Vítor Costa, in Jornal Público
"Devemos desconfiar da migração de modelos"
O aumento da idade de reforma tem um efeito positivo nas finanças públicas, mas esse efeito pode ser atenuado pelo facto de também poder provocar uma diminuição no recrutamento de novos trabalhadores, provocando mais desemprego e, como tal, obrigar o Estado a aumentar a despesa com subsídios de desemprego.
As conclusões fazem parte de um estudo publicado ontem pelo Banco de Portugal juntamente com o boletim económico do Verão. O documento analisa a alteração legislativa ocorrida em 1994 e que levou à equiparação da idade da reforma entre homens e mulheres. Antes desta alteração, a idade legal de aposentação para as mulheres era de apenas 62 anos e a dos homens 65.
Ora, segundo o documento, o aumento da idade da reforma das mulheres terá "feito diminuir de forma expressiva o recrutamento de novos trabalhadores, sobretudo de mulheres jovens (...). Num horizonte de cinco anos, por cada trabalhadora afectada pela alteração da idade da reforma terão deixado de ser recrutados dois trabalhadores", salienta-se nas conclusões do referido documento. Por outro lado, "foi ainda detectada uma quebra do volume de vendas entre as empresas afectadas, que não parece ter influenciado a sua produtividade média, uma vez que a diminuição das vendas foi acompanhada por uma variação líquida de emprego negativa".
Assim, e neste cenário, concluem os autores, "a indicação de perda líquida de emprego entre as empresas afectadas poderá significar, na ausência de efeitos de equilíbrio geral que contrariem a tendência para diminuição dos recrutamentos, que o efeito favorável sobre as finanças públicas garantido pelo adiamento da idade da reforma poderá ser atenuado pela quebra das contribuições para a segurança social e pelo aumento da despesa em subsídios de desemprego por parte dos trabalhadores jovens".
Vítor Constâncio deixou ontem um recado ao ministro Vieira da Silva: o modelo de flexi-segurança dinamarquês "não pode ser importado do pé para a mão". O governador do Banco de Portugal recordou as diferentes características dos dois países - nomeadamente o nível muito mais elevado dos subsídios de desemprego, do grau de sindicalização e da negociação colectiva que existe na Dinamarca. E por isso, avisou: "Devemos olhar sempre com desconfiança para a migração de modelos." Constâncio, que elogiou o exemplo nórdico, lembrou ainda que a flexi-segurança implica uma maior flexibilidade do mercado de trabalho, mas também exige que "haja condições do outro lado da balança que levem as pessoas a aceitar a flexibilidade".