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30.6.16

Conflito entre pais aumenta risco para crianças mas também denúncias falsas

ANA DIAS CORDEIRO, in "Público"

Comissões de Protecção de Crianças e Jovens publicam nesta quinta-feira o retrato da situação em 2015. Casos de exposição à violência doméstica voltaram a aumentar.

O município de Loures – onde uma bebé de dois anos foi morta pelo padrasto em 2015 – foi nesse ano a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de todo o país com maior volume de processos. De acordo com o Relatório Anual das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, publicado nesta quinta-feira, nesta comissão do distrito de Lisboa deram entrada 1821 sinalizações, mais do que as 1788 situações comunicadas à CPCJ da Amadora, que, nos últimos anos, liderou a lista dos municípios com mais situações comunicadas.

Dias antes da morte dessa criança a poucos meses de fazer três anos, um pai matara o filho, um bebé de cinco meses, em Oeiras. Não foram situações inéditas, mas tão próximas no tempo motivaram alertas para a maior gravidade das situações de perigo nos últimos anos – algumas detectadas a tempo, outras nunca sinalizadas nas comissões e outras ainda comunicadas mas não evitadas.

Já este ano, sucederam-se os casos de mães que tentam suicidar-se com os filhos, acabando por serem eles as principais vítimas – a mãe de Caxias que se lançou ao mar com as duas filhas, a mãe que foi salva no rio Cávado, para onde se atirou, levando ao colo o filho, que morreu. E aquilo que aparenta ser uma situação semelhante de suicídio e homicídio dos corpos encontrados esta semana num carro carbonizado nos Açores de uma mãe e do seu filho, já depois de em Janeiro, na Madeira, uma mãe com cancro ter envenenado o filho de 11 anos antes de se suicidar.

"São situações dramáticas e um sinal de que a comunidade tem que estar atenta", diz o presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, Armando Leandro, ao PÚBLICO. "Este é também um problema da saúde mental. Fazer prevenção da saúde mental é vital e os recursos não são suficientes para resolver essas situações de stress, de grande sofrimento e de graves conflitualidades parentais."

No panorama global das 308 CPCJ, a exposição à violência doméstica e a outros comportamentos que perturbam o bem-estar e o desenvolvimento infantil continua a motivar o maior número de denúncias. E volta a ser o problema que mais aumenta. Em 2015, foram comunicadas 12.237 novas situações, mais 28% do que as 10.862 comunicadas em 2014.

Reforço de 80 técnicos
Nesta situação predominam as denúncias relativas a crianças até aos cinco anos – pelo menos 3987 casos. Neste grupo, os bebés até aos dois anos representam cerca de 44% e as crianças dos três aos cinco anos à volta de 56%, segundo o relatório, que conclui que nestas idades, "pela dificuldade em comunicar e pela possível ausência de estruturas exteriores à família, o grau de perigo aumenta".

A tendência mantém-se igualmente no que respeita às medidas para evitar a retirada da criança do seu meio natural de vida. Quase 90% das 36.321 medidas de protecção de 2015 resultaram em apoios junto da família ou de outros familiares.

O universo de processos abertos continua a ser muito superior ao conjunto de processos que motivam uma medida de promoção e protecção das comissões. "Há situações [denunciadas] que não correspondem a situações de perigo ou sequer a situações de risco. E há sinalizações pouco consistentes. Mas, na dúvida, é sempre preferível que se sinalize uma situação, desde que corresponda a uma denúncia séria", explica Armando Leandro, que confirma a tendência também visível para um crescimento de denúncias "pouco sérias" que surgem de situações de conflito e que resultam em queixas relativas a situações que depois revelam ser menos graves.

Os casos de exposição à violência doméstica "aumentam exponencialmente", confirmou numa apresentação aos jornalistas a secretária de Estado da Inclusão e das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes.

A governante garantiu para Julho a colocação de mais 80 técnicos em 43 CPCJ de 36 municípios e a "actualização" de algumas verbas disponíveis. "Estamos a trabalhar tendo em vista não um aumento transversal da verba", mas "algum reforço financeiro nas CPCJ mais carenciadas", disse. "Não consigo perceber como um técnico pode fazer um trabalho de qualidade quando tem [a seu cargo] 120 processos, 120 vidas de crianças", como aconteceu nalgumas comissões após a saída de técnicos no ano passado.

