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6.11.18

Maria morreu. O "casamento mais bonito do mundo" continua

Bárbara Figueiredo, in JN

Avelino Cunha, de 82 anos, mora em Maiorca, Figueira da Foz, e perdeu em maio a sua "menina", Maria Manuela Pinto. Sofria de Alzheimer. Como tem vivido depois disso, só ele sabe, e enfrentar o primeiro Dia de Todos os Santos sem a mulher vai ser "mais um desafio".

"São tantas as datas importantes que agora vou viver sem ela mas, enquanto puder andar, irei ao cemitério todos os dias. Alguma vez me ia conseguir deitar sem a ir ver?", perguntou sentado no sofá onde diz ter conversado muito com Maria Manuela, noutros tempos.

Avelino perdeu Maria no passado dia 19 de maio e, desde aí, tem sido uma luta constante contra as saudades. Já o amor do "casamento mais bonito do mundo", esse mantém-se intacto.

O dia de hoje, para Avelino, que confessa ser "de famílias muito religiosas", é um novo "desafio" que pretende enfrentar, dando "três beijinhos" na fotografia da sepultura, como tem feito desde há quase seis meses. Mas é um dia novo.

Há muitos anos, contou, tinha prometido à mulher que, quando fossem idosos, faria um quarto para eles no rés-do-chão da casa, para poderem "estar no conforto e no quente". "Percebe? Eu preparei tudo, mas ela só aqui conseguiu ficar um mês e meio comigo. Eu fiz de tudo".
A história de amizade que se tornou amor
Avelino foi aos 14 anos para Lisboa, trabalhar como carpinteiro, e Maria fazia visitas regulares à cidade para acompanhar o pai em idas regulares ao hospital. Apesar de se conhecerem desde crianças, uma vez que moravam ambos em Maiorca, a amizade cresceu pelas ruas da capital e, mais tarde, quando Avelino tinha 21 anos e se tornou carteiro, já fora da cidade, a história tornou-se de amor.

"Eu ficava espantado quando vivia em Lisboa e ouvia os comerciantes ambulantes com os seus pregões e a Maria adorava também", até porque mais tarde, na Figueira da Foz, se veio a tornar vendedora de fruta no Mercado Municipal.

Os pregões de Lisboa vieram então a tomar outra importância quando Maria adoeceu, porque Avelino lhos cantava todos os dias para a fazer lembrar das coisas. "Ela lá lembrava, mas também se fartava deles e, quando isso acontecia, eu lembrava-a que nasci no dia de anos de Bocage (15 de setembro) só que ele nasceu 200 anos antes de mim e, como tal, eu sabia inventar muitas anedotas para a fazer rir", conta, ainda apaixonado pela sua Maria.

"Era uma vez uma velhinha, quase cega, coitadinha. E já mal podendo andar, encostava o seu bordão sempre olhando para o chão. Ia na estrada a passar e ouviu um cão que ladrou. A pobrezinha parou, ficando assustada, encostada no seu bordão, sempre olhando para o chão, caiu. Nisto, surge uma menina viva, formosa e ladina que disse 'Eu levanto-a avozinha e levo-a à sua casinha. Onde lhe dói, o que tem? Diga que eu vou já buscar qualquer coisa para a curar, vou pedir à minha mãe'. Não foi nada, meu amor. Tu és um anjo, uma flor, ajuda-me só a andar. Deus te pague a tua bondade, disse a velhinha a chorar", recita Avelino, recordando as vezes sem conta em que se sentou ao lado da mulher para lhe cantar esta lengalenga.

"Cantei-lhe isto, dias, dias e dias mas ela também se fartava desta história e lá tinha eu de inventar outras", para a manter por cá. Mas as histórias não eram a única forma de a manter entretida e feliz. As peras e maçãs que assava enquanto a mulher estava acamada eram servidas com uma mentira piedosa, mas que a fazia muito feliz. O segredo era dizer-lhe que a fruta vinha do terreno da rua do Castelo, onde Maria Manuela viveu quando era nova, e aí, "isso é que era vê-la comer".

No dia 12 de novembro, o casal faria 60 anos de casados e, para Avelino, continua a ser um dia feliz, por a vida lhe ter deixado intacto o amor. Maior desafio é o novo ritual de visitar a amada no cemitério neste dia. "Todos os dias a visito e lhe dou três beijinhos". O dia de hoje não será exceção.

Para o futuro, o pedido que faz é simples. "Já tenho uma carta escrita para a minha filha e para a minha neta, para quando eu morrer, meterem no meu caixão a trança que a minha mulher usou muito tempo e depois cortou, bem como as argolas grandes que usava. É que esqueci-me de meter isso com ela, porque são dias de grande aflição, sabe? Mas levo um dia comigo para ao pé dela."

29.4.16

Mais de metade dos bebés nasceram "fora do casamento" em 2015

Inês Schreck, in Jornal de Notícias

Em 2015 nasceram mais bebés do que no ano anterior e mais de metade são filhos de pais não casados, revela o Instituto Nacional de Estatística.

No ano passado nasceram com vida 85500 crianças de mães residentes em Portugal. São mais 3133 bebés (3,8%) relativamente a 2014.

Do total de nascimentos em 2015, 50,7% são bebés "fora do casamento", segundo as Estatísticas Vitais do INE.

Um aumento ligeiro face a 2014 (49,3% bebés "fora do casamento"), mas mais expressivo quando comparado com 2010 (41,3%).

Destes bebés "fora do casamento", 34,4% nascem num ambiente familiar em que os pais coabitam. Em 16,3% dos casos não há coabitação dos pais.

