22.8.11

Jovens são quem mais procura trabalhos temporários no Verão

Por Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Diminui o desemprego, sobe a facturação das empresas e aumenta a procura entre os estudantes do ensino secundário e do superior. É uma equação possível para a expressão do trabalho temporário (TT), mas com uma limitação: só podemos falar dela quando falamos dos meses de Verão.

Comprovam-na as estatísticas, que dão conta do peso na economia dos empregos de curta duração na hotelaria, restauração e escritórios em Junho, Julho e Agosto, mas deixa de fora uma franja difícil de quantificar sobre os empregos informais que abundam nestes meses e que não se conseguiram desligar da imagem de precariedade laboral.

João começou a trabalhar no Verão aos 16 anos, Catarina tem 18 e não precisou de sair de casa para procurar um emprego que lhe garantisse dinheiro no bolso para as férias. São o espelho dessa realidade que os números oficiais não mostram – fazem parte do chamado trabalho informal –, embora comprovem a tendência sazonal dos contratados jovens no período de férias.

Os dados mais recentes do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) sobre o emprego temporário são de 2009 e mostram uma subida no volume de contratados de todos os grupos etários no Verão. Esse aumento é mais expressivo na faixa etária entre os 16 e os 24 anos. Do primeiro para o segundo semestre (que apanha a maioria dos meses de Verão – Junho, Julho, Agosto e Setembro) o aumento é de 96 por cento: de cerca de 18 mil para mais de 35 mil. Abrange, por isso, o perímetro de estudantes do ensino secundário e do superior, mas, mais uma vez, contabiliza apenas os empregos associados a empresas de trabalho temporário.

Palavra, uma forma de contrato
Para além dessas, há um número desconhecido de pessoas que ocupam algumas semanas ou meses a trabalhar no Verão no chamado emprego informal, temporário, sem recurso a empresas de recrutamento.
João Redondo, 19 anos, é um desses casos – o prolongamento natural de uma tendência que se pode extrapolar dos números. Começou a trabalhar informalmente durante o ensino secundário a assistir um fotógrafo de casamentos nos meses de Verão – e pontualmente durante o ano. Agora, terminado o primeiro ano de Filosofia, em Coimbra, tinha-se já pré-inscrito na Associação Comercial e Industrial dos Concelhos de Trancoso, de onde é natural, para trabalhar “algumas horas” durante as festas da cidade. Acabou por encontrar uma “oportunidade” – como diz – para trabalhar mais tempo. Está a fazer uma substituição no serviço de recepção e bar numa residencial.
Conseguiu o emprego graças ao facto de conhecer os proprietários e, também por isso, diz, “o único contrato [celebrado] foi a palavra”. Agora, pertence informal e temporariamente ao grupo profissional que o IEFP calcula ser o que mais absorve emprego temporário: os empregados de recepção e caixas, com 21,3 por cento do total. Trabalha quatro horas diárias: da parte da manhã dos dias úteis de Agosto (e alguns de Julho), mais as noites de sextas, sábados e domingos.

No Verão, as empresas de alojamento são, a par da restauração, as que mais estão dependentes do trabalho temporário. Segundo o IEFP, o sector aumenta o recurso ao TT em 163,4 por cento no segundo semestre.

“Há muito trabalho informal, que é muito difícil de contabilizar e que representa mais volume de trabalho do que o emprego formal na questão do trabalho temporário de agência”, calcula Marcelino Pena Costa, que preside à Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego (APESPE).

Oficialmente, o papel da sazonalidade na queda verificada no desemprego observou-se nos dados do IEFP do ano passado em Junho, Julho e Agosto – meses em que houve uma diminuição dos inscritos nos centros de emprego. E os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) deste ano, revelados esta semana, reflectem já essa tendência sobre o desemprego.

Em 2010, houve menos 1,98 por cento de desempregados de Maio para Agosto (menos 11.097 pessoas), mas Setembro trouxe uma nova vaga de desempregados, para os 555.820.

Este ano, a trajectória parece tirada a papel químico. Segundo o INE, o desemprego continuou a aumentar nos primeiros meses deste ano para um máximo histórico de 12,4 por cento, mas a quebra (para 12,1 por cento) registada no segundo trimestre levará já em conta a influência dos empregos de Verão.

Em Junho, o número de pessoas inscritas nos centros de emprego caiu 2,3 por cento – ou seja – houve menos 11,9 mil pessoas sem trabalho nesse mês.
A APESPE não tem números recentes que comprovem estatisticamente o pico estival da actividade no trabalho temporário ou sequer um aumento dessa tendência. Os únicos disponíveis referem-se a 2007 e dizem respeito ao peso de Julho e Agosto na facturação das empresas de TT: entre 16 a 20 por cento do total anual estava concentrado nestes dois meses. Mas Marcelino Pena Costa desenha uma tendência que diz ser aproximada: “Sobretudo nos últimos cinco anos, a procura de trabalho temporário no Verão tem aumentado e a perspectiva é que haja algum crescimento por causa do investimento português na área do turismo, que ocupa muito os jovens”.

Para Vitalino Canas, provedor da Ética Empresarial e do Trabalho Temporário (figura criada em 2007 no âmbito da APESP), é a maior oferta de “grande flexibilidade” nos horários e dias de trabalho no Verão que explica o facto de a restauração e a hotelaria serem tão “atraentes nestas ocasiões”.

