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10.3.16

Desigualdade de género ainda muito presente na sociedade açoriana

Alexandra Narciso, in "Diário dos Açores"

Assinala-se hoje o Dia Internacional da Mulher. A propósito da data, a presidente da UMAR nos Açores revela, ao Diário dos Açores, que o número de chamadas a serem realizadas para o serviço telefónico de apoio tem vindo a diminuir. Não por existirem menos mulheres a sofrer, mas por haver cada vez mais entidades a prestar apoio a casos de violência doméstica e conjugal. Maria José Raposo lamenta que as desigualdades de género e os estereótipos estejam ainda “muito presentes” na sociedade açoriana, salientando haver ainda um longo caminho a percorrer para mudar mentalidades.

Cerca de 200 chamadas foram realizadas em 2015 para a Linha S.O.S. Mulher na região, segundo avançou a presidente da UMAR Açores. Um número inferior ao verificado em anos anteriores, quando a quantidade de chamadas atendidas chegou a passar das 400.
“Nos últimos anos nós tivemos um decréscimo muito grande no número de pessoas a ligar para nós, a partir do momento que passou a existir a linha 144 [Linha Nacional de Emergência], propagada por todo o país”, revela Maria José Raposo, acrescentando, por outro lado, a existência de “cada vez mais serviços de apoio às mulheres que passam por situações problemáticas”. “As pessoas já estão mais informadas, recorrem a estes serviços e ligam menos para nós”, frisa. Além disso, a presidente da instituição aponta que as mulheres têm também recorrido à UMAR através da rede social Facebook ou por email.
Desde 1997 que o serviço telefónico existe nos Açores com o objectivo de prestar apoio gratuito, anónimo e confidencial a mulheres vítimas de violência doméstica e conjugal. Em Janeiro, a linha passou a ter um novo número - 296 629 757. Está já activo, mas ainda em fase de divulgação.
“Trata-se de uma linha de esclarecimento e orientação”, refere José Maria Raposo, cuja finalidade passa também por encaminhar as vítimas para serviços mais adequados às necessidades apresentadas e à sua área de residência. Além do encaminhamento e apoio emocional, o serviço presta informação de natureza jurídica no âmbito da violência doméstica.
O atendimento é assegurado todos os dias, das 7 às 24 horas. Durante os dias úteis, entre as 9h e as 17h30, a linha é atendida pela equipa técnica da UMAR-Açores, enquanto que, no período pós-laboral e durante os finsde- semana e feriados, a linha é encaminhada para um grupo de atendedoras voluntárias que ficam escalonadas ao longo do mês.
As chamadas são efectuadas pelas próprias mulheres vítimas de violência doméstica, mas também por familiares ou pessoas próximas. “Temos recebido chamadas de familiares ou vizinhos a denunciar casos de violência, havendo ainda situações em que a pessoa começa por nos dizer que tem uma amiga que está a passar por um mau bocado. Nós acabamos por perceber que não há amiga nenhuma. É ela própria”, conta Maria José Raposo, sublinhando que a vergonha é um problema sempre presente.
“Apesar dos apoios que existem, há ainda muita vergonha e receio em admitir que se é vítima de violência doméstica e eu entendo que isto aconteça”, refere a presidente da associação. “Colocandonos no lugar destas mulheres, elas pensam: como é que eu vou dizer que sou vítima de violência conjugal deste homem, se eu é que o escolhi para a minha vida e eu é que me apaixonei por ele? Como vou fazer isso se ele, fora de casa, é uma pessoa exemplar?”, salienta.
Segundo Maria José Raposo, a ostracização destas mulheres é ainda “muito frequente” na nossa sociedade, pelo que “é preciso coragem” para assumir o que se passa perante a família e a comunidade. “Isto tem a ver com a nossa educação, com a nossa mentalidade. Nós ainda educamos as nossas filhas para obedecer aos homens”, refere.