O projeto de ter filhos continua a ser adiado, mostram as Estatísticas Vitais de 2015, divulgadas, esta quinta-feira, no site do INE. Há cada vez menos bebés nascidos de mães com menos de 20 anos (2,1%) e continua também a diminuir o número de bebés filhos de mães com idades entre os 20 e os 34 anos.

Por oposição, entre 2010 e 2015, verificou-se um aumento de 7,7% no número de crianças nascidas de mães com mais de 35 anos.

O aumento dos nascimentos em 2015 foi acompanhado por uma subida do número de mortes.

Registaram-se 107511 óbitos de residentes em território nacional, mais 3668 (3,5%) face a 2014, o que dá um saldo natural negativo de 23011 pessoas. Em 2014, o saldo natural foi de menos 22423. Há sete anos consecutivos que se registam mais mortes do que nascimentos em Portugal.

As estatísticas do INE revelam ainda que o número de casamentos celebrados em Portugal (32393) registou um aumento ligeiro face a 2014 (mais 915), contrariando a evolução dos últimos anos.

30.9.14

Desigualdades de género

Texto de Catarina Maltez, in Público on-line (P3)

As mulheres são vistas como cidadãs de segunda, onde o seu valor se traduz na honra que trazem à sua família e nas suas capacidades de dona-de-casa e de mãe


A atual situação nos campos de refugiados sírios na Jordânia tem sido questão de alarme: o número de casamentos com meninas menores de idade duplicou desde o início da guerra segundo dados fornecidos pela organização não-governamental Save the Children. O que se pode fazer para reverter estas situações?

As soluções encontradas passam por fazer chegar até estas jovens e às suas comunidades mais educação e informação sobre os danos causados por estes matrimónios, promovendo campanhas que se apresentem como alternativas e façam mudar as consciências face a estas uniões conjugais.

Sendo a pobreza um dos fatores-chave destas situações, a ajuda financeira às famílias é também um passo importante que permite que mantenham as suas filhas consigo. Também relevante é o fortalecer das leis e políticas locais de modo a que se possa não só prever mas penalizar severamente aqueles que permitem que tal aconteça, como por exemplo, controlar e monitorizar mais eficazmente o registo dos casamentos efetuados no território.

Estas cerimónias nupciais não são celebradas por escolha própria destas jovens. Na verdade, muitas destas meninas vêem-se obrigadas pelos familiares a casarem com homens mais velhos de modo a poderem escapar a situações de rapto, violação e pobreza (que são as principais causas para a maioria dos casamentos realizados); como tal ficam privadas da sua infância e das suas vidas, e entre juras de fidelidade e obediência, são entregues a um homem que frequentemente nem sequer conhecem antes da boda.

Na sua maioria, as vítimas ficam com a sua educação interrompida, o que leva não só a que tenham menos oportunidades no futuro mas também a que tenham pouco ou nenhum acesso a educação sexual e reprodutiva. Tal falha origina em muitos casos gravidezes indesejadas, violência doméstica e sérios danos morais e psicológicos; tais consequências são especialmente severas se à data do casamento, as jovens noivas tiverem menos de dezoito anos, segundo estatísticas fornecidas por a UNICEF.

Desigualdades de género

Estes casos são também claros exemplos de desigualdades de género: as mulheres nestas culturas são vistas como cidadãs de segunda, onde o seu valor se traduz na honra que trazem à sua família e nas suas capacidades de dona-de-casa e de mãe; como tal, ao sujeitar estas crianças a casamentos precoces, estamos a perpetuar um contínuo círculo de desigualdade e violência. As vendas destas meninas sírias são um flagelo social e uma violação dos seus direitos, mesmo que a família tenha dado a sua permissão.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecida em 1948, estabelece segundo o artigo 16º o direito ao casamento desde que este seja a partir de “idade núbil” e tem de existir um “pleno consentimento dos futuros esposos”. Enquanto não houverem medidas suficientes, jovens meninas continuarão a caminhar em direção a um matrimónio que não desejam, a envergarem vestidos brancos e a serem obrigadas a celebrarem o que deveria ser um dos dias mais bonitos da sua vida. Mas não o é. Retiraram-lhes o direito até a isso.


2.7.14

Até que nem a morte os separe

Por: Sandra Ferreira, in Notícias Magazine

O casal mais velho do país jurou há quase 78 anos que só a morte o iria separar.

Vicente, 104 anos; Augusta, 100. O casal mais velho de Portugal. Juraram há quase 78 anos que iam ficar juntos «até que a morte os separe». Não vão cumprir o juramento. Já compraram duas campas no cemitério da aldeia onde viveram a maior parte da vida. Para que nem a morte os separe.

Lucinda pousa a mão no rosto enrugado de Vicente antes de fazer a pergunta: «Estás bem?» O marido já tem dificuldade em ouvir à primeira. Acaba por responder, mas sem gastar mais do que duas palavras, que pronuncia de olhos fechados: «Estou… Cala-te.» Lucinda obedece. Dá-lhe um beijo na face e sossega. Fica deitada ao lado de Vicente. Vigilante. Lucinda, com um século de vida, passa as noites com uma das mãos no ombro de Vicente. Com a outra vai compondo o edredão quadriculado, em tons vermelho e amarelo. Fica muitas noites a olhar para as paredes vazias, pintadas de bege. Entre a porta e as duas camas individuais, en­costadas uma à outra, há um pequeno móvel com a Sagrada Família. Reza para que Deus não lhe leve ainda o único homem para quem teve olhos, antes e ao longo dos quase 78 anos que levam de casamento. No último ano, Vicente Dias passou a estar numa cadeira de rodas. Duas cirurgias à mão direita, já amputada, enfraqueceram-lhe as pernas de 104 anos. O casal mais velho do país saiu há três anos da casa alugada onde vivia em São Cipriano. Deixaram a aldeia do concelho de Resende com a promessa de voltar. Foi aqui que escolheram ter a última morada. A dois. Agora vivem ali perto, em Freigil, na casa da neta Maria do Céu Dias, que trabalha num centro para idosos mas para onde se recusa levar os avós.

