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6.8.21

Investigador propõe subsídio mensal por cada filho para aumentar natalidade

in TSF

Para o investigador Fernandes de Matos, este tipo de apoio à natalidade deve manter-se como "um incentivo inicial".

A inversão do decréscimo da natalidade nos territórios do interior "exige políticas públicas de médio e longo prazo", defendeu o investigador em desenvolvimento regional Fernandes de Matos, propondo um subsídio mensal por cada filho em função do rendimento familiar.

"Essencialmente, para os municípios que estão muito rarefeitos, [...] um subsídio mensal por cada filho poderia ajudar", sugeriu Fernandes de Matos, referindo que esse apoio a nível local devia ser atribuído "em função do rendimento familiar", à semelhança do abono de família, com escalões.

Em declarações à agência Lusa, o investigador em desenvolvimento regional e professor da Universidade da Beira Interior considerou que os apoios municipais de incentivo à natalidade atribuídos uma única vez e com um valor fixo são "um contributo", mas funcionam como "penso rápido", sem responder ao problema estrutural dos territórios do interior, inclusive a falta de serviços públicos de proximidade, desde a área da educação à saúde.

Entre os municípios com medidas de incentivo à natalidade está Alcoutim, no distrito de Faro, que ocupou nas últimas duas décadas o 'ranking' dos cinco concelhos com menos nascimentos em Portugal, com 16 nados-vivos em 2001 e 11 em 2020, pelo que decidiu atribuir 5.000 euros por cada bebé que nasça no concelho.

Já o município de Almeida, no distrito da Guarda, que registou o maior decréscimo do país no número de nascimentos em 2020 comparativamente a 2001, com uma redução de -71,8%, ao passar de 64 para 18 recém-nascidos, prevê a atribuição de 1.000 euros para o primeiro filho e de 1.250 euros para o segundo filho e seguintes.

Para o investigador Fernandes de Matos, este tipo de apoio à natalidade deve manter-se como "um incentivo inicial", mas é necessário que seja "complementado com as medidas de carácter mais permanente".

Apesar de ser uma tendência registada nas últimas duas décadas em todo o país, à exceção da região do Algarve, o decréscimo da natalidade foi mais acentuado nos concelhos do interior, o que traduz em parte a dinâmica de perda de população nestes territórios, a par do aumento do padrão de litoralização e da concentração populacional junto da capital, segundo os resultados preliminares dos Censos 2021.

Na perspetiva do investigador em desenvolvimento regional, além das medidas de apoio à natalidade, é preciso resolver os desincentivos à fixação de população no interior do país, desde a deficitária rede pública de creches e jardins de infância à falta de transportes públicos, e reforçar os investimentos nestes territórios, nomeadamente projetos de interesse nacional com "efeito âncora".

"A discriminação que se quer positiva do interior, que é flexibilizar algumas das regras e ter apoios majorados, pecam por defeito, é sempre menos do que aquilo que era necessário", apontou o professor da Universidade da Beira Interior, indicando que estes territórios com pouca população acabam também por ser penalizados na atribuição de fundos comunitários, assim como na representatividade por parte do poder político, inclusive na Assembleia da República.

Com a maioria dos investimentos a concentrarem-se no litoral, em que as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto "são autênticos aspiradores", que "sugam recursos, sejam humanos, sejam financeiros", o tecido social e económico dos territórios do interior tem dificuldade em avançar com novos projetos, inclusive devido ao "próprio desânimo", explicou o investigador, dando como exemplo as remessas dos emigrantes do interior que são canalizadas para investimentos no litoral em vez de serem na região de origem.

"Se não há esta infraestruturação, claro que o tecido económico vai ficando mais fraco, a produção vai desaparecendo, porque não há oportunidades, não há emprego, não há empresas a crescer, não há novas empresas a ficarem sediadas, tudo isto se vai acumulando", expôs.


A inversão da tendência de decréscimo da natalidade "exige políticas públicas de médio longo prazo, portanto não podem ser políticas públicas pensadas para um ciclo legislativo, têm de ser pensadas num horizonte 10, 15, 20 anos", considerou Fernandes de Matos.