18.2.16

Crianças que morreram em Caxias estavam sinalizadas pela comissão de proteção de menores

in Diário de Notícias

Continuam as buscas para encontrar criança de quatro anos que ontem caiu à água com mãe e irmã. O pai não sabia da família desde sexta

Continuam as buscas para encontrar uma criança que está desaparecida desde ontem à noite, após ter caído à água na zona da praia de Caxias, em Oeiras. O corpo da irmã, de 19 meses, foi recuperado ainda ontem, após um pedido de ajuda da mãe, que se encontra hospitalizada. A PJ já está a investigar e o DN sabe que em cima da mesa estará o cenário de homicídio e de tentativa de suicídio.

Em novembro de 2015, a mãe das duas crianças já tinha apresentado queixa na polícia, contra o pai das crianças, por violência doméstica e suspeita de abuso sexual das menores, segundo confirmou à agência Lusa Fátima Duarte, da Comissão Nacional e Proteção de Crianças e Jovens em Risco. Desde então, a situação encontrava-se sinalizada pela comissão de proteção de menores.

Entretanto, os meios foram reforçados com mais elementos do Instituto de Socorro a Náufragos. Segundo o comandante Malaquias Domingues, da Capitania de Lisboa, neste momento estão no terreno 24 operacionais, três lanchas e quatro mergulhadores. As operações de busca vão continuar "enquanto houver luz e condições de segurança", adiantou. O problema maior poderá ser o vento, se a intensidade aumentar.

O corpo de uma bebé de 19 meses, irmã da que está desaparecida, foi encontrado ontem, depois de a mãe ter dado o alerta. De acordo com o comandante Malaquias Domingues, da Capitania de Lisboa, uma testemunha ocular viu uma mulher a sair da água, em pânico e em avançado estado de hipotermia, e afirmar que as suas duas filhas estavam dentro de água. A mulher tem 37 anos.

Ao DN, Sérgio Duarte, adjunto do comando dos Bombeiros de Paço de Arcos, que ontem também estiveram no local, contou que a situação foi presenciada por um taxista que "tirou a senhora da água. Foi nessa altura que ela lhe disse que uma onda tinha levado as duas filhas". A criança mais nova, com 19 meses, foi descoberta uma hora depois do alerta, no areal junto à água. O carro da família estava parado à beira da praia.
Criança de 19 meses morre e outra de 4 anos está desaparecida na praia de Caxias

O comandante Malaquias Domingos explicou que tentaram reanimar o bebé, mas que a criança acabou por morrer no local. Na zona esteve o pai das crianças, que desde sexta-feira estava à procura da família, segundo contou às autoridades no local.

"O marido referiu que as procurava desde sexta-feira e que no sábado fez uma participação à PSP. Foi assistido por psicólogos do INEM que estiveram no local", disse Sérgio Duarte. Também a mulher, que ontem foi transferida para o Hospital de Santa Maria, tinha sinais de hipotermia e choque.
O marido referiu que as procurava desde sexta-feira e que no sábado fez uma participação à PSP

No local estiveram também elementos da Polícia Judiciária (PJ), alertada para a ocorrência pela Polícia Marítima às 22.30, que está a tomar conta das investigações. Processo que ainda está a decorrer e com todos os cenários em aberto, disse ao DN fonte da PJ. Caso existam condições, a mulher será ouvida hoje pelas autoridades.

Fonte da Polícia Marítima adiantou à Lusa que as buscas para encontrar a criança desaparecida decorreram até cerca das 03:00 da madrugada de hoje, frisando que apesar de terem sido suspensas, ficaram no local dois agentes.

3.7.15

Criada nova comissão para proteção das crianças e jovens

in Jornal de Notícias

O Conselho de Ministros fez, esta quinta-feira, a aprovação final da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, que substitui a anterior comissão e reforça a capacidade de intervenção na defesa dos direitos das crianças.

Depois de o diploma ter sido aprovado na generalidade, em Conselho de Ministros, no passado dia 21 de maio, seguiu-se a consulta de diferentes entidades e hoje foi realizada a aprovação final da legislação que cria a comissão que vem substituir Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR).