«Po-los num lar estava fora de questão e tomei a opção de ficar com eles», diz a mulher de 47 anos, casada e com dois filhos. Vivem todos numa grande vivenda isolada, da cor do cimento, já que a tinta não chegou às paredes exteriores. Foi construída há uma década, com vista para uma imensa paisagem verde, cortada por uma estrada pouco movimentada e onde quase só se ouvem pássaros. «A nossa casa era muito pobre, aqui estamos melhor, mas não é a nossa», diz Lucinda, com o olhar em direção à porta da sala, de um castanho mais claro do que os seus olhos. Sentada direita no sofá estampado, vai ajeitando a saia e o longo cabelo branco, preso atrás com uma travessa. Tem pele demasiado lisa para a idade. Abeira-se do marido, mima-o com beijos no rosto. Vicente nem se mexe. Lucinda sempre cuidou dele «na saúde e na doença». Por mais anos que passem não lhe encontra defeitos. «Não tem nenhum», assegura. «Fez-me sempre as vontades, foi muito meu amigo.» Une as palmas das mão e diz: «Fomos sempre assim…» Faz uma pausa, ganha fôlego e conclui orgulhosa: «Nunca me chegou uma bofetada!», convencida de ser a protagonista de um caso raro de respeito para a época. «Ele também deu com uma mulher que fazia tudo. Até as ceroulas!», diz, como quem explica que o amor do marido foi merecido. Conhecem-se desde crianças. Moravam ambos em São Cipriano. Não frequentaram a escola. Não era para pobres. Cruzaram-se nos trabalhos da lavoura. Acabou por escolhê-la para esposa, depois de ter ido à tropa e de ter acabado o namoro com a filha de um regedor. «Ela era rica e eu uma triste, mas ele gostou de mim», diz Lucinda, com os olhos a brilhar e o sorriso fácil. Está sempre disposta para dois dedos de conversa, apesar das frases soltas. Vicente, de olhos azuis-claros, observa de forma fixa e demorada quem o rodeia. Não diz quase nada, mas tem expressão de quem pensa tudo. Sem perder a lucidez. Esboça um sorriso matreiro quando, a custo, confessa do que mais sente sauda­des: «De querer ir às raparigas.»

Nasceu a 25 de dezembro de 1910. Foi o ano em que foram publicadas as leis da família e do divórcio. Desde então, o registo civil passou a ser obrigatório além do paroquial. Para o casal só existe a lei da família. Casaram-se a 28 de julho de 1938, com nove escudos que não davam para comprar as alianças, que nunca tiveram e nunca lhes fizeram falta. «No dia do casamento, uma cunhada emprestou-me a dela, fiz de conta que a coloquei no dedo. No final devolvi-a», recorda Lucinda, a sorrir. Foi uma cerimónia simples. «Só tivemos um almocito, mas graças a Deus fomos todos bem», diz. Melhores foram os anos que se seguiram. Tiveram um rapaz e duas raparigas que lhes deram 12 netos que, por sua vez, acrescentaram 20 bisnetos. Seguiram-se mais nove tetranetos e mais um que está para nascer. Vão ser 42. Reuniu-os todos a 24 de maio, na festa dos 100 anos, assinalados com uma missa na igreja de São Cipriano, à qual deixou de ir, não por não ter quem a leve mas porque recusa ir sem o companheiro. A missa e o terço passaram a ser vistos pela televisão.Levantam-se às nove horas. Ela toma banho e veste-se sozinha. Vicente não faz nada sem a neta ou a empregada contratada para ajudar. Uma das duas empurra-lhe a cadeira de rodas em direção à cozinha para comer as papas. A companheira já o aguarda, pronta a beber o leite com cevada e comer o pão. Comem de tudo, mas para ele é tudo triturado. Sem a mão direita, só aceita que a comida lhe chegue à bo­ca pelas mãos da neta ou da empregada. Lucinda só pede ajuda à bengala. Abre a porta da rua, desce a barreira em aço inox que foi colocada ao lado de dois degraus que levam ao acesso de terra batida. Fica ali a apreciar o jardim, as cerejei­ras carregadas e as oliveiras junto à casa. Depois desce o caminho até à estrada. Dá meia volta e regressa a casa para se juntar ao marido, que, quase sempre, prefere ficar a descansar no quarto. «Agora não faço nada!» É a maior queixa de Lucinda, que agradecia que a deixassem fazer mais do que descascar batatas e cebolas. «A minha avó sempre foi muito ativa e lembro-me da cama fofinha que me fazia», recorda a neta. Agora é tempo de retribuir. Lucinda encolhe os ombros e desabafa: «Trabalhei desde que me conheço», diz, agora a querer falar mais depressa para relatar as duras tarefas do campo. «Fazia tudo, menos a poda, que era só para os homens, mas tratava de quatro vacas e de um boi.» Olhando para trás, recorda: «Era uma vida muito alegre.» Nas horas de calor e aos serões jogavam às cartas, umas vezes à bisca, outras ao burro ou ao que calhava. «Era um vício muito grande.»Agora quando olha para o marido suspira. «Acho que ele está por dias. E eu, só Deus é que sabe», diz, com as mãos erguidas para o céu. O que o casal tem é a certeza de que quando partir regressa a São Cipriano. Juntos em vida, não serão separados pela morte. Vão ficar unidos no pequeno cemitério, onde há dez anos compraram duas campas. Uma ao lado da outra. «Assim continuamos a tomar conta um do outro», diz Lucinda, em jeito de brincadeira. «Até podemos jogar às cartas.»