"A questão não é só o aumento da taxa de natalidade, diria que essa é a questão, eventualmente, mais simples, assumindo que há população jovem e que quer assumir esse desafio de ter mais filhos [...], mas é preciso pensar que, depois das crianças nascerem, temos de lhes dar condições, a elas e aos pais, para terem aquilo que é o seu desenvolvimento e tudo aquilo que é depois a criação de oportunidades, para que essas crianças criadas, formadas, possam ficar na região", sustentou.

O investigador afirmou ainda que as condições "não são propícias" para que o ciclo de decréscimo de nascimentos se inverta naturalmente, por dinâmicas próprias que são criadas e geradas na região.

"Se não se fizer nada ou se se mantiver as mesmas políticas, as mesmas atuações, a situação vai-se agravar naturalmente", alertou, defendendo que, em termos de política pública, "é preciso olhar de vez para os serviços de proximidade".

"Como é que se quer inverter a natalidade, como é que se quer inverter esta quebra de população quando, por exemplo, a rede de ensino básico está depauperada?", questionou o professor da Universidade da Beira Interior.

Entre os serviços em falta no interior do país destacam-se ainda a saúde, os transportes públicos, inclusive autocarros e comboios, e os postos de correios, a que se juntam outros problemas a resolver, designadamente o custo das portagens das autoestradas ex-SCUT, a habitação a preços acessíveis, o preço da água e a rede de acesso à internet, indicou Fernandes de Matos.

Neste âmbito, a resposta deve passar por uma articulação entre os vários níveis de governação, central e local, envolvendo a comunidade, o tecido empresarial, as universidades e os politécnicos.

Além de medidas concretas como a atribuição de um subsídio mensal por cada filho em função do rendimento familiar, o investigador realçou a necessidade de um trabalho de sensibilização sobre o problema, que "é grave" e coloca em risco o país como um todo: "se hoje não temos bebés, amanhã não temos pessoas a criar riqueza e amanhã não teremos também idosos".

Sobre a exceção de aumento da natalidade nos concelhos do litoral do Algarve, o docente disse que pode ter a ver com a própria estrutura da população, eventualmente por ser mais jovem e ter mais imigrantes jovens a residir na região: "assumindo que haverá imigrantes jovens pode estar aí a chave para esta diferenciação".

Já o caso de Odemira, no distrito de Beja, que também registou uma subida de nascimentos nos últimos 20 anos, pode estar associado, igualmente, à imigração de jovens a trabalhar no setor agrícola, em que grande parte vem da Ásia: "até pelas suas características culturais, têm mais filhos do que nós europeus".

28.6.21

Considerar o número de filhos no cálculo das pensões “pode proteger as mulheres que optam” por ser mães

Natália Faria e Rui Gaudêncio (fotografia), in Público on-line

Ana Fernandes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, diz que os Censos de 2021 vão mostrar uma pirâmide etária semelhante ao “cogumelo da bomba atómica”. Quanto a medidas para contrariar a descida dos nascimentos e dos jovens em idade activa, admite que a beneficiação das mulheres com filhos no cálculo das pensões possa ser uma via, além de uma aposta muito clara em creches a preços acessíveis.

A mortalidade excessiva provocada pela covid-19 não é por si só suficiente para encurtar a esperança de vida dos portugueses, segundo Ana Fernandes, presidente da Associação Portuguesa da Demografia, para quem, além das mortes provocadas directamente pelo novo coronavírus, há ainda que estudar a mortalidade excessiva decorrente do medo, da ansiedade e do menor acesso aos cuidados de saúde. Mas a pandemia vai alterar a estrutura demográfica da população, sobretudo porque a incerteza instalada quanto ao futuro já está a fazer baixar a natalidade e não há imigrantes a entrar para compensar o envelhecimento populacional. Para contrariar esta tendência, importava discutir medidas como a indexação do cálculo das pensões ao número de filhos, como se fez em França, diz a também investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa.

Que impacto terá a pandemia na estrutura demográfica do país? Concorda com o INE quando este calcula que, no triénio 2019-2021, e na comparação com o triénio anterior, a esperança de vida possa recuar cerca de três meses, quer à nascença quer aos 65 anos?
Não creio. Para que isso acontecesse, era preciso que houvesse uma persistência da mortalidade, ou seja, que esse aumento da mortalidade por covid-19 alastrasse por todo o ano e isso não acontece.

