15.1.20

“As rendas estão a baixar porque subiram demasiado”

Luísa Pinto, in Púbico on-line

Operadores e associações de proprietários recebem sem surpresa a notícia, e tentam afugentar sinais de crise na sua perspectiva. Mas há quem manifeste preocupação pelo “orçamento anti-imobiliário” que está a ser votado para 2020.

A notícia de que as rendas habitacionais já começaram a descer em Lisboa é recebida sem surpresa pelos representantes dos operadores e dos proprietários. Mas se uns sublinham as boas notícias que podem trazer, outros não deixam de manifestar a preocupação com a forma como estas notícias poderão evoluir, na sua perspectiva.

Francisco Bacelar, presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), diz ao PÚBLICO que entre os seus associados já havia essa percepção de que os preços estavam a baixar mas, sublinha, na sua experiência pessoal continua a encontrar muitos proprietários que tentam cancelar contratos existentes para continuarem a subir as rendas. “Este abrandamento acaba por ser bem-vindo, porque era necessário. Se os preços continuassem a acelerar a toda a velocidade, corríamos o risco de o motor acabar partido”, argumenta Francisco Bacelar, usando a terminologia automobilística para se referir a uma eventual crise.

“Temos de olhar para os números com cautela. Quando vemos um valor negativo, tememos que a desvalorização se espalhe depois por todo o sector, mas não acredito que é isso que se vai passar”, afirmou o presidente da ASMIP, cauteloso. Bacelar afasta o prenúncio da crise, justificando que o preço das rendas estava a atingir valores especulativos, pelo que “naturalmente” teriam de baixar.

A mesma opinião tem Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (Apemip), que afirma que só estão a baixar “as rendas que estavam muito especuladas”. “Estes valores subiram demasiado e eu sempre disse que tinham de começar a baixar. Até os estrangeiros, que são quem tem impulsionado muito o mercado, começam a pensar duas vezes antes de comprar”, diz Luís Lima.

O presidente da APEMIP enquadra também esta descida do valor das rendas no quadro das restrições que têm vindo a ser impostas no Alojamento Local. “Por causa dessas restrições, os investidores começam a pensar no mercado de arredamento. Mas não podem pensar nos valores que antes pediam, caso contrário ficariam sem clientes. Porque passámos a estar a falar maioritariamente de clientes portugueses, que têm o nível de vida que nós sabemos”, argumentou Luís Lima. O presidente da APEMIP revelou-se, ainda assim, muito preocupado com o ano que aí vem, lembrando que o stock de oferta está a desaparecer e não tem a certeza que os promotores estejam a preparar um produto imobiliário adequado aos clientes que existem em Portugal – “Mesmo que baixem os preços das rendas, não há oferta de arrendamento nem para um décimo da procura”, vaticinou.

Ainda mais preocupado manifestou-se o presidente da Associação Nacional de Proprietários (APPROP), João Caiado Guerreiro, que diz que 2020 é “o ano em que o sector imobiliário depende absolutamente da política”. E, acrescenta, “os sinais que até agora têm sido dados não antecipam uma boa evolução”. “Se o Governo mantiver as intenções de carregar nos impostos, manter o AIMI, acabar com isenção de IMI nos edifícios classificados, enfim, avançar com todas as mexidas legais de que se fala, o imobiliário vai ter um ano mais difícil”, argumenta. Caiado Guerreiro diz que já está a sentir uma retracção muito grande dos investidores estrangeiros, das empresas, e que Portugal compara negativamente com a vizinha Espanha e os países da OCDE. E nem o avanço de medidas como as SIGI (sociedades de investimento colectivo) atenuam este sentimento de que “se trata de um orçamento anti-imobiliário”. “Porque é que os riquíssimos hão-de ser beneficiados e os proprietários que têm uma casa ou duas, para fazer alojamento local e arrendamento, é que são prejudicados?”, ironiza Caiado Guerreiro.

Questionado sobre a dificuldade que os portugueses tem em aceder a casa no centro de Lisboa, o presidente da APPROP desvalorizou: “Em cidades como Londres, Paris, Nova Iorque, Milão, e onde em geral as populações nacionais vivem muito bem, não se consegue comprar casa no centro. Isso fica para os milionários e para os estrangeiros. Se aqui querem reservar o centro para os portugueses, teremos os pobrezinhos mas honradinhos do passado. Na verdade essa filosofia parece que nunca deixou por completo o país”, terminou.