14.5.14

Famílias: da promessa "felizes para sempre" caiu o "para sempre"

Natália Faria, in Público on-line

Quase 15% das famílias são constituídas por um pai ou uma mãe sós. A ruptura conjugal é o principal factor que explica a monoparentalidade.

Famílias perdem na dimensão institucional, mas afirmam-se cada vez mais enquanto lugar de afectos Jeff Belmonte/Flickr/Creative Commons

Recompostas, monoparentais, sem papel passado, voláteis, com filhos mas cada vez mais em versão mini: as famílias portuguesas são o espelho perfeito das mudanças registadas na sociedade portuguesa nas últimas décadas.

Desde logo, porque o casal, apesar de continuar a ser a figura predominante de organização familiar, tem vindo a perder terreno para as famílias monoparentais. Em 2011, 14,9% das famílias eram constituídas por pai ou mãe sós com filhos. Vinte anos antes, em 1991, havia apenas 9,2% de famílias nesta situação.

Os dados divulgados nesta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a propósito do Dia Internacional da Família que se comemora amanhã, mostram ainda que, entre 1991 e 2011, a monoparentalidade por ruptura conjugal (divórcio ou separação) subiu de 21,9 para 43,4%. Algumas décadas antes, os núcleos monoparentais existiam também, mas decorriam sobretudo de situações de viuvez ou emigração de longo prazo.

Não quer isto dizer que a família esteja em crise. Quer apenas dizer que na promessa do “felizes para sempre”, caiu o “para sempre”. “As pessoas continuam a considerar a família a primeira prioridade das suas vidas”, enfatiza a socióloga Anália Cardoso Torres, para quem “há até uma revalorização dos laços familiares”.

Recuperando os dados do European Social Survey, cujos inquéritos se têm repetido de dois em dois anos, Anália Torres recorda que, na escala de prioridades dos inquiridos, surge a família em primeiro lugar, depois o lazer e depois o trabalho. “Primeiro vêm os afectos, depois o tempo para curtir esses afectos e só depois o trabalho, porque é preciso pagar isso tudo”, brinca a socióloga.

Longe de considerar o crescente número de divórcios e separações como sinal de crise da família, a socióloga entende que aqueles representam quase sempre uma insistência na família enquanto lugar de afectos. “As pessoas não suportam que essa dimensão das suas vidas corra mal precisamente porque ela é central. E por isso é que os primeiros casamentos descem, dando lugar a outras formas de viver em conjugalidade, mas os segundos casamentos de divorciados tendem a aumentar”, sublinha.

Efectivamente, os núcleos de casais reconstituídos (com pelo menos um filho não comum) representavam em 2011 6,6% do total de casais com filhos. Dez anos antes, o seu peso era de 2,7%, o que, segundo o próprio INE, “evidencia que a recomposição familiar após um divórcio ou separação se tornou uma prática mais comum nas famílias portuguesas”.

Ainda sobre as famílias de pais ou mães sós, o INE mostra que as famílias de mães sós representam 86,7% dos núcleos monoparentais. E, se estivermos a falar só dos núcleos monoparentais com filhos menores de 18 anos, a proporção dos núcleos femininos sobe para os 89,2%.

Quanto à dimensão institucional, aqui sim, pode-se dizer-se que a família se precarizou. Nos últimos 20 anos, o peso dos casais em união de facto quase quadruplicou. Passou de 3,9%, em 1991, para 13,3%, em 2011.Esta crescente informalização dos laços familiares acompanha quer as famílias sem filhos, quer as famílias com filhos.

Sem surpresas, as famílias numerosas continuam a perder importância numérica. Em 2011, apenas 7,4% das famílias tinham três ou mais filhos (eram 16,8% em 1991). Em consonância, e sem surpresas também, numa altura em que a queda na natalidade se assumiu como emergência nacional, o número médio de filhos por mulher em idade fértil desceu para um mínimo histórico (1,35 filhos em 2011 para 3,2 filhos em 1960).

3.2.14

Portugal tem mais crianças nascidas fora do casamento do que Espanha

Natália Faria, in Público on-line

Quase 46% das crianças portuguesas nascem fora do casamento, segundo dados divulgados esta segunda-feira pelo INE. Em Espanha, a percentagem desce para os 35,3

Os portugueses têm mais filhos fora do casamento do que os espanhóis. E vivem menos tempo.

A realidade ibérica, posta em números esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui que a percentagem de nados-vivos fora do casamento em 2012 foi de 45,6% em Portugal contra os 35,3% de Espanha. Já a esperança média de vida saudável aos 65 anos era de 9,2 anos para as espanholas e de apenas 6,4 anos para as portuguesas. A diferença, neste caso apoiada em indicadores de 2011, aplica-se igualmente aos homens: os espanhóis podem contar com mais 9,7 anos de vida saudável depois dos 65 anos, enquanto para os portugueses a esperança cai para os 7,9 anos.

