16.1.20

Os “novos” brasileiros: de exilados políticos a profissionais qualificados

Joana Gorjão Henriques, in Públio on-line

Exilados políticos, activistas políticos e de direitos humanos, estudantes, profissionais qualificados que não encontram trabalho na sua área chegam a Portugal. Um activista, uma estudante de Direito e uma trabalhadora em recursos humanos contam a sua história.

Há “novos” perfis de imigrantes brasileiros que chegam a Portugal, notam os analistas e quem trabalha no terreno. Alguns começaram a aparecer agora, outros antes de 2010. Exilados políticos, activistas políticos e de direitos humanos, estudantes, profissionais qualificados que não encontram trabalho na sua área e têm dificuldade com o reconhecimento do seu diploma mas também que a entidade empregadora reconheça o seu percurso profissional, analisa a presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula. Em 2019, o número de brasileiros subiu 43% em relação ao ano anterior: são já quase 151 mil, o maior de sempre.

Paulo Illes, 44 anos, pertence a este perfil mais recente. Militante na área das migrações e dos direitos humanos desde 2004, ex-seminarista envolvido na luta contra o trabalho escravo, foi coordenador da política para imigrantes na prefeitura de São Paulo, com Fernando Haddad, entre 2013 e 2016. Chegou a Lisboa em Março do ano passado. Filiado no Partido dos Trabalhadores, diz-se autor de políticas que beneficiaram os imigrantes, mas que prejudicaram quem os explora, e sentiu-se perseguido quando terminou o mandato. “Com a vitória do [presidente Jair] Bolsonaro a forma de actuar com violência era maior.”

Trabalha actualmente para uma organização francesa, a Organização para uma Cidadania Universal, que faz articulação de cidades que trabalham com inclusão de imigrantes, e a vinda para Portugal tornou-se natural: “A rede é muito forte na América Latina e França, mas não tinha inserção na Península Ibérica [algo que estão a fazer agora]. As coisas encaixaram-se.” Além disso, os membros de outra organização que fundou, Rede Sem Fronteiras, querem criar uma sede em Portugal porque “é onde há o maior número de brasileiros migrantes”.

Sobre a presença de brasileiros em Portugal diz que “é perceptível que há um aumento no fluxo” e consegue identificar a existência de “um grupo de exilados”, do qual faz “parte”. “Há pessoas que vêm para a academia, mas no fundo vêm-se exilar porque há uma pressão muito forte em relação aos professores progressistas, esse sentimento de estarem a ser vigiados”, diz. Ainda não consegue identificar qual é a dimensão desse grupo, “mas é um número expressivo, acho que são centenas de brasileiros.” Porque escolhem Portugal? “Pelo idioma, pela proximidade cultural, pela documentação”, responde. “É mais fácil para nós, brasileiros, inserirmo-nos em Portugal do que em outros países da região europeia. E há muitos netos de portugueses.” Este é um grupo que tem conseguido integrar-se e “inclusive participar e actuar na vida política de Portugal”, analisa.
Do Direito para uma loja

Com outro perfil há Mayagara Goerg, 27 anos, licenciada em Direito pela Pontífice Universidade Católica de Rio Grande do Sul, original de Porto Alegre, que quis fazer mestrado em Direito na Universidade de Coimbra, depois de ouvir alguns professores seus elogiarem a faculdade. Guardou economias para imigrar. “Quando cheguei a Coimbra parecia que tinha mudado de um estado para outro no Brasil. Sentia-me bem acolhida. Comecei a apaixonar-me pelo país, pela forma de vida, pela educação.”

Em Julho de 2016 decidiu, assim, que iria ficar e começou a procurar emprego na área jurídica, enviou currículos para vários escritórios, mas não recebeu resposta. “Não havia retorno.” Acabou por arranjar emprego numa loja num centro comercial onde ficou durante nove meses e aprendeu o quanto é duro ter horário e folgas rotativas e comer a refeição “num banquinho num canto do armazém”. Encarou-o como “um amadurecimento”.

A tese acabou por ser adiada. Ainda se mudou para o Algarve, onde ficou como gerente de uma loja durante um ano, regressou a Coimbra em Abril do ano passado para finalmente terminar a tese. Fez part-times e limpezas em casas particulares. Neste momento está prestes a mudar-se para Lisboa para ser gerente de loja numa marca de jóias e malas.

Desistir de encontrar um emprego na área onde se formou? “Jamais”, afirma. “Bem sei o esforço que foi pagar a minha licenciatura, tudo o que foi o meu percurso académico. Esta mudança [para Lisboa] pode abrir novos horizontes, talvez direccionar para outra área de Direito.” Diz que se voltasse ao Brasil teria emprego, mas há que “ponderar outras coisas”: por enquanto está disposta a trabalhar noutra área porque compensa “em relação à qualidade de vida, que inclui segurança, tranquilidade, lazer e outros aspectos que no Brasil que estão complicados”. Mas “não estou disposta a desistir, sei que vou conseguir”, afirma.

Tirar “brasileira” do currículo
Mab Marques, 34 anos, está em Portugal desde Agosto de 2017. Original de Salvador, mudou-se para Lisboa para fazer um mestrado em Psicologia Social e das Organizações, no ISCTE. Licenciada na Faculdade de Tecnologia e Ciências em Salvador, está neste momento a finalizar a tese. Procura trabalho desde Junho na área de recursos humanos, onde trabalhou durante mais de cinco anos no Brasil. Percebeu, pelos anúncios de jornal, que é uma área onde há vagas publicadas constantemente. “Com a minha experiência já teria habilitações para trabalhar em recursos humanos em Portugal. Tenho enviado currículos e não tenho sido chamada, nem sequer para entrevistas. Em Dezembro tirei do CV informações como o facto de ser brasileira, porque a minha impressão é que isso estava-me prejudicando e enviei novos currículos. Fiz uma candidatura na segunda-feira e ontem fui a uma entrevista para recursos humanos numa imobiliária”, conta.
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Não estava à espera que fosse tão difícil arranjar emprego, até porque a taxa de desemprego em Portugal tem vindo a baixar. “Na faculdade não senti apoio para me ajudarem a fazer estágio curricular: não conheço as empresas e quem me devia dar apoio seriam eles, tive que pedir ajuda aos professores.”
De uma coisa tem a certeza: “Não quero voltar ao Brasil”. Por isso, tem “procurado trabalhos em lojas ou telemarketing”, se for preciso trabalha noutra área.“É difícil, mas faz parte.”