Além de definir a "missão, atribuições, tipo de organização interna e funcionamento" da comissão, o diploma agora aprovado visa também fortalecer a sua capacidade de intervenção "face à ampla cobertura do território nacional" feita por comissões de proteção de crianças e jovens em perigo, refere um comunicado da Presidência do Conselho de Ministros.

Segundo o comunicado divulgado esta quinta-feira, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens irá proporcionar a estas comissões "um acompanhamento qualificado de proximidade".

"Passados mais de 15 anos desde a criação da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, a abertura do debate em torno do sistema de promoção e proteção evidenciou a oportunidade de introduzir melhorias na capacidade de ação do organismo com responsabilidades de coordenação estratégica da defesa dos direitos das crianças", adianta a Presidência do Conselho de Ministros.

Segundo a legislação, a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco terá autonomia administrativa e orçamento próprio.

A comissão nacional terá, ao abrigo do diploma, cinco coordenadores regionais em Portugal continental, uma coordenação na Região Autónoma da Madeira e outra nos Açores.

O diploma visa dar à comissão nacional uma personalidade jurídica de direito público, de forma a permitir obter receita própria, através de injunções, doações ou mecenato e realizar protocolos.

À Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens caberá também coordenar uma estratégia nacional da criança e ainda realizar auditorias às comissões.

30.6.15

Família de acolhimento em vez de lar de infância

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Alteração aprovada pela Assembleia da República remete para crianças até aos seis anos. Como irá o país perder a tendência para as institucionalizar?
Portugal tem merecido reparos por ser dos países da Europa ocidental com maior proporção de meninos e meninas internados em instituições depois de retirados às famílias Nuno Ferreira Santos

Anuncia-se uma grande mudança no sistema de protecção de crianças e jovens em risco em Portugal: se a família restrita ou alargada não serve, deve privilegiar-se uma família de acolhimento, em detrimento de qualquer instituição, sobretudo se as crianças tiverem menos de seis anos.

Basta ler o relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens de 2014 para perceber para onde está orientado o sistema: as famílias respondem por 4,5% das crianças em situação de acolhimento; os lares de infância e juventude e os centros de acolhimento por 88%.

Visto à lupa, no ano passado havia 5388 crianças e jovens em lares de infância e juventude, 2062 em centros de acolhimento temporário, 341 em famílias de acolhimento, 208 em comunidades terapêuticas, 93 em centros de apoio à vida, 84 em colégios de ensino especial, 92 em lares residenciais, 59 em lares de apoio, 55 em acolhimento de emergência, 42 em comunidades de inserção e 46 em apartamentos de autonomização. Só 13% das crianças em situação de acolhimento tinham menos de seis anos.

Avalteração legal já foi aprovada na generalidade pela Assembleia da República, com os votos a favor do PSD e do PP, e está na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Partiu da equipa, liderada pelo procurador Maia Neto, que coordenou o debate em torno da revisão da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, em vigor há 14 anos.

Não é uma invenção nacional. Portugal tem merecido reparos do comité que acompanha a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança por ser um dos países da Europa ocidental com maior proporção de meninos e meninas em instituições: Espanha tem em famílias 30% dos acolhidos, França 66%, o Reino Unido 77%.

“Há evidência científica de que o contexto familiar é o mais adequado para uma criança ou jovem se desenvolver”, comenta Paulo Delgado, professor do Instituto Politécnico do Porto que se tem dedicado a estudar estas medidas de protecção. “Desde logo pela possibilidade de ter uma resposta mais individualizada, mais próxima, com mais hipótese de estabelecer laços, relações afectivas.”

Multiplicam-se as perdas numa instituição: ora estão de serviço uns técnicos e auxiliares, ora outros; ora entram crianças e jovens, ora saem — uns mudam de sítio, outros regressam às famílias de origem, outros são adoptados. E tudo isso vai alimentado insegurança, privando de vínculos, inibindo de explorar o mundo, explica o juiz Joaquim Manuel Silva, do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, em Sintra.