A comparação entre os dois países da Península Ibérica aponta também algumas semelhanças: o casamento continua a recuar em ambos. Em Portugal, entre 2003 e 2012, a taxa de nupcialidade caiu de 5,1 casamentos por mil habitantes para apenas 3,3 e, em Espanha, a diminuição no mesmo período foi de 5,0 para 3,6.

Quanto às três principais causas de morte, são as mesmas nos dois países: doenças do aparelho circulatório, tumores e doenças do aparelho respiratório.

Em 2012, o Alentejo era a região ibérica com mais idosos: 24,2% dos residentes tinham 65 ou mais anos de idade.

6.11.13

As novas qualidades das famílias, um olhar

José Morgado, in Público on-line

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, e como seria de prever em comunidades em permanente mudança, verificam-se alterações no universo do casamento, dos divórcios e em termos gerais da conjugalidade, indiciando transformações, algumas das quais com uma provável ligação com a situação grave que atravessamos.

É o caso da maior duração dos casamentos verificada nos últimos cinco anos, fenómeno que pode decorrer de situações de pessoas que, pondo fim à relação conjugal, continuam a partilhar a mesma casa por razões económicas ou que nem sequer assumem a separação por insegurança face ao futuro. É de registar ainda uma diminuição, nos últimos dois anos, do número de divórcios que alguns especialistas relacionam com a natureza mais informal que as relações têm vindo a assumir, implicando que quando terminam não se verifique um processo formal de divórcio.

De facto, as dinâmicas de mudança no universo das famílias, designadamente na sua constituição, organização e funcionamento, têm sido recorrentemente objecto de referências de natureza diferenciada que, do meu ponto de vista, valorizam pouco, por vezes nem referem, algo que me parece importante: os impactos destas mudanças na educação familiar que considero um dos mais complexos desafios sociais. Dito de outra forma, importa reflectir sobre o que é, o que deve ser, como deve ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.

O paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou substantivamente, o que não significa, obviamente, a alienação do papel educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai assumindo, parafraseando Camões.

Por questões de logística e funcionalidade ligadas aos estilos de vida e alteração de valores, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o Ministério da Educação e Ciência se lembrou de chamar, de forma infeliz, “escola a tempo inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar.

Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” com um eventual conflito o "pouco tempo" que têm com elas ou para elas.

Uma outra questão prende-se com o modo e a dificuldade que muitos pais referem sentir quando lidam com as crianças em situação de “duas famílias”. Mais uma vez, as inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para embaraços que levam os pais a pedir ajuda. Como sempre digo, é preferível uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das crianças repartida. Aliás, temos tragicamente na agenda destes dias dois devastadores exemplos, a jovem mãe de Braga que terá decido colocar um fim na sua vida arrastando um bebé de dois anos, situação que terá acontecido no contexto de uma separação conjugal; e o caso da indigna e obscena exposição do processo de separação entre duas figuras públicas que corre o risco fortíssimo de atropelar o bem-estar de duas crianças, filhas do casal, para além, evidentemente, do sofrimento provocado às várias pessoas envolvidas em qualquer das situações.

A situação dos casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço ou que nem sequer assumem a separação, criando uma situação de "casados por fora" e "descasados por dentro", poderá implicar, quando existem filhos, alguma ansiedade e inquietação nos adultos sobre a forma de lidar com um contexto em que aparentemente existe uma família quando na verdade já são duas com uma ou mais crianças entre elas.

A experiência mostra, como referi acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente complexa, não existem dois contextos familiares iguais, sendo que, para além de tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções de natureza ética, religiosa e moral.

Assim sendo, importa estarmos atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os pais revelem e exprimam mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem mais frequentes e graves do que julgamos. Basta olhar à nossa volta com alguma atenção.

30.10.13

Número de emigrantes em 2012 foi superior ao total de nascimentos

Raquel Albuquerque, in Público on-line

Num só ano, mais de 120 mil portugueses deixaram o país. “São ordens de grandeza que nos atiram para os anos 60.” Os demógrafos avisam: é o futuro do país que está em causa.

A população portuguesa voltou a descer pelo terceiro ano seguido e o saldo migratório negativo foi um dos principais contributos para a quebra.

Em resultado dos valores negativos do crescimento natural e do crescimento migratório, a população portuguesa voltou a diminuir, segundo as Estatísticas Demográficas de 2012 publicadas nesta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Se, por um lado, houve menos de 90 mil nascimentos, por outro houve cerca de 121 mil emigrantes temporários e permanentes.

Confirmando as previsões e a tendência dos últimos anos, os nascimentos voltaram a descer, mas desta vez marcaram um recorde histórico ao ficar abaixo dos 90 mil (89.841). Foram menos 7,2% do que em 2011, quando se registaram 96.856 nascimentos, representando nessa altura uma quebra em relação ao ano anterior, ao descer abaixo dos 100 mil.

Quanto ao número de óbitos, registaram-se 107.612 em 2012, um aumento de 4,6%. Conclui-se que o crescimento natural foi, portanto, negativo: houve mais 17.771 mortes do que nascimentos, uma diferença três vezes acima do que se tinha verificado em 2011.

É precisamente nestes valores, ou “ordens de grandeza”, que está a novidade, porque as tendências já vêm dos últimos anos, explica Maria João Valente Rosa, demógrafa e directora da Pordata. A especialista sublinha que a diminuição dos nascimentos “não é de hoje” e que o número de óbitos se deve à população. “Há mais gente nas idades em que se morre mais”, conclui.

