Vírginia Alves, in Dinheiro Vivo
No primeiro semestre deste ano, foram decretadas insolventes 2425 famílias, ou seja 52,4% do total. Uma situação justificada pelo contexto de crise e de sobreendividamento das famílias que não conseguem pagar as suas dívidas e que recorrem à insolvência, uma medida possível para pessoas singulares desde Setembro de 2004.
O processo de insolvência, explica Alexandra Dias Teixeira, advogada da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco & Associados, “é um processo de execução universal, que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência”.
No caso das famílias muitos dos processos de insolvência recorrem do “recurso ao crédito fácil e pelo desemprego”. Normalmente um cidadão comum “recorre à insolvência quando o crédito já lhe foi cortado e não tem forma de pagar as dívidas existentes; ou quando é alvo de uma penhora de vencimento não lhe permitindo ter rendimento disponível para cumprir com as suas obrigações; ou quando se depara com uma situação de desemprego e não tem forma de sustentabilidade; ou quando contrai novos empréstimos para pagar empréstimos já existentes recorrendo, nomeadamente, às financeiras de crédito aprovado no imediato, criando uma espiral sem fim”, sublinha a advogada.
Como avança uma família para um processo de insolvência?
O processo de insolvência inicia-se com uma petição escrita dirigida ao tribunal, sendo obrigatória a constituição de advogado. Na petição são expostos os factos que contribuíram para a situação de insolvência. “Os cônjuges podem apresentar-se conjuntamente à insolvência, no caso de ambos se encontrarem em situação de insolvência e se o regime de bens não for o da separação”, adianta Alexandra Dias Teixeira.
O que acontece após a declaração de insolvência?
Com a declaração da insolvência “é decretada a imediata apreensão dos bens. O devedor fica privado dos poderes de administração e de disposição dos seus bens, que passam para o administrador de insolvência”.
A advogada sublinha ainda que tal como para as insolvências de empresas as insolvências de pessoas singulares “estão sujeitas ao incidente da qualificação, do qual resultarão outros efeitos, dependendo de se tratar de uma insolvência culposa ou fortuita”.
Da insolvência culposa “resulta para o devedor a inabilitação durante um período de dois a dez anos, a inibição para o exercício do comércio e para ocupação de certos cargos públicos”.
No processo de insolvência, as dívidas do insolvente poderão ser pagas através da liquidação do seu património ou através de um plano de pagamentos, de forma similar aos processos de insolvência das empresas.
“No entanto, da experiência resulta que são poucos os processos de insolvência que resultam no pagamento aos credores, ou pelo menos, dos credores comuns, isto é, sem garantias”, frisa Alexandra Dias Teixeira.
No regime de insolvência das pessoas singulares há uma figura designada por “exoneração do passivo restante”, que permite a essas pessoas que não conseguem solver as suas dívidas, não ficarem onerados com as mesmas “ad eternum”. “O pedido de exoneração do passivo representa um “fresh start” para o devedor que seja pessoa singular, permitindo-lhe a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, quando observadas certas condições”, acrescentou.
Durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período de cessão, o rendimento disponível, ou seja, parte do rendimento que o devedor venha a auferir será cedido a uma entidade, designada por fiduciário, escolhida pelo tribunal. Será o fiduciário quem afectará os montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão, ao pagamento das despesas do processo ainda existentes, da sua própria remuneração e distribuição do remanescente pelos credores da insolvência.
No rendimento que será objecto de cessão será acautelado o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
O pedido de exoneração tem que ser efectuado pelo devedor na petição de apresentação à insolvência. “Se a exoneração for concedida, dá-se a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que é concedida, com excepção de alguns: os créditos tributários, os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações”.
Alexandra Dias Teixeira conclui dizendo que “há alguns anos, ser declarado falido era motivo de vergonha, existindo um forte estigma social. Presentemente, a maioria das pessoas não terá grande reserva quanto a esta opção. No actual quadro legislativo existe alguma leviandade e ligeireza neste tipo de processos e, por isso, a opção pela apresentação à insolvência afigura-se como uma solução apetecível. A insolvência poderá ser uma forma de conseguir ultrapassar a situação de endividamento “sem fim à vista”, mas deverá ser encarada de forma responsável e consciente”.


