27.1.20

Quem diz que a Geração Z não fuma e não bebe? Quem “não faz parte dela”

Mariana Durães (texto) e Teresa Pacheco Miranda (vídeo e fotos), in Público on-line

Dizem que eles não fumam, não bebem, não têm relações sexuais. Que são inclusivos, depressivos ou dependentes da tecnologia. São muitos os estudos, relatórios ou notícias sobre a Geração Z (e todas as outras) — mas até que ponto são rigorosos? “Não há propriamente traços que definam uma geração de forma uniforme”, afiança investigador.

A maior parte não sabe o que é viver sem Internet: os mais velhos lembram-se, no limite, de ter Internet limitada; os mais novos com certeza estarão a rir-se da frase anterior. Cresceram num panorama de crise e recessão económica. Habituaram-se ao termo “terrorismo”. Herdaram os desafios de um planeta degradado.
Falamos da Geração Z, dos jovens nascidos entre meados dos anos 90 e 2010. Em Portugal, são cerca de dois milhões e meio os que pertencem a este grupo — globalmente, segundo dados da Organização das Nações Unidas, deverão representar 32% da população. E o que podemos dizer sobre eles? À partida, quase nada: “Não há propriamente traços que definam uma geração de forma uniforme”, explica o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira, autor do livro Geração Milénio? Um Retrato Social e Político e especializado em sociologia da juventude. “Há acontecimentos que são comuns, mas que são experienciados de forma diferente, consoante as condições sociais de existência dos jovens.”

Generalizações postas de lado, quisemos ouvir um retrato na primeira pessoa. Procurámos a Geração Z e convidámo-la a falar dela própria, da percepção que têm dos seus pares e do que pensam em relação aos estudos (nem sempre tão fundamentados) de que são protagonistas. Perguntar-lhes se concordam com as notícias que dizem que estes jovens fumam menos, bebem menos, têm menos relações sexuais. O que acham das investigações que referem que consomem mais drogas e são mais inclusivos, mas também mais depressivos; que dizem como eles vão mudar o mundo — ou que condenam o quão pouco querem saber dele. Que têm conclusões que nem sempre coincidem.

As reacções são semelhantes quando atiramos a primeira provocação: “É verdade que a Geração Z não fuma, não bebe e não tem relações sexuais?”. Uma gargalhada, um revirar de olhos ou um “não” peremptório. “Não concordo. Não fumo, nem bebo — nem quando vou sair. Mas não concordo porque sou a única”, afirma Inês Rodrigues, de 18 anos, estudante de Arquitectura da Universidade do Porto.

Miguel Correia, aluno do mesmo curso, acredita que a teoria só pode ter sido concebida por “pessoas que não estão na Geração Z” e Isabel Fernandes, 20 anos, arrisca dizer que “há, na verdade, um aumento destes hábitos”, principalmente no que toca a beber. Marta Tuna, estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto, ressalva que “não se pode generalizar”, mas que “a maior parte das pessoas” com quem se dá, fuma. “E as outras coisas também.”

“Este discurso ‘geracionista’ tem sido muito comum, ultimamente. A ideia de olhar para os jovens desta forma muito uniforme”, quando, na verdade, “o que é comum são determinadas condições”, como o caso da “precarização do mercado de trabalho” — “uma condição estrutural que se acentuou mais durante o período da crise” — e da “digitalização do mundo”, refere Vítor Ferreira. São mudanças “marcantes”, ainda que “silenciosas”, que podem “fazer mudar experiências juvenis” — o que não quer dizer que, a partir desses dois acontecimentos, se possam “generalizar traços de personalidade”.

“Dizemos que existe uma geração quando existem condições que mudaram de tal forma que o curso de vida dos jovens que nasceram nessas condições vai ser bastante diferente do das gerações anteriores”, explica o sociólogo. A partir daí, “há todo um conjunto de estudos sobre gerações que são feitos por empresas de consultoria e de marketing, que têm interesses específicos em generalizações”, considera. “O que essas empresas querem é condicionar determinados tipos de práticas e de consumo.”

Num estudo do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), feito em 2018 com 66 148 jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional e completaram 18 anos nesse ano, 88,9% dos inquiridos referiram já ter consumido bebidas alcoólicas, 60,1% já tinham consumido tabaco, 35,6% substâncias ilícitas (drogas) e 7,1% tranquilizantes ou sedativos sem receita médica. “As prevalências de consumo de tabaco, bebidas alcoólicas e tranquilizantes ou sedativos sem receita médica têm-se mantido estáveis entre 2015 [data em que foi realizado o primeiro estudo] e 2018”, lê-se no documento.

Já um relatório da Direcção-Geral de Saúde, feito em 2019, compara o consumo de tabaco junto dos alunos do ensino público entre os 13 e os 18 anos em 2003 e em 2015. Os dados mostram que tem havido uma diminuição em todas as idades: em 2003, a percentagem de jovens com 13 anos que já tinham experimentado fumar era de 29,4%; em 2015, era 11,7%. Quanto aos de 18 anos, os mais velhos da amostra, os valores diminuíram de 69,5%, em 2013, para 58,7%, em 2015. As conclusões do relatório dizem que “embora muitos progressos se tenham alcançado, quer a nível global, quer nacional, as tendências actuais sugerem que o uso do tabaco não está a diminuir tão rapidamente como seria desejável”.