Para além do valor negativo do crescimento natural (ou seja, da diferença entre nascimentos e óbitos), a grande novidade e o principal contributo para a diminuição da população está no saldo migratório. “Se muitos destes dados estavam inscritos a médio ou longo prazo, o saldo migratório não. Nos dois anos recentes, voltámos a uma situação anterior, com saldo migratório negativo, por efeito da imigração a diminuir e da emigração a aumentar”.

Segundo os dados do INE, houve 121.418 pessoas a sair de Portugal em 2012, número resultante da soma dos emigrantes permanentes e dos emigrantes temporários (pessoas com intenção de permanecer no estrangeiro por um período inferior a um ano). “São ordens de grandeza que nos atiram para os anos 60. Estão a sair mais pessoas do que as que nasceram”.

Enquanto o número de emigrantes permanentes foi de 51.958, os imigrantes permanentes ficaram-se pelos 14.606. A saída massiva de pessoas e a fraca atractividade de Portugal actuam em conjunto. “É uma situação que nos obriga a pensar seriamente e tem a ver com o posicionamento do país face ao exterior. Está a perder pessoas porque muitas estão a sair e muitas já não estão a entrar”, acrescenta a directora da Pordata.

Quem é que emigra?
O aumento das saídas e a diminuição das entradas estão ligados à natalidade. “Quem é que emigra? A população jovem. Não só perdemos os nossos jovens, como não temos os imigrantes jovens. Isso acentua o envelhecimento e a descida da natalidade”, aponta Ana Fernandes, demógrafa e professora catedrática no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).

Também a directora da Pordata explica a ligação. “Quem tende a sair está em idade activa, que também é a idade mais fértil. E a outra questão é a percentagem de nascimentos de mães de outras nacionalidades: se esses imigrantes saírem, isso pode reflectir-se nos nascimentos.”

Quanto à diminuição da natalidade, há dois pontos a salientar: a acentuação do declínio da fecundidade e o adiamento da idade das mulheres no nascimento dos filhos. De acordo com a análise demográfica do INE, o decréscimo das taxas de fecundidade verificou-se em todos os grupos etários, com excepção do grupo entre os 45 e os 49 anos. O índice de fecundidade passou de 1.35 para 1.28 filhos por mulher.

Essa é variável “mais preocupante”, segundo Ana Fernandes. “É um valor nunca antes registado, é baixíssimo.” Por seu lado, segundo o INE, as alterações do comportamento face à fecundidade também se reflectem no aumento da idade média da mulher no nascimento do primeiro filho, que passou dos 29,2 anos para os 29,5 em 2012.

“Actualmente, as mulheres são mães seis anos mais velhas do que eram no início dos anos 80”, refere Maria João Valente Rosa.

Descida dos casamentos e divórcios
Em linha com a tendência dos últimos anos está também o aumento do número de nascimentos fora do casamento. Foi o caso de 45,6% dos bebés nascidos em 2012, um número directamente ligado à diminuição dos casamentos, sobretudo os casamentos católicos, nas últimas duas décadas. De acordo com o INE, houve menos 1612 do que em 2011 (realizaram-se 34.423, dos quais 324 foram casamentos entre pessoas do mesmo sexo).

Também os divórcios voltaram a descer: foram 25.380 em 2012, menos 1371 que em 2011. A diminuição já se tinha verificado em 2011 — foi essa a primeira quebra desde 2005 — e a crise foi apontada como uma das razões.

Como nota positiva, Maria João Valente Rosa aponta a esperança média de vida à nascença, que para o triénio 2010-2012, segundo o INE, foi de 76,67 anos para os homens e de 82,59 anos para as mulheres.

Os números mostram a contínua tendência de envelhecimento demográfico, resultado do aumento do número de idosos e da diminuição da população jovem e em idade activa. Face à população residente, a proporção de jovens passou de 14,9%, em 2011, para 14,8%, em 2012, e a população em idade activa de 66% para 65,8%. Já a proporção de idosos, com 65 ou mais anos, aumentou de 19% para 19,4%. Ou seja, o índice de envelhecimento passou de 128 idosos por cada 100 jovens (em 2011) para 131 idosos por 100 jovens (em 2012).

15.2.13

Unidos, de facto

Raquel Albuquerque, in Público on-line

O número de pessoas em união de facto quase duplicou em dez anos, os casamentos desceram 39%. Não se gosta menos, dizem os sociólogos. Conquistou-se foi a liberdade de escolher a conjugalidade


Decidiram ir viver juntos há dois anos, sem que um casamento tenha sido o motivo dessa decisão. Marta Zagalo e José Dias viveram em casas separadas durante o namoro. Uma outra coisa, “que valeu mais do que um contrato de casamento”, motivou a decisão: o nascimento do primeiro filho. “Antes de o Gustavo nascer, éramos um casal de namorados unidos, mas de certa maneira cada um com a sua vida”. Hoje têm uma responsabilidade e vida em comum, mas sem o oficializarem num papel: vivem em união de facto.

