in Radio Sintonia
A frase é do padre Agostinho Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN). Em entrevista nos estúdios da Sintonia, o responsável reforçou que é necessário “encarar este problema de frente”, mostrando-se convicto de que o PRR poderá ser “uma oportunidade única para mudar as estruturas que geram pobreza” no país. A EAPN dinamiza, até 4 de junho, um Congresso Nacional que assinala os seus 30 anos de existência. Sob o tema ‘Diálogos sobre a Pobreza’, a iniciativa divide-se em quatro seminários em quatro cidades do país. O primeiro decorreu a 30 de abril, no Porto.Criada em Portugal em 1991, a Rede Europeia Anti-Pobreza tem vindo a desenvolver um trabalho de fundo de combate à pobreza em Portugal. O padre Jardim Moreira recorda os primeiros anos deste organismo. “Não havia dados em Portugal sobre a pobreza, foi um trabalho que começou do zero. Na altura, começámos com a dificuldade enorme de perceber o que significava uma rede em Portugal. […] A pobreza era um dado adquirido, era vista como uma fatalidade“, lembra.
Uma das grandes lutas da EAPN tem sido a implementação de uma estratégia articulada de combate à pobreza em Portugal. “Esta conquista não foi fácil”, afirma o presidente da EAPN. “Havia algum assistencialismo à pobreza, mas não existia uma luta contra a pobreza, porque essa luta implica a defesa não só dos direitos humanos, mas também a defesa da dignidade humana de todas as pessoas”, sublinha. “Enquanto rede, não perfilhamos o sistema assistencialista, mas o sistema do desenvolvimento integral da pessoa“, acrescenta. Por isso, a luta travada pela EAPN tem sido no sentido de criar “uma estratégia articulada com todos os ministérios que têm influência na vida social das pessoas” para por fim à pobreza.
A central, no Porto, traça as grandes linhas orientadoras da ação deste organismo, nomeadamente no que toca à “formação e capacitação“, como explica Sandra Araújo, diretora executiva da EAPN.
A primeira preocupação da EAPN é a “dimensão do conhecimento“, afirma a responsável. De forma mais pormenorizada, importa saber, esclarece Sandra Araújo, quais as pessoas mais afetadas pela pobreza num território, que trabalho é desenvolvido pelas entidades locais e de que forma é que essa resposta se pode “tornar mais capaz“. A recolha destes indicadores, no plano nacional e a nível distrital, tem sido crucial para “sustentar a atuação” da EAPN, que partilha esta informação com “quem tem poder de decisão” para que “as políticas públicas sejam mais eficazes”.
“Estamos numa Europa que tem abandonado os valores fundamentais da pessoa humana
A pandemia da Covid-19, a guerra no leste da Europa, os aumentos do custo dos combustíveis, da energia e dos bens essenciais são fatores que terão um “grande impacto” na pobreza em Portugal e na Europa, reconhece o padre Jardim que alerta, contudo, para a pobreza que vai além disto: “a pobreza imaterial”. “É outro fator que não passa pelo dinheiro, porque esse é evidente. Temos um problema também do imaterial, da segurança, da afetividade, do relacionamento, da esperança e do sentido da vida das pessoas“, afirma. “Estamos numa Europa que tem abandonado os valores fundamentais da pessoa humana e tem-se fixado muito apenas no material e penso que chegou o momento de podermos olhar a pessoa no seu todo. A luta contra a pobreza ou tem como objetivo ajudar a construir o caminho para a felicidade das pessoas, ou é desastrosa. O ser humano não nasceu para a sobrevivência, nasceu para a sua plenitude pessoal, para a vida plena", sublinha.
“O elevador social está avariado em Portugal”
Quem são os grupos mais vulneráveis à pobreza? Sandra Araújo enumera: mulheres, famílias monoparentais, idosos, crianças e jovens até aos 18 anos. “A taxa da pobreza infantil, apesar de ter vindo a melhorar ligeiramente nos últimos anos é muito grande e isto produz uma pobreza geracional. Estas crianças, que nascem em famílias ou agregados familiares pobres, a tendência é que a situação se perpetue, não conseguimos inverter esta situação“, alerta. E acrescenta. “O elevador social está avariado em Portugal porque a nossa capacidade e eficácia das políticas para inverter esta situação não tem sido muito eficaz. Esta perpetuação e manutenção no sistema tem sido muito difícil de romper“, reconhece.
Sandra Araújo acredita que a Estratégia Nacional de combate à pobreza, aprovada recentemente, pode ajudar neste combate, alertando que é preciso passar da teoria à prática. “Não pode ser apenas no papel, precisamos de um plano nacional com recursos, humanos e materiais, para desenvolver a estratégia e um sistema de avaliação e monitorização, que é outra coisa que a EAPN há muito defende“, argumenta. “Há ciclos políticos e programas políticos e quando há mudança de ciclo opta-se por rever tudo e começar tudo de novo e nunca se faz um trabalho de avaliação sério do impacto das políticas“, acrescenta.
“Temos uma oportunidade única para podermos mudar as estruturas que geram a pobreza”
Nesse sentido, o Congresso Nacional sob o tema ‘Conversas sobre a Pobreza’, que se divide em quatro momentos, é uma oportunidade para “pressionar” as instâncias governamentais e não só, afirma o padre Jardim Moreira. “Queremos que seja também a sociedade civil toda a assumir uma viragem de página, porque temos uma oportunidade única do PRR e dos fundos estruturais da Europa para podermos mudar as estruturas que geram a pobreza. A pobreza tem causas estruturais, na economia, na habitação, na educação“, recorda. E remata: “O combate à pobreza devia de ser um desígnio nacional”.
Entrevista EAPN 28/04/2022