é justamente nesta altura, em que os apoios sociais são cada vez mais determinantes no alívio dos indicadores de pobreza, que o governo decide cortá-los para reduzir o défice público.
De acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 4,4% da população total admite sofrer sérias perturbações no acesso a alimentos, isto é, mais de 460 mil pessoas em 2009. O número representa uma subida anual superior a 7%. Com o aperto planeado nas contas públicas, que deverá estar em vigor até 2013, pelo menos, os especialistas não têm dúvidas que a situação se vai agravar, afectando especialmente crianças e idosos, os mais frágeis.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, divulgado pelo INE esta semana, mostra que a parcela de pessoas que assumem já não ter capacidade para pagar uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano pelo menos de dois em dois dias está a subir de forma consecutiva desde 2006, atingindo os 4,4% da população em 2009. São cerca de 468 mil pessoas, mais 32 mil do que em 2008. No grupo da população em risco de pobreza, o problema da carência alimentar é, naturalmente, mais intenso: atinge 10% dos pobres ou quase pobres. O INE não questiona os indivíduos sobre a existência ou não de situações de fome, mas os entendidos assumem que o inquérito dá uma noção da realidade.
Sandra Araújo, coordenadora da Rede Europeia Anti-Pobreza, refere que "as informações que nos chegam de quem opera no terreno indicam, claramente, que há carências crescentes e mais risco de fome". "As pessoas, que viram os seus orçamentos diminuir com o aumento do desemprego e do endividamento, estão a poupar na carne e no peixe e a comer mais farináceos, por exemplo."
Essa tendência também está patente na explosão das ajudas dadas pelo Banco Alimentar. Segundo a instituição, o número de pessoas assistidas já ultrapassa largamente 250 mil e a tendência é para crescer. Isabel Jonet, que preside à instituição, defende que o aumento de impostos e o corte de apoios públicos aos mais carenciados é "cego" e que vai piorar a situação dos que já são excluídos.
Sandra Araújo está preocupada com o fenómeno dos novos pobres e com o agravamento da pobreza dos tradicionalmente mais desfavorecidos: crianças e idosos. "Há muitos trabalhadores que recebem salários baixos que vão cair borda fora com os apertos orçamentais que aí vêm. A pobreza infantil é outro flagelo que vai adensar-se, de certeza", lamenta.
O governo planeia reduzir o défice com cortes amplos nos apoios aos mais pobres, nos benefícios fiscais, nos custos dos medicamentos e com o SNS e do congelamento de todas as pensões. Esta política surge numa altura em que, mostra o INE, a população pobre depende fortemente dos apoios públicos: se não houvesse transferências sociais, a pobreza atingiria 41,5% da população e não os 17,9% divulgados. Nunca a diferença entre um e outro foi tão grande desde 2003.