Versão validada pela Adecco. Para esta empresa de trabalho temporário, uma das três maiores a operar em Portugal, a procura nas agências é sentida “um pouco mais” nestes meses. Também Conceição Oliveira, responsável de recursos humanos da empresa, não revela dados específicos que comprovem esta realidade, mas garante, em resposta por email ao PÚBLICO, que o trabalho sazonal é, para os estudantes, “cada vez mais” uma solução para conseguirem um emprego.

Dinheiro no bolso nas férias
De novo um caso de trabalho informal. Como João Redondo, Catarina Almeida, estudante de Jornalismo na mesma universidade, procurou emprego apenas para ocupar um mês de descanso e poder ter dinheiro no bolso nas férias.
Logo que terminou, em Junho, o primeiro ano do curso, decidiu estar um mês a trabalhar, para depois ficar livre o tempo que lhe restasse até o regresso às aulas.

Não foi preciso sair de casa para procurar trabalho. No seu caso, estando em São Martinho da Gândara, em Oliveira de Azeméis, onde a mãe tem uma pequena empresa de montagem de peças de sapatos, não foi difícil negociar um mês de trabalho em casa. Esta foi a proposta que a própria mãe validou de antemão: em vez de ir bater à porta de uma fábrica da região, ficaria a ajudá-la “com a vantagem de, [assumindo as mesmas funções], não ter de pagar transportes e refeições”, conta a estudante. E assim foi.

Acordou receber dois euros por cada hora de trabalho, “um valor justo” face à média do que, diz, recebem outros trabalhadores temporários em fábricas e empresas familiares para cumprir a mesma tarefa. O trabalho “já não era desconhecido” – o facto de a mãe ter a empresa em casa foi uma vantagem – e conseguiu acompanhar com facilidade as duas funcionárias que trabalham com a mãe. Durante todo o último mês, abdicou das manhãs e tardes livres: começava às 8h, terminava às 19h.

Trabalho temporário e recibos verdes
Mais uma vez, a estatística do IEFP confirma que “os contratos de menor duração tendem a ser mais representativos do segundo semestre, enquanto os de maior duração (6 e mais meses) tendem a terminar no primeiro”. Esta intermitência na segunda metade do ano, que corresponde à maior parte do período estival, é explicada pelo instituto com “as necessidades pontuais das empresas” neste período.

Segundo o IEFP, “os jovens são cedidos em média por 4,5 meses ao passo que os activos com 25 e mais anos já conseguem permanecer no mercado de trabalho por volta de 7,3 meses”. O que estabelece a lei? Não há um limite mínimo de duração para os contratos, mas o máximo está bem definido: um máximo de dois anos, seis ou 12 meses, consoante o termo do contrato celebrado.

“A elevada rotatividade/precariedade que se associa ao público jovem e ao segundo semestre fica visível na duração do trabalho prestado, que diminuiu
de 5,6 meses para quatro meses”, acentua o IEFP quanto aos dados de 2009. Marcelino Pena Costa não esconde essa realidade, mas refere o contributo para a diminuição sazonal do desemprego e aponta para outro ângulo: “Há uma tentativa de denegrir o trabalho precário. O trabalhador, mantendo as suas capacidades, pode reagir permanentemente e conseguir emprego [permanente]”.

À figura de provedor cabe responder a dúvidas ou produzir recomendações sobre este tipo de trabalho. Vitalino Canas, também deputado do PS, concorda que o trabalho temporário está associado “à ideia de que os trabalhadores contratados estão numa situação muito precária”. “Todos reconhecemos que é melhor ter um vínculo [duradouro], mas há outras em situações mais precárias: os recibos verdes”, contrapõe.

No caso da Adecco, acentua Conceição Oliveira, estão em causa, mais do que empregos de substituição de empregos fixos, reforços de quadros ou colaboradores.

O maior pico anual de procura de trabalho “é variável e depende também muito da situação do país”. Este ano, por exemplo, “tem-se sentido uma maior procura de trabalho desde o início do ano em comparação ao ano passado”. Mas, já do lado das empresas, a procura não é proporcional à dos trabalhadores. No actual quadro de crise económica, diz a responsável, “tem-se notado alguma diminuição” por comparação a anos anteriores.

A nível mundial, o TT movimenta 232 mil milhões de euros em termos de volume de negócios e tem no Japão e nos Estados Unidos – ou seja, na terceira e primeira economias globais – os dois maiores mercados.

O que conta para o currículo?
Se o Verão corresponde à chamada época alta dos trabalhos de Verão, é também uma “altura onde há menos queixas”, diz Vitalino Canas. Uma relação que atribui ao facto de “haver talvez mais oferta de emprego do que noutros meses e das próprias empresas procurarem acautelar integralmente os direitos dos trabalhadores”.

João Redondo e Catarina Almeida não procuraram trabalho por uma questão de valorização do currículo. A estudante não pensa sequer referir esta primeira experiência para entrar no mercado de trabalho, também pelo facto – sublinha – de ser uma área que pouco tem a ver com a do seu curso.

“Muitas vezes é esta experiência que mais tarde lhes permite [aos jovens] ter acesso a vínculos laborais mais estáveis”, diz Vitalino Canas. É isso que espera João Redondo, que acredita que “as empresas podem valorizar as relações formais de trabalho”. Até aqui, diz Marcelino Pena Costa, “quando [os jovens] apresentavam os currículos, omitiam a experiência temporária”. Neste momento, “é bastante claro que para os trabalhadores significa que estiveram preocupados” e valorizam isso nos currículos.

“É uma boa ferramenta para não estarem inactivos”, acentua, falando de estudantes e desempregados que aproveitam esta sazonalidade.