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A Renascença publica hoje um trabalho sobre a percepção da crise. Um conjunto de três reportagens da jornalista Catarina Santos com o título "Quem seremos depois da crise?".
O ponto de partida para este enfoque são as crianças, espectadores inocentes de um tempo de ruptura em que o passado não se repetirá.
Chegamos ao cume de um momento e o caminho aponta para uma descida tipo montanha russa: os direitos tidos como inabaláveis recuam; o nível de vida baixa; as famílias habituam-se ao desemprego e, tal como nos anos 60, pensam em novas Franças; a sociedade empobrece e o próprio futuro está comprometido, por via da fragilidade das contas da segurança social. No imediato, a luz ao fundo do túnel tem apenas um nome: sacrifício.
Esta é uma mudança quase revolucionária, tal a força da ruptura, imposta pelo exterior e feita praticamente sem discussão, sem se perceber ainda bem a verdadeira dimensão do que aí vem. Décadas de ilusão terminam assim num estrebuchar de humilhante realidade. Muitos anos vão ter que passar até se atingir de novo (se alguma vez se atingir) a riqueza que foi desperdiçada.
Afinal, a viagem no tempo é possível. Portugal revisita o passado.
E aqui regressámos ao tema central da reportagem: as crianças. No trabalho impressionam sobretudo dois testemunhos: o Ricardo, de nove anos, diz que às vezes pensa que vai ficar sem dinheiro e o Luís, também de nove anos, remata com um “não gosto de ouvir falar nisso. Preocupa-me”, terminando com um suspiro profundo.
Estas crianças, que hoje ouvimos, são as crianças comprometidas com um futuro que não decidiram e que nós vamos deixar em herança. São elas que vão pagar os abusos de um estado que não soube ser democrático e de uma sociedade que não soube exigir. A culpa, pois é de culpa que se trata, é horizontal: Embora com pesos diferenciados, vai de cada um nós à banca e aos empresários, de Cavaco a Sócrates, de Guterres a Durão Barroso, incluindo epifenomenos tipo Santana Lopes. Todos deixaram andar. Todos se iludiram com o poder e todos tentaram perpetuá-lo num país de ilusões.
Para lá da crise internacional, as gerações que elegeram e governaram Portugal nas últimas décadas transportam o peso da acção irresponsável na gestão da República.