Nem todos aplaudirão a mudança, como se viu em Lisboa por ocasião do 25.º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança, num encontro organizado pelo Instituto de Apoio à Criança. Manuel Araújo, presidente da associação Mundos de Vida, falou na importância de fazer “uma alfabetização das emoções” através do acolhimento, mesmo que temporário, numa família. Sandra Veiga, representante da Casa Pia, defendeu que “mais vale uma boa instituição do que uma má família” e que “a institucionalização já evoluiu muito”, no sentido de contrariar “os efeitos nefastos”.

Apoio financeiro
Como irá o país perder a velha tendência para institucionalizar as crianças que retira às respectivas famílias, sobretudo, por falta de supervisão e acompanhamento ou por exposição a comportamentos desviantes? O universo de famílias de acolhimento está em queda desde 2008, altura em que se deixou de aceitar que avós, tios ou primos exercessem tais funções.

Para já, Portugal conta com 275 famílias de acolhimento, segundo o já referido relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens de 2014. A ideia é aumentar esta resposta através de entidades privadas que ficarão responsáveis por uma bolsa de famílias, como faz a associação Mundos de Vida, em Famalicão, que entre 2006 e 2014 formou 112 famílias.

Alei em vigor prevê campanhas contínuas, acompanhamento permanente, apoio financeiro: 153,4 euros pela manutenção de cada criança ou jovem e 176,89 pelo serviço prestado. “Tem havido muito desinvestimento em candidaturas espontâneas”, torna Paulo Delgado. Também houve famílias dispensadas pela Segurança Social por se terem revelado incapazes de cumprir a tarefa a que se tinham proposto.

De acordo com a nova lei, deve privilegiar-se as famílias de acolhimento “em especial” até aos seis anos. Os pareceres que já chegaram ao Parlamento mostram alguma discordância entre quem mais faz acolhimento em Portugal. A União de Misericórdias Portuguesas sugere que se privilegie este tipo de solução só até aos três anos. E a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade sugere que não haja idade: “Consideramos que devem coexistir todas as medidas de acolhimento numa perspectiva de complementaridade, devidamente qualificadas, suportadas em efectivos e eficazes sistemas de acompanhamento, monitorização e avaliação, sem privilégios de uma sobre a outra que não seja o interesse da criança, daquela criança, em que a idade é um aspecto mas não o único”, dita o documento. Nesse sentido, a confederação admite que o acolhimento familiar possa ser mais adequado para um adolescente.

São cada vez mais velhas crianças retiradas às famílias biológicas

As instituições vão ter de organizar-se de modo a conseguirem casas de acolhimento de emergência e casas de acolhimento de resposta a problemáticas específicas de necessidades de intervenção e terapêutica.

A orientação para a especialização já era esperada. Têm cada vez mais idade as crianças e jovens retirados às famílias biológicas e entregues a famílias de acolhimento ou a instituições. No ano passado, 21,1% tinham entre os 12 e os 14 anos; 35,1% tinham entre 15 e 17; e 12,5% tinham mais de 18 anos. As crianças até três anos representavam apenas 8,7% e as de quatro e cinco outros 4,3%.



Muitas destas crianças sofrem de problemas graves, nota o procurador Norberto Martins. Um exemplo: num dos centros da Crescer Ser, de cuja direcção faz parte, seis em 12 rapazes têm problemas de foro psiquiátrico.

Não é só ali. No ano passado, 3922 crianças e jovens acolhidos tiveram acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. A Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens de 2014 indicava diversas problemáticas para lá da saúde mental. Sobressaem as questões de comportamento, o consumo regular de estupefacientes, a debilidade mental (dificuldade de adaptação social e perturbações de julgamento), a deficiência mental, a deficiência física.

É na faixa etária dos 15-17 anos que ocorrem mais problemas de comportamento — ligeiros, médios e graves.

Recriar nas instituições o ambiente doméstico
Não basta dar preferência ao acolhimento familiar. As instituições devem procurar recriar o ambiente de uma família nos centros que dirigem.