Cada vez mais novas e com mais idade
As mulheres que recorrem à UMAR Açores são “cada vez mais novas e cada vez com mais idade”. Quando a instituição surgiu inicialmente, o cenário era diferente. “Tinham entre 30 e 40 e poucos anos. Agora, estamos a receber pedidos de ajuda de jovens de 19 e 20 anos, e de mulheres com 50 e 60 anos de idade”, indica.
Maria José Raposo aponta que as mulheres que chegam à associação são também cada vez mais qualificadas e autossuficientes. “Procuram-nos pessoas de classes mais desfavorecidas e temos também utentes com bons ordenados e, neste último caso, a vergonha é maior e o sigilo é muito mais procurado”, afirma.
Quanto ao estado civil, são na sua maioria casadas, “apesar de muitas viverem em união de facto”. “Estou a falar de casamentos longos, não de um ou dois anos de duração”, frisa.

Desigualdade de género
De acordo com a responsável, as desigualdades de género e os estereótipos estão ainda muito presentes na sociedade, incluindo nos Açores, e dá como exemplo a diferença salarial entre homens e mulheres. “Nós verificamos que, em determinadas profissões e carreiras, as mulheres não chegam ao topo. Porquê? Porque não temos as mesmas capacidades do que os homens?”, questiona. Maria José Raposo recorda que existem mais mulheres do que homens a estudar nas universidades e “que apresentam melhores notas do que eles”. “Onde é que estão estas mulheres? Dificilmente as vemos em cargos de chefia”, lamenta.
Outra problemática que aponta são as situações de assédio sexual sobre as mulheres, “É nitidamente uma violência de género”, considera. “Quando vamos na rua e somos provocadas porque temos uma roupa mais decotada ou mais curta, isto é assédio sexual”, considera.

O Dia Internacional da Mulher em São Miguel
O Dia Internacional da Mulher assinala-se hoje, 8 de Março, em vários países, de forma a reconhecer a importância e contributo da mulher na sociedade e a recordar as conquistas das mulheres e a luta contra o preconceito racial, sexual, político, cultural, linguístico ou económico.
Nos Açores, as comemorações tiveram ontem início com a colocação de uma coroa de flores junto à placa existente de Homenagem às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, no Parque Urbano. O objectivo passou por lembrar as mulheres assassinadas por violência doméstica e de género nos Açores. Segundo o Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA), observatório da UMAR lançado em 2004, foram, desde então, 12 as mulheres mortas pelos companheiros e ex-companheiros na região.
Já hoje, no concelho do Nordeste, decorre esta tarde uma iniciativa da Rede de Apoio Integrado às Mulheres, da qual fazem parte diferentes IPSS e ONG que trabalham na área da igualdade e da violência doméstica e de género.
Em Ponta Delgada, acontece hoje, às 15 horas, no Centro Comercial Solmar uma “Conversa de Mulheres”, com organização da AIPA, Cresaçor e UMAR Açores.
“Podemos não concordar com o Dia Internacional da Mulher e achar que as aspirações que levaram ao surgimento desta data já estão ultrapassadas e conquistadas, mas, ao olharmos à nossa volta, vemos que ainda precisamos de muitos dias internacionais da mulher, para podermos falar de todos estes problemas”, conclui Maria José Raposo.

Participação das mulheres valoriza a cidadania activa

A deputada do PSD/Açores, Judite Parreira, considera que a participação das “mulheres valoriza a cidadania activa. Isso acontece com o papel interventivo que têm na sociedade local, desempenhado nas direcções de colectividades anteriormente totalmente dominadas pelo homem”, referiu.
A social-democrata falava após reunir ontem com um grupo de mulheres representantes de direcções das várias instituições e colectividades da vila das Lajes, “nomeadamente das Sociedades, no Espírito Santo e até no clube Juventude Lajense”, naquele que foi o primeiro de uma série de encontros que a deputada vai realizar com mulheres das freguesias da Terceira, num projecto intitulado “Política com elas”, que pretende “sensibilizar as mulheres para a importância do exercício da cidadania activa”, explicou.
A primeira reunião abordou “a importância de uma maior participação da mulher, também na vida política, usando a igualdade de oportunidades e dos direitos conquistados. Num interessante debate, foi possível compreender a visão destas mulheres sobre a situação política actual que se vive na região, no país e no mundo”, disse Judite Parreira.
A deputada realçou também “os constrangimentos que foram apontados, como a falta de formação política nas escolas, a desmotivação gerada pelo mau exemplo dos governos, ou o descrédito público em políticos e em políticas levadas a cabo por vários governos. Que se tornam razões para uma fraca participação feminina, quer na política activa, quer mesmo nos actos eleitorais”, alertou.
Do encontro resultou “um apelo público à união na luta contra a abstenção, tendo sido traçadas estratégias de combate a esta preocupante situação. Esperamos que estas reuniões nos possam fazer chegar a mais resultados”, concluiu.

