Carvalho da Silva, opinião, in JN
Todas as promessas de desenvolvimento do país não passarão de falácia se não forem resolvidos problemas estruturais que geram e ancoram a pobreza.As duras realidades deste flagelo exigem da sociedade todos os esforços possíveis para mitigar os seus efeitos e atenuar a sua ampliação. Contudo, a erradicação da pobreza, objetivo que todos os portugueses deviam assumir, exige um combate corajoso com políticas estruturais que eliminem as suas causas.
Nas notas de apresentação do seu Congresso a "EAPN Portugal - Rede Europeia Anti Pobreza", começa por afirmar "A pobreza vive de mão dada com o desemprego, a instabilidade laboral, a ausência de recursos financeiros, as dificuldades no acesso à educação e à saúde e a má qualidade da habitação" e lembra-nos que com "a pandemia da covid-19" e nos "períodos de crise socioeconómica todos estes fatores se agravam, juntamente com o estigma, a vergonha, a discriminação e a exclusão".
Já aqui afirmei e hoje repito: os portugueses são vergonhosamente condescendentes com a pobreza. Têm acreditado que bastam solidariedades de emergência, políticas públicas de "reparação de danos" e de gestão mais humanizada da situação dos pobres. Não. Isso pode e deve ser feito, mas apenas mitiga sofrimentos. Grande parte das políticas especificamente dirigidas aos pobres são políticas paupérrimas. São os não pobres, e em particular os mais ricos, aqueles que estão em condições de retirar os pobres da condição de pobreza. O Estado deve favorecer um combate cultural e políticas públicas com o objetivo da erradicação. Com autoridade democrática, deve impor ao poder económico políticas laborais mais justas e garantir melhor distribuição da riqueza.
O segundo dos quatro seminários do congresso da EAPN Portugal decorre hoje mesmo na Universidade de Aveiro, sob o tema "Trabalho, Pobreza e Desigualdades". O "Documento Temático" de apoio ao debate dá-nos um preocupante retrato da pobreza que atinge uma enorme fatia dos trabalhadores portugueses, e identifica as suas causas.
Temos trabalhadores pobres porque: 1) os salários da esmagadora maioria dos trabalhadores são baixíssimos e os de muitas mulheres ainda mais; 2) muitos não conseguem trabalho a tempo inteiro ou estão em trabalho informal; 3) milhares de desempregados e vários grupos sociais não têm a necessária proteção social; 4) as políticas austeritárias transferiram rendimentos do trabalho para o fator capital; 5) a desvalorização salarial e das profissões continua utilizada como variável de ajustamento da economia; 6) não se valoriza suficientemente o saber fazer em múltiplas atividades; 7) tem-se destruído a contratação coletiva; 8) existem milhares de trabalhadores em situações de vulnerabilidade e os empresários e o Estado não estão preparados para reconhecerem as suas capacidades; 9) as condições de trabalho existentes não asseguram proteção integrada nos planos material, físico e psicológico; 10) os custos da habitação e a dificuldade em aceder a direitos fundamentais são insuportáveis; 11) são demolidores os efeitos da precariedade nos planos salarial, da proteção/segurança social, das qualificações, da solidariedade entre gerações.
O combate à pobreza deve focar-se no objetivo da sua erradicação e não no da mitigação de efeitos. O atual Governo tem condições políticas para fazer essa mudança de agulha. Será imperdoável que não o faça.