Tivemos uns picos (um no Verão do ano passado e outro, maior, já em Janeiro deste ano) mas isso não me parece suficiente para justificar o recuo na esperança de vida. Para que esta mortalidade tivesse um efeito na esperança de vida à nascença, era preciso que tivesse morrido mais gente e mais jovem. Além disso, para que o INE pudesse aferir três meses no cálculo da esperança de vida, precisávamos de ter números muito correctos em relação à população, que não temos, estamos à espera dos resultados do recenseamento.
A pandemia vai continuar a ter um efeito muito negativo na decisão de ter uma criança

E aos 65 anos?
Aos 65 anos é provável que haja uma ligeira baixa ou estabilização, porque, apesar de não termos tido um aumento de mortalidade estrutural ao longo destes dois anos, as pessoas que morreram por covid-19 foram sobretudo pessoas com mais de 65 anos. E, tivemos, por exemplo, no Verão do ano passado, um pico de mortalidade por outras causas de morte que não covid-19, e que pode ser explicado pelo facto de ter havido poucas ambulâncias em determinado momento e pelas pessoas que morreram de ataque cardíaco e por AVC por falta de atendimento específico nas urgências ou por terem deixado de ir ao médico com receio.

Era preciso analisar melhor essas causas de morte que resultaram indirectamente da covid-19, mas não me parece, por aquilo que já sabemos da mortalidade excessiva, que esta seja suficiente para haver um recuo na esperança de vida.

Poder-se-á então dizer que o impacto da pandemia na estrutura demográfica será reduzido?
Será reduzido. A minha percepção é que este foi um fenómeno muitíssimo relevante e muitíssimo importante do ponto de vista social, que criou incerteza ao nível daquilo que era certo que era o controlo da mortalidade, mas que, em termos de impacto estatístico populacional e ao nível da estrutura etária, não terá relevância.
Quando às creches não temos visto grandes preocupações políticas. As creches privadas continuam a ser demasiado caras, mais do que a universidade.

Mesmo considerada a diminuição da natalidade?
Isso é outra coisa. E aqui já não estamos a falar directamente da covid-19, mas daquilo que ela provoca nas pessoas. E, ao nível da natalidade, a pandemia está a ter um impacto pela incerteza que introduziu em termos económicos, para além das situações objectivas de precariedade que veio criar.

Portanto, a pandemia não só veio criar objectivamente situações precárias como, naqueles em que não chegou a fazê-lo, criou incerteza. E é esta incerteza instalada face à vida social e face ao amanhã que põe fortemente em causa a decisão de se ter uma criança.

Corremos o risco de voltar a um número semelhante aos 82.367 nascimentos de 2014 — ano em que batemos no fundo em termos de natalidade?
É provável, sim, que continuemos a baixar, até porque não me parece que as condições se tenham alterado, pelo menos ao nível da percepção da sociedade face àquilo que nos aconteceu. Não temos ainda dados para crer que as coisas estejam certas face ao futuro. E, nessa medida, a pandemia vai continuar a ter um efeito muito negativo na decisão de ter uma criança.

É o problema de o trabalho ser uma espécie de pedra de toque na decisão reprodutiva?
Completamente. É por aí que passa muito a decisão de ter um filho. Pela perspectiva de uma situação estável em termos de rendimento e de situação económica.

É de prever que tenhamos assim um estreitamento ainda maior na base da pirâmide etária?
Esse é um enorme problema que se vai reflectir no futuro e que não tem retrocesso: a base da pirâmide vai apertando, e, pelo facto de termos cada vez menos jovens por efeitos anteriores de recuo na natalidade, teremos também o estreitamento da pirâmide na parte central.

E isto é combatível por via de medidas de apoio à natalidade ou já não vamos a tempo?
O Governo está naturalmente a querer transmitir uma ideia de confiança no futuro e na recuperação da economia por via do dinheiro europeu que aí vem, mas não me parece que o rombo seja recuperável de imediato.
A França conseguiu chegar aos 2,1 filhos em média por mulher em idade fértil com a ajuda dos imigrantes, evidentemente, embora também com uma política muito orientada para a distribuição de creches por todo o lado. Essa preocupação não se tem visto por cá

No início do ano passado, ainda se pensava que as portas das empresas que tinham fechado, dos restaurantes e do comércio, voltariam a reabrir rapidamente, mas hoje já sabemos que não é assim e que muitas empresas fecharam mesmo. Do ponto de vista político, os estudos mostram que, entre os europeus, a chave de toque que faz com que possam ter mais filhos está na existência de creches acessíveis, no espaço e do ponto de vista económico: é o apoio fundamental de que as famílias precisam para decidirem ter um filho, quando há alguma segurança do ponto de vista económico, até porque as mulheres não querem ficar em casa, têm carreiras profissionais e não as querem perder.

E aqui até temos medidas bastante boas no sentido de uma maior participação dos pais na relação com os filhos, que ajudam a que as mulheres possam proteger um pouco melhor o seu local de trabalho e a sua carreira profissional. Mas quando às creches não temos visto grandes preocupações políticas. As creches privadas continuam a ser demasiado caras, mais do que a universidade.

A normalização do teletrabalho poderá ajudar a alavancar um bocadinho a maternidade, uma vez que a conciliação trabalho/família é outra das dificuldades frequentemente apontadas pelos pais?
Poderíamos teoricamente pensar que sim, mas, na prática, o trabalho em casa tem muitos ónus e muitas dificuldades, principalmente para as mulheres que passaram a funcionar a dois ritmos dentro de casa e sentiram as dificuldades de terem de se concentrar no trabalho ao mesmo tempo que têm de dar apoio à criança ou ao bebé, atender às refeições e organizar a casa. É muito complicado. E mesmo com as crianças na escola não penso que mudar o escritório para casa possa ter grande impacto na maternidade.

E temos por outro lado o menor afluxo de imigrantes, que poderá também agravar a queda da natalidade.
Exactamente. E a natalidade em Portugal beneficiou durante algum tempo das mulheres brasileiras que vinham para Portugal e que tinham filhos, ajudando assim a compensar a descida no número de nados-vivos e o défice de população jovem no país. E a França conseguiu chegar aos 2,1 filhos em média por mulher em idade fértil com a ajuda dos imigrantes, evidentemente, embora também com uma política muito orientada para a distribuição de creches por todo o lado.

Essa preocupação não se tem visto por cá e, desde que Manuela Ferreira Leite fechou as creches públicas, como as que existiam ao nível das universidades e dos locais onde havia jovens, o problema das creches está totalmente entregue à sociedade civil, privados e instituições particulares de solidariedade social.

A natalidade em Portugal não poderia beneficiar de medidas como a adoptada recentemente em Espanha, cujo Governo decidiu incluir as famílias monoparentais com dois filhos no conceito de famílias numerosas?
Isso poderá beneficiar as famílias, mas já não vem promover a natalidade, porque é uma medida a jusante disso. Há uma discussão que pode ser lançada neste domínio e que tem a ver com o facto de o cálculo das pensões poder ter em conta o número de filhos, nomeadamente para as mulheres. No fundo, pensar-se em introduzir no cálculo das pensões um coeficiente de ponderação consoante o número de filhos, multiplicando um pouco o valor que a mulher vai receber como pensão. Não vejo que no princípio da vida activa isto possa ser muito estimulante, mas é uma medida que os franceses adoptaram e que pode proteger mais as mulheres que optam por ter filhos.
Um sueco que anda numa cadeira de rodas faz a sua vida normal, apesar da sua incapacidade é uma pessoa autónoma, enquanto em Portugal não é, pode até ser um acamado ou, pelo menos, estar reduzido à janela de casa

Ainda em Madrid, Isabel Diaz Ayuso anunciou há pouco a decisão de apoiar as mulheres com rendimentos inferiores a 30 mil euros anuais com um cheque de 500 euros mensais, desde o quinto mês de gravidez até aos dois anos da criança, num apoio total de 14.500 euros, já a partir de 2022.
É uma medida que poderá ter algum impacto, não posso dizer que não, principalmente nas mulheres que não tenham uma aposta na carreira profissional. No fundo, é um abono que começa antes de a criança nascer. E os abonos em Portugal não são nada estimulantes da natalidade porque são muito baixos e são só para as crianças de categorias sociais muito baixas. Mas pensar que o nascimento de uma criança é um beneficio para o país pode passar por medidas dessas.

No caso de Madrid, a medida aplica-se apenas às mulheres até aos 30 anos de idade, pelo que se depreende que há aqui um esforço para tentar baixar a idade a que as mulheres têm filhos.
Essa preocupação percebe-se porque, em Portugal, por exemplo, a idade da mulher ao nascimento do primeiro filho está nos 30 anos, o que é muito alto. E isto compreende-se porque a entrada no mercado de trabalho dá-se muito tardiamente e os jovens demoram muito tempo a conseguir alguma estabilidade laboral e até uma relação conjugal estável. É tudo mais tardio. E isso também pode ser o reflexo do aumento da longevidade: como se vive muito mais tempo, foi tudo atrasado.
Calculei o impacto da crise anterior na esperança de vida aos 65 anos e realmente verificou-se uma redução, também porque muitas pessoas tiveram medo de perder as pensões e passaram a ter um menor acesso a cuidados de saúde, e isso traduziu-se em ataques de pânico, ataques de coração, e provavelmente, mortes prematuras. Agora estamos um bocadinho no mesmo padrão

Vamos continuar a somar ganhos na esperança de vida ou estamos perto do limite?
Estamos já perto do limite daquilo que é possível, porque, se retirarmos de uma tábua de mortalidade tudo o que é morte evitável (acidentes de viação, infecções...) e calcularmos novamente a esperança de vida, ela já ronda os 86 anos. Para as mulheres espanholas, aliás, já temos uma esperança de vida que ronda os 86 anos. Portanto, nós estamos no limiar daquilo que é possível em termos de estender a esperança de vida humana.

No entanto, entre os portugueses a esperança de vida saudável aos 65 anos é relativamente curta.
Nós temos das esperanças de vida saudável aos 65 anos mais baixas da Europa. Mas este cálculo é feito com base em indicadores de avaliação subjectiva e não objectiva, ou seja, são as pessoas que dizem se têm saúde ou não, se têm incapacidade ou não, e, portanto, isto vale o que vale, ou seja, tem um valor muito relativo porque em Portugal as pessoas são sempre muito pessimistas, olham para a sua saúde sempre pelo lado negativo. E depois a nossa cultura é muito dependentista, promovemos pouco a autonomia. Enquanto os nórdicos são muito promotores da autonomia da pessoa, nós somos muito proteccionistas. E, portanto, um sueco que anda numa cadeira de rodas faz a sua vida normal, apesar da sua incapacidade é uma pessoa autónoma, enquanto em Portugal não é, pode até ser um acamado ou, pelo menos, estar reduzido à janela de casa porque não sai, não tem autonomia.

Vê paralelismos e diferenças do impacto desta crise na estrutura populacional relativamente à crise anterior, que motivou a vinda da troika?
Penso que as duas crises se estão a encontrar. Porque a crise financeira provocou uma crise económica, tivemos empresas fechadas, negócios que deixaram de funcionar, pessoas desempregadas, e também se instalou a incerteza. E, do ponto de vista sociológico, podemos dizer que o perfil destas duas crises é idêntico, ainda que esta que estamos a viver esteja agravada pela incerteza relativamente à saúde. Mas há uma similitude muito grande entre uma e a outra.

Eu calculei o impacto da crise anterior na esperança de vida aos 65 anos e realmente verificou-se uma redução, também porque muitas pessoas tiveram medo do que ia acontecer, medo de perder as pensões e passaram a ter um menor acesso a cuidados de saúde, e isso traduziu-se em ataques de pânico, ataques de coração, e provavelmente, mortes prematuras. E agora estamos um bocadinho no mesmo padrão de incerteza, não em relação às pensões, não tivemos o mesmo tipo de cortes, mas na incerteza em relação ao dia de amanhã.

Mas na altura pesou o medo ou o efectivo menor acesso a cuidados de saúde?
Penso que foi um misto dos dois, porque, na velhice, a insegurança quanto ao dia de amanhã causa muita inquietação. Eu apanhei algumas pessoas de idade com esta inquietação, que causa muito desespero, tristeza, depressão e problemas de saúde, evidentemente.

É certo que os Censos de 2021 não vão espelhar ainda os efeitos da pandemia na população, mas que mudanças espera encontrar na estrutura populacional portuguesa quando forem divulgados os resultados?
O que nós esperamos é uma aproximação da pirâmide etária àquilo a que chamo a imagem do “cogumelo da bomba atómica”, explosivo e algo assustador, em que a parte central e a base da pirâmide se encolhem acentuadamente e o topo aumenta. Penso que continuaremos acima dos dez milhões de residentes, mas a reduzir, e que vamos ter défice de população activa, de população jovem. Teremos mais espaço nas escolas e mais pessoas em lares e a viver sozinhas. Portanto, teremos um acentuar do encolhimento na parte central e da base e um alargamento do topo na pirâmide etária.

E não devíamos estar a olhar mais seriamente para este problema?
Com certeza, porque é o futuro. A demografia é traiçoeira, quando ela se apresenta é como facto consumado já não há nada a fazer, porque já se devia ter feito para trás.

19.1.16

"Campanhas são importantes mas não chegam"

Elísio Estanque, investigador do Centro de Economia Social, in Diário de Notícias

Puobre natalidade a elísio Estaque, investigador do Centro de Economia Social

Vários distritos têm menos de mil nascimentos. Como mudar este cenário?

A economia entrou numa situação em que nos esquecemos dos investimentos locais para fixar população mais jovem. Se não houver capacidade no tecido económico e das autarquias para desenvolverem projetos locais de modo a que haja vontade dos mais jovens se fixarem, vai continuar a acontecer esta tendência. Se Portugal fosse um barco já tinha virado para o lado do Atlântico. Cerca de dois terços da população está na faixa litoral do país. Estes dados confirmam isto.

Nos últimos anos várias autarquias apostaram em algumas medidas, como cheques, para incentivar os nascimentos. Será suficiente?

As campanhas de natalidade são importantes pela pedagogia e informação, mas não chegam. Não há nenhuma solução de varinha mágica. Vemos alguns aspetos que podem levar a mudanças a prazo. Um deles é a recuperação económica geral do país e da Europa, do trabalho e do papel das autarquias. Estas têm estado estranguladas pela austeridade. Portugal é muito caracterizado pela falta de iniciativa cidadã. É preciso criar redes de governação local. É preciso que as forças vivas de determinada região desenvolvam projetos comuns.

Que redes são estas que podem ser criadas e que ajudem a fixar os mais jovens?

Redes de solidariedade, de entreajuda, bancos de horas em regime de reciprocidade. Há muita coisa que pode ser feita. Espanha tem vários exemplos. Estamos apáticos a este nível. Os poderes locais e nacionais têm dificuldade em dialogar com as diferentes forças vivas das localidades. É preciso um novo impulso com projetos que envolvam a juventude, que os faça sentir que devem apostar na terra onde nasceram. Mas isto não acontece espontaneamente. É preciso que o exemplo venha de cima.

21.2.14

“Se os casais jovens tiverem incentivos e emprego, terão filhos e a natalidade aumenta”

por Olímpia Mairos, in RR

Problema demográfico que atinge o país assume relevo especial em concelhos do interior, como Alfândega da Fé, onde esta sexta-feira se debatem questões relacionadas com natalidade e conciliação.

As questões relacionadas com a natalidade e conciliação vão estar em debate, esta sexta-feira, em Alfândega da Fé, numa iniciativa do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas que está a promover, por todo o país, reuniões de trabalho com instituições, autarquias e outras entidades, no sentido “de recolher informação, opiniões e propostas para posteriormente fazer a síntese e apresentar soluções”.

O diagnóstico há muito que está feito. O problema demográfico que atinge o país assume, no entanto, relevo especial em concelhos do interior, como Alfândega da Fé, onde se assiste ao agravar da tendência de envelhecimento da população e da diminuição da natalidade.

“Esta tendência já vem de há umas décadas, mas, neste momento, está a atingir um ponto crítico, porque estamos a ter uma maior emigração, principalmente de jovens”, diz à Renascença a presidente da autarquia, Berta Nunes.

“Se não temos jovens, não temos casais jovens e não temos crianças”, acrescenta a autarca, salientando que o seu concelho apresenta um “envelhecimento muito acentuado e uma diminuição de natalidade e de crianças e jovens em idade escolar”.

A autarca refere que não bastam os apoios concedidos pela autarquia para reverter esta situação e defende medidas de âmbito nacional para conseguir fixar populações e incentivar a natalidade.

“No interior, as medidas terão que ser diferentes das do litoral, mas terão que ser medidas que ajudem a fixar casais jovens e a criar emprego”, defende Berta Nunes, acrescentando que “se os casais jovens tiverem incentivos e emprego, terão filhos e a natalidade aumenta”.