Livro “Encruzilhas na Construção da Identidade das Mulheres” lançado hoje

O livro “Encruzilhas na Construção da Identidade das Mulheres”, da autoria de Piedade Lalanda, é apresentado hoje na Biblioteca e Arquivo de Ponta Delgada, Açores.
A obra, editada pela Imprensa de Ciências Sociais, será apresentada por Karin Wall, professora e investigadora do Instituto de Ciências Sociais. “Esta é uma obra que mergulha no mundo familiar, em dois universos de pesquisa, Ponta Delgada e Lisboa, através do discurso de um grupo de mulheres entrevistadas de forma compreensiva”, informa a autora.
Piedade Lalanda é actualmente professora coordenadora na Universidade dos Açores.

30.9.14

Desigualdades de género

Texto de Catarina Maltez, in Público on-line (P3)

As mulheres são vistas como cidadãs de segunda, onde o seu valor se traduz na honra que trazem à sua família e nas suas capacidades de dona-de-casa e de mãe


A atual situação nos campos de refugiados sírios na Jordânia tem sido questão de alarme: o número de casamentos com meninas menores de idade duplicou desde o início da guerra segundo dados fornecidos pela organização não-governamental Save the Children. O que se pode fazer para reverter estas situações?

As soluções encontradas passam por fazer chegar até estas jovens e às suas comunidades mais educação e informação sobre os danos causados por estes matrimónios, promovendo campanhas que se apresentem como alternativas e façam mudar as consciências face a estas uniões conjugais.

Sendo a pobreza um dos fatores-chave destas situações, a ajuda financeira às famílias é também um passo importante que permite que mantenham as suas filhas consigo. Também relevante é o fortalecer das leis e políticas locais de modo a que se possa não só prever mas penalizar severamente aqueles que permitem que tal aconteça, como por exemplo, controlar e monitorizar mais eficazmente o registo dos casamentos efetuados no território.

Estas cerimónias nupciais não são celebradas por escolha própria destas jovens. Na verdade, muitas destas meninas vêem-se obrigadas pelos familiares a casarem com homens mais velhos de modo a poderem escapar a situações de rapto, violação e pobreza (que são as principais causas para a maioria dos casamentos realizados); como tal ficam privadas da sua infância e das suas vidas, e entre juras de fidelidade e obediência, são entregues a um homem que frequentemente nem sequer conhecem antes da boda.

Na sua maioria, as vítimas ficam com a sua educação interrompida, o que leva não só a que tenham menos oportunidades no futuro mas também a que tenham pouco ou nenhum acesso a educação sexual e reprodutiva. Tal falha origina em muitos casos gravidezes indesejadas, violência doméstica e sérios danos morais e psicológicos; tais consequências são especialmente severas se à data do casamento, as jovens noivas tiverem menos de dezoito anos, segundo estatísticas fornecidas por a UNICEF.

Desigualdades de género

Estes casos são também claros exemplos de desigualdades de género: as mulheres nestas culturas são vistas como cidadãs de segunda, onde o seu valor se traduz na honra que trazem à sua família e nas suas capacidades de dona-de-casa e de mãe; como tal, ao sujeitar estas crianças a casamentos precoces, estamos a perpetuar um contínuo círculo de desigualdade e violência. As vendas destas meninas sírias são um flagelo social e uma violação dos seus direitos, mesmo que a família tenha dado a sua permissão.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecida em 1948, estabelece segundo o artigo 16º o direito ao casamento desde que este seja a partir de “idade núbil” e tem de existir um “pleno consentimento dos futuros esposos”. Enquanto não houverem medidas suficientes, jovens meninas continuarão a caminhar em direção a um matrimónio que não desejam, a envergarem vestidos brancos e a serem obrigadas a celebrarem o que deveria ser um dos dias mais bonitos da sua vida. Mas não o é. Retiraram-lhes o direito até a isso.