No parecer que remeteu à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias sobre as alterações à Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade diz reconhecer “como positivo o paradigma apresentado, centrado no interesse da criança e nas suas específicas condições”. E começa por reparar na mudança de linguagem. A lei deixa de usar termos como “lar de infância e juventude”, “centro de acolhimento temporário”, “lar residencial”. Passa a falar apenas em “acolhimento residencial” e em “casa de acolhimento”. Segundo o diploma, as casas devem ser “organizadas em unidades que favoreçam uma relação do tipo familiar, uma vida diária personalizada e a integração na comunidade”. As crianças ou jovens devem ser ouvidas/os e participar em todos os assuntos que lhes digam respeito. Sempre que possível ficarão numa casa próxima da família de origem e não devem ser separados de irmãos também em situação de acolhimento, a menos que isso seja prejudicial. Já se percebeu há muito que os grandes lares não são o mais indicado, comenta o procurador Norberto Martins, da Crescer Ser. Os especialistas apontam para pequenas unidades, nas quais se tentará recriar, na medida do possível, o ambiente de uma família.

1.8.14

Como lida a protecção de menores com jovens gays e lésbicas? Nem sempre bem

Andreia Sanches, in Público on-line

Há técnicos das comissões de protecção que dizem que tratam estas vítimas como todas as outras. Há quem assuma que se calhar não está a fazer tudo bem e há quem reclame mais recursos. Resultados de um diagnóstico inédito.

Tiraram a filha do futebol. Obrigaram-na a vestir-se de forma mais feminina. Quando ela tinha 16 anos, a mãe descobriu as cartas que ela trocava com uma namorada. Quis afastá-la da escola e mantê-la em casa. Dizia “que a sua filha não era doente e que eram uma família séria”. Outro pai, quando o filho lhe disse que era gay, deu-lhe uma tareia e proibiu-o de falar de novo no assunto. A mãe, que até parecia apoiar o filho, calou-se também. Muitos casos de jovens lésbicas, , bissexuais ou transgénero (LGBT), tantas vezes alvo de violência familiar, acabam por chegar às comissões de protecção de menores. Estão estas estruturas preparadas? O que acontece quando os jovens são expulsos de casa e têm que ir para uma instituição de acolhimento? Deve haver centros de emergência só para LGBT?

O Diagnóstico de Experiências, Competências e Respostas na Intervenção Institucional com Jovens LGBT em Situação de Violência Familiar e/ou Expulsão de Casa, feito pela Casa Qui, foi apresentado nesta quarta-feira em Lisboa. É o primeiro projecto da associação criada em 2012. Tem o financiamento do EEA Grants, regulado pela Fundação Calouste Gulbenkian ao abrigo do Programa Cidadania Activa.

Foi elaborado a partir de questionários e entrevistas a 19 dirigentes e 39 técnicos de Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), na sua maioria, mas também de Instituições Particulares de Solidariedade Social que acolhem crianças e jovens. Abundam, na síntese tornada pública, citações das conversas mantidas. Algumas declarações chocam pela “falta de conhecimento” que revelam, admitiu ao PÚBLICO Rita Paulos, directora executiva da Casa Qui. “Mas não vamos esperar que as pessoas percebam as coisas se não têm formação, se não lidam com os casos, se não conhecem...”

Excerto de uma entrevista a uma técnica de uma CPCJ que esteve a acompanhar um menor transexual: “Sim, pronto, se calhar tenho de ter algum cuidado por causa da minha curiosidade. Por exemplo, perguntei aquilo das mamas. Ele mostrou logo as mamas, mas eu fiquei a pensar ‘Bem, agora se calhar já exagerámos, não é?’ Mas confesso, foi mesmo uma curiosidade minha pessoal porque eu só via aquilo na televisão e, ao vivo, o miúdo a dizer-me: ‘Então, estão-me a crescer as mamas e não sei quê’ ‘Mas tu tens?’ ‘Tenho’ ‘Então podes mostrar-me?’ E ele pronto. É verdade, ele tem, igual às minhas (risos). Depois agente pensou isso... Mas não aqueceu nem arrefeceu no processo, naquilo que agente ia trabalhar.”

Ou esta, de outra técnica de outra CPCJ, que a propósito do caso do rapaz que foi espancado pelo pai foi questionada pela equipa da Casa Qui sobre como é que achava que outros colegas de comissão iriam lidar com o processo se ele lhes fosse parar às mãos: “Eram capazes de o aconselhar a que se mantivesse... que se calhar não assumisse, que ficasse mais calado, hmm… ou que fosse procurar um técnico na área para ver se era mesmo a orientação que ele queria.”