Ambos fazem parte da geração que está a gerar a última quebra nos casamentos. Os números mostram-no: houve menos 39 por cento de casamentos em 10 anos (os casamentos católicos diminuíram 61 por cento). E num ano, de 2010 para 2011, houve menos 4 mil casamentos. Ao mesmo tempo, aumentou o número de pessoas em união de facto (cerca de 381 mil em 2001 para 730 mil em 2011) e a percentagem de nascimentos fora do casamento foi de 42,8% em 2011, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Tanto Marta como José, de 32 e 36 anos, fazem parte da “geração da modernidade avançada”, como refere Maria das Dores Guerreiro, socióloga, professora do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). “É a geração que está no ‘mercado matrimonial’”. São jovens com valores modernos, baseados em novos modelos de constituir família. Embora numa mesma geração existam diferentes formas de conceber o casamento, lembra a socióloga, estes são jovens que tendem a apostar na formação individual, não só académica, mas também afectiva. Também apostam numa fase de experimentalismo, em que testam viver a dois, a tempo inteiro ou "numa vivência em part-time, na qual a sexualidade está mais presente”, descreve a socióloga.

Marta e José correspondem a grande parte dessas características, mas também não excluíram a ideia do casamento, desde que seja uma “celebração de vida, como as bodas de prata ou diamante”, não um contrato. “Não faz sentido aplicar as regras de uma relação contratual a uma união entre duas pessoas”, diz José Dias. Para eles o casamento é “um constrangimento”. Para os amigos, dizem, menos um casamento não é nada grave, “significa menos uma festa, uma despedida de solteiro, um presente”. Já para os familiares, sobretudo os de mais idade, “a adaptação à nossa realidade de família não casada foi mais difícil, mas ambas as famílias foram muito tolerantes”.

O que os leva a não casar
Entre as pessoas hoje em união de facto, a maioria tem entre 25 e 44 anos. Os números mostram que 69% das 730 mil pessoas em união de facto são solteiras. A seguir estão as pessoas divorciadas (24%), as viúvas (4%) e as pessoas ainda legalmente casadas (3%), segundo os dados dos Censos de 2011. “O estado civil legal e a vivência em união de facto foram observadas através de duas variáveis independentes”, esclarece o Gabinete de Censos do INE. “As alterações tiveram como objectivo acompanhar as mudanças ocorridas ao nível da conjugalidade”. Quanto ao conceito de ‘união de facto’, é definido pelo INE como “a situação de duas pessoas de sexo oposto ou do mesmo sexo que vivem juntas como casal sem que sejam legalmente casadas uma com a outra”.

Quanto a informações mais detalhadas sobre quem vive em união de facto, o Gabinete dos Censos explica que os questionários “foram objecto de apreciação” pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, que “emitiu decisão no sentido de eliminar-se a informação respeitante às variáveis relativas a união de facto, entre pessoas do mesmo sexo e entre pessoas de sexo diferente, por se enquadrarem na esfera de dados sensíveis, designadamente de dados sobre a vida privada”.

Só que o facto de uma união de facto não obrigar a um registo vai tornar mais difícil, por exemplo, acompanhar as dissoluções das uniões. Em termos estatísticos, diz o INE, “o facto de não existir um registo dificulta sempre a observação do fenómeno”.

Assim como se vê o aumento das uniões de facto, vê-se a diminuição dos casamentos. Para além da perda de valor institucional, que Marta e José descrevem, há outros motivos. Se olharmos para a quebra dos primeiros casamentos – entre a geração que está no mercado matrimonial – então é de considerar uma transição para a vida adulta cada vez mais tardia, motivada em parte por uma formação académica mais prolongada ou pela precariedade laboral e o desemprego. Segundo os dados do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), a idade média no casamento passou de 32 anos em 2006 para 33 em 2012.

Já as dificuldades financeiras, diz Maria das Dores Guerreiro, não têm necessariamente de desincentivar uma união (embora essa união possa não passar por um casamento). “Imagine um casal que vivia em casas separadas e pagava duas rendas. Podem pensar que, dada a situação, se calhar até era mais rentável ‘juntarem os trapinhos’ e reduzirem as despesas’”. Outra realidade próxima das dificuldades financeiras e do desemprego é a emigração: “se há menos população jovem, também há menos pessoas no mercado matrimonial”.

Por fim, há outro ponto relevante: a liberdade individual. “Se o casamento for entendido como uma perda de liberdade, então estar sem vínculo e sem coabitação plena pode ser uma forma de a salvaguardar”. É disso que Marta e José falam. “Para nós, a liberdade individual é essencial e não queríamos estar sujeitos às regras e formalismos impostos pelo casamento. A união de facto proporciona-nos uma maior liberdade de construirmos a nossa relação à medida dos acontecimentos”.

É esse desenhar de um percurso biográfico autónomo, sem imposições, que a socióloga também salienta hoje em dia. “Não há um destino traçado que passe obrigatoriamente pelo casamento”. Já para Maria João Valente Rosa, demógrafa e directora da Pordata, esta evolução reflecte uma aposta nas relações. “Torna as pessoas mais livres e libertas dos outros, com uma proximidade mais genuína, sem sacrifícios”. Contudo isso “não significa que gostemos menos ou que as pessoas se tornaram mais egoístas, pelo contrário. É uma sociedade mais baseada em emoções onde as relações entre as pessoas aumentaram em qualidade”.

Direito a escolher
Se a liberdade é uma conquista, poder escolher é outra. Para Anália Torres, socióloga e professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), é isso que está em causa quando se fala do aumento dos casamentos homossexuais e da diminuição dos casamentos heterossexuais. “Não há paradoxo nenhum entre eles. O que está em causa é o direito a poder optar e os homossexuais não podiam”.

Oscar e João Pinto, quando pensaram em casar, já o podiam fazer. Casaram-se em Portugal, em Julho de 2012. Foi um dos 295 casamentos entre pessoas do mesmo sexo no ano passado (95 entre homens e 200 entre mulheres), segundo os dados do IRN. É em Paris que vivem hoje, onde ainda se assiste à luta pela legalização do casamento homossexual. Se não fosse a falta de trabalho e as condições diferentes que conseguem ter na capital francesa, viveriam em Lisboa.