“Conspiração do silêncio”
São os próprios técnicos questionados que, em muitos casos, admitem que sentem necessidade de formação, apoio, recursos: “Precisamos é de serviços para terapia familiar”, defende um. “Os recursos em termos de psicologia e saúde mental são escassos”, afirma outro.

Mas mostram-se abertos. Alguns números: desafiados a avaliar, numa escala de 1 (equivalente a “Nada”) e 5 (equivalente a “Muito”), em que medida as CPCJ e as IPSS estão familiarizadas com os conceitos de “orientação sexual e identidade/expressão de género”, 12 em 38 responde “4” ou “5” e 20 respondem “3” — sentem-se “mais ou menos” familiarizadas, resume Andreia Pereira, técnica superior da Casa Qui.

Há 26 que acham que a “sensibilidade” dos técnicos para esta temática e bastante boa. Isto, apesar de a maioria (34) relatarem não ter tido qualquer contacto com estes assuntos na sua formação.

A maioria conta que nunca lidou pessoalmente com casos de “crianças ou jovens encaminhados para a instituição onde trabalham por motivos relacionados com orientação sexual e identidade ou expressão de género”. Mas há 11 que dizem que sim, que isso aconteceu. E outros seis lidaram com menores que, apesar de terem sido sinalizados como estando em risco por outras razões, nalgum momento do processo revelaram ter uma orientação sexual ou identidade de género minoritária.

Henrique Pereira, professor e investigador de Psicologia na Universidade da Beira Interior, convidado a comentar o trabalho, na sessão que decorreu na Câmara Municipal de Lisboa, disse que existe uma “conspiração do silêncio” à volta deste tema das crianças e jovens LGBT e admitiu que isso explicará que sejam poucos os técnicos a dizer que já lidaram com estas situações.

Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança, também convidada a comentar os dados, lembrou os seus tempos de magistrada no tribunal de família e menores para dizer que lidou com casos em que as pessoas só contavam o que se estava a passar realmente com elas quando eram instigadas a fazê-lo. Se não se pergunta, elas não dizem.

Suicídio “3 a 4 vezes superior”
A taxa de suicídio entre os jovens LGBT é “três a quatro vezes superior” à dos restantes jovens, recordou ainda Henrique Pereira. Nos Estados Unidos estima-se que entre 12 mil e 24 mil crianças e jovens LGBT estejam a cargo de instituições, sendo que muitos fugiram de casa ou foram expulsos.

A Casa Qui é uma associação de solidariedade social criada em 2012 — só ela recebeu, em menos de um ano, nove pedidos de ajuda de jovens que precisavam de ser acolhidos por causa de conflitos com a família relacionados com a sua orientação sexual ou a identidade de género. A Casa não tem ainda um espaço próprio, a ideia é encaminhar as situações para as respostas mais adequadas, trabalhar em parceria com as instituições, prestar-lhes formação e serviços de consultoria, a qualquer hora em que surja um novo caso mais complexo.

O estudo apresentado nesta quarta-feira é o primeiro passo. Rita Paulos não defende para já a criação de instituições de protecção de crianças e jovens específicas para LGBT — tema sempre polémico (quer antes de mais continuar a estudar e a trabalhar com as instituições que existem). Mais urgente, admite, pode ser encontrar respostas para jovens com mais de 18 anos, que apesar de continuarem muitas vezes dependentes das famílias, já não são enquadrados pelo sistema de protecção se são expulsos de casa.

Sara Teixeira, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, elogiou o diagnóstico da associação que, diz, ajudará a decidir políticas para que este tema ganhe mais visibilidade. Isto apesar de alguns técnicos parecerem defender que ele não é relevante: 14 entrevistados disseram que “a orientação sexual não é pertinente” na sua intervenção.

“Um jovem chegar ao [centro de] acolhimento e dizer que é gay já não ligam, vê-se nos filmes, nas novelas”, conta um. “O procedimento é o mesmo independentemente da orientação sexual”, diz outro. Será isto um sinal de uma sociedade avançada? Ou, como admite Henrique Pereira, sinal de que as pessoas “preferem enterrar a cabeça na areia” a enfrentar uma questão sobre a qual “impera uma brutal ignorância”?