Oscar, 27 anos, nasceu em Taiwan e João, 29, é português. Conheceram-se num site de encontros na Internet e durante três anos mantiveram um relacionamento online. Falavam diariamente pelo Skype e contavam um com o outro para partilhar o que quer que fosse. Em 2010, Oscar foi de Taiwan para Paris, para estudar, e tomou a decisão de comprar um bilhete de avião e vir a Portugal. Confessam terem receado desiludirem-se quando se encontrassem pessoalmente. “Mas já não havia volta a dar”, diz João.

Encontraram-se pela primeira vez em Lisboa, continuaram em contacto à distância e, um tempo mais tarde, Oscar regressou a Lisboa, onde ficou durante um mês. “Desde essa altura senti que ele era a pessoa certa. Não nos pareceu nada estranho, era a continuação do que tínhamos”, conta Oscar, em inglês, embora diga já começar a perceber algumas coisas em português. Durante esse mês, estiveram a viver juntos e a “partilhar um quarto pela primeira vez”, acrescenta João. Falar em casamento começou por ser uma brincadeira. “Nunca tínhamos pensado a sério no assunto, falávamos disso a gozar".

Não foi por uma questão prática que se casaram, mas pelo valor emocional que vêem na confirmação de um compromisso. Quando a decisão se tornou séria, quiseram que o casamento fosse só com a família. “Agora temos o compromisso de nos mantermos juntos. O casamento deu-nos perspectivas mais seguras para fazer com que funcione”, diz João. Para Oscar, o casamento passou-os da fase em que “eram só os mundos de nós os dois” para a fase em que as famílias também fazem parte.

Há outros casos em que as famílias também têm peso na decisão da conjugalidade. Assim é para Dipti Pancha (26 anos) e Filipe Rebolho (35), com casamento marcado para o próximo mês de Março. Nunca na família de Dipti alguém se casou com uma pessoa de outra religião: ela foi a primeira a fazer essa escolha. É indiana, de religião hindu, nascida em Maputo. Veio com nove meses para Portugal, com os pais e os dois irmãos mais velhos. Ao contrário dela, os irmãos, que hoje vivem em Inglaterra, tiveram mais contacto com a família em Moçambique e por isso também tiveram mais influência da religião. “A religião ainda é uma coisa presente nos meus pais, a mim já não me diz tanto. Não como carne de vaca, por exemplo, porque a vaca é sagrada para os hindus, mas não sou praticante”. Isso nunca foi um problema para a família. “A crença é de cada um. O meu pai é bastante aberto, acha que a crença não deve ser impingida a ninguém”.

É Dipti quem conta a história dos dois: conheceram-se na faculdade, começaram a falar na Internet e há um ano Filipe pediu-a em casamento. Quando foi conhecer a família do namorado, que é católico não-praticante, sentiu-se bem aceite. “Não tiveram esse preconceito, acho que lhe podemos chamar preconceito. O pai do Filipe não viu problema em saber que o filho ia casar com alguém que não era cristã”. Já a fase em que Dipti teve de contar ao pai, acrescentando que ia deixar Lisboa e o trabalho para viver para perto de Mirandela, onde está o namorado, não foi fácil. “Tive receio, mas ele acabou por aceitar. Acho que também já estava à espera que não me casasse com um rapaz indiano”.

Dipti conta que a irmã mais velha já lhe tinha dito que dificilmente a via casada com um homem indiano. “São mais controladores em relação à mulher e, por exemplo, não aceitam relações sexuais antes do casamento. Em geral são extremamente fechados e tem uma forma de pensar em túnel”. Ter sido criada e educada em Portugal fê-la sentir-se mais próxima da cultura europeia e ocidental do que da indiana.

Só que nem sempre tinha pensado em casar. Ao mesmo tempo, não se imaginava numa união de facto. “Tenho amigas a pensar o contrário, mas acho que uma união de facto é uma relação um bocadinho frágil e isso nunca me atraiu. Acho que há mais segurança num casamento, até mesmo quando se fala em filhos ou questões patrimoniais”.

É a questão patrimonial que a advogada Rita Sassetti, especialista em Direito da Família, sublinha como a principal diferença em relação a um casamento. “Quem vive numa união de facto, ou seja, com coabitação seguida de mais de dois anos, tem direitos, mas não é herdeiro. Estando casado, passa automaticamente a ser herdeiro”.

Para lá do património, Dipti põe à frente do casamento a felicidade. Falar em divórcio numa família indiana e hindu? “É um tabu, para ser sincera. As pessoas preferem ficar casadas e serem infelizes, do que enfrentar a vergonha de um divórcio”. Para a mãe, nascida e criada na Índia, um divórcio é sinónimo de estragar a vida. “Eu preferiria enfrentar um divórcio a ser infeliz. É a minha vida”.

Para Marta e José o casamento não é prioridade, mas também não vêem fragilidades numa união de facto. Para Oscar e João poderem optar por casar foi importante: é nesse compromisso que vêem mais segurança na relação. Já o casamento civil de Dipti e Filipe, daqui a menos de dois meses, prova que a religião e a cultura não são obstáculos. Como sublinha o psicólogo Manuel Peixoto, também a noção de um ‘bom casamento’ mudou. “Antes, a questão principal era o suporte económico, o bom casamento era esse”. Hoje, o bom casamento dependerá principalmente do que cada um quiser